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DOS CRIMES CONTRA O SERVIÇO MILITAR E O DEVER MILITAR

No documento Direito Penal Militar Prof. Rodolfo Souza (páginas 144-150)

1. DA INSUBMISSÃO

1.1. Insubmissão

• Tipo legal

Art. 183. Deixar de apresentar-se o convocado à incorporação, dentro do prazo que lhe foi marca-

do, ou, apresentando-se, ausentar-se antes do ato oficial de incorporação:

Pena – impedimento, de três meses a um ano.

Caso assimilado

§ 1º Na mesma pena incorre quem, dispensado temporariamente da incorporação, deixa de se

apresentar, decorrido o prazo de licenciamento. Diminuição da pena

§ 2º A pena é diminuída de um terço:

a) pela ignorância ou a errada compreensão dos atos da convocação militar, quando escusáveis; b) pela apresentação voluntária dentro do prazo de um ano, contado do último dia marcado

para a apresentação.

• Objetividade jurídica: o tipo em estudo, embora inaugure o capítulo dos crimes contra o serviço e o dever militares, tutela apenas o serviço militar, uma vez que aquele que é con- vocado não está ainda atado ao dever militar.

• Sujeitos do delito: o sujeito ativo é o civil convocado, porquanto em nenhuma das condu- tas descritas no tipo exige-se que o sujeito ativo esteja incorporado à Instituição Militar. Portanto, de forma sui generis, no diploma castrense, este delito limita a sujeição ativa apenas a quem não é militar.

Cumpre-nos, neste ponto, identificar um iter a ser seguido na identificação do convocado. A Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964 (“Lei do Serviço Militar”), define uma figura preliminar ao convocado, qual seja, o refratário. O art. 24 da referida Lei dispõe que o “brasileiro que não se apresentar para a seleção durante a época de seleção do contingente de sua classe ou que, tendo-o feito, se ausentar sem a ter completado, será considerado refratário”.

O art. 25 da mesma Lei dispõe que “o convocado selecionado e designado para incorporação ou matrícula, que não se apresentar à Organização Militar que lhe for designada, dentro do prazo marcado ou que, tendo-o feito, se ausentar antes do ato oficial de incorporação ou matrí- cula, será declarado insubmisso”.

Agora, resta verificar quem é o convocado. É considerada convocada à incorporação a pessoa selecionada para tanto e designada para a incorporação ou matrícula em Organização Militar, devendo apresentar-se no prazo que lhe for fixado.

Essas definições são complementadas pelo Decreto nº 57.654, de 20 de janeiro de 1966, que regulamenta a “Lei do Serviço Militar”. Assim, o Decreto em relevo define, em seu art. 3º, as expressões e termos acima utilizados.

Em resumo e simplificadamente, portanto, teríamos uma primeira condição de irregularidade que não configuraria ilícito penal militar, a situação do jovem que não se alista, não comparece para a seleção ou dela não participa até o fim, considerado refratário. Uma vez selecionado, no entanto, e tendo designada Organização Militar e data para se apresentar para a incorporação ou matrícula, o cidadão ocupará a figura do convocado, sendo, pois, passível de cometimento do delito de insubmissão. Apenas para se ter o completo iter, o convocado incorporado passa à condição de militar, podendo, por exemplo, caso se ausente ilegalmente por mais de oito dias do lugar onde presta o serviço militar, praticar o delito de deserção, que estudaremos adiante. Cumpre observar, em instância final da composição do sujeito ativo, que a figura do convocado como acima delineado inexiste nas Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares do Brasil, os quais possuem um sistema de voluntariado na prestação do serviço da Instituição, conforme comanda o art. 11 do Decreto-Lei nº 667, de 2 de agosto de 1969. Nessa ordem, o delito em es- tudo não ocorre no âmbito das milícias estaduais. É dizer, em outros termos, que, por exemplo, na milícia paulista, o candidato aprovado que não se apresentar para tomar posse no cargo será considerado desistente e abrirá vaga para o próximo classificado; caso se apresente, por outro bordo, e efetive sua admissão, saindo em seguida e não mais retornando, será considerado au- sente, tendo início a contagem de prazo para sua deserção.

O sujeito passivo, titular do bem jurídico aviltado, é a própria Instituição Militar.

• Elementos objetivos: como se pode inferir, o delito em estudo visa alcançar o civil que, convocado, busca escapulir da prestação do serviço militar, iniciado com o ato de incor- poração ou de matrícula. O serviço militar no Brasil, nos termos do caput do art. 143 da CF, é obrigatório, segundo os parâmetros dados por lei específica. Essa lei é exatamente a supracitada “Lei do Serviço Militar”, que define, em seu art. 1º, o serviço militar como o exercício de atividades específicas desempenhadas nas Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), compreendendo, na mobilização, todos os encargos relacionados com a defesa nacional.

essencialmente militar. Nesse prisma foi editada a Lei nº 8.239, de 4 de outubro de 1991, que conferiu ao Estado-Maior das Forças Armadas, em coordenação com os ministérios militares, a competência para atribuir serviço alternativo, o que foi regulado pela Portaria COSEMI nº 2.681, de 28 de julho de 1992, em vigência.

São duas as condutas reprimidas por este tipo. A primeira delas é deixar de se apresentar e a segunda é ausentar-se.

Na primeira possibilidade, o autor, convocado para incorporação à Força, deixa de apresentar- -se à Instituição Militar no prazo que lhe foi determinado.

Já na segunda, ele se apresenta à Força no prazo determinado, mas, em seguida, ausenta-se antes da formalização de sua incorporação.

No § 1º do artigo em estudo consagrou-se um caso assimilado, dispondo que incorrerá na mes- ma pena aquele que, dispensado temporariamente da incorporação, deixa de se apresentar, findo o prazo de licenciamento. Em verdade, a “Lei do Serviço Militar” fala em adiamento do serviço militar, e não em dispensa temporária de incorporação. Tais casos estão enumerados no art. 29 da referida Lei.

Por fim, o § 2º do dispositivo em estudo prevê minoração da pena em um terço, com base na ignorância ou errada compreensão dos atos da convocação militar, quando escusáveis ou quando há o arrependimento posterior do agente, que se apresenta voluntariamente dentro do prazo de um ano, contado do último dia marcado para a apresentação. No primeiro caso vemos a plena materialização do princípio ignorantia legis neminen excusat, ou seja, o dogma de que a ignorância da lei é inescusável e, ainda que o seja, a culpabilidade do agente não es- tará afastada. Essa construção, aliás, é muito frequente no Código Penal Militar, que, já no art. 35, ao tratar do erro de direito – que não se aplica à insubmissão, visto que se trata de crime contra o serviço militar –, prevê que a pena pode ser atenuada ou substituída por outra menos grave quando o agente, salvo em se tratando de crime que atente contra o dever militar, supõe lícito o fato, por ignorância ou erro de interpretação da lei, se escusáveis. Note que o dispositi- vo passa ao largo de uma escusa a isentar de pena, mas, tão somente, permite a atenuação da culpabilidade.

• Elemento subjetivo: só admite o dolo, a intenção, a vontade livre e consciente de se furtar ao serviço militar, deixando de apresentar-se ou ausentando-se após sua apresentação. Por admitir somente a modalidade dolosa, por óbvio, para que o crime se verifique, o autor deve necessariamente saber o dia, a hora e o local da apresentação, o que deverá estar expres- so em documento que recebeu na vez anterior em que esteve em seleção.

• Consumação: o delito se consuma quando o autor deixa de comparecer à Instituição Mi- litar no limite do tempo que lhe foi concedido para tal ou quando se ausenta, tendo já se apresentado para a incorporação que ainda não foi oficializada.

• Tentativa: não é possível, em vista de a conduta ser omissiva (1ª hipótese) e de mera con- duta (2ª hipótese).

• Crime propriamente militar: uma observação deve ser trazida à análise do leitor. A teoria clássica, ao classificar os delitos militares em próprios e impróprios, vê na insubmissão uma exceção, por ser o único crime militar que somente o civil pode cometer. Justifica-se essa exceção pelo fato de que, apesar de ser praticado por um civil, a incorporação do faltoso,

portanto a condição de militar, é condição de punibilidade ou de procedibilidade, nos ter- mos do art. 464, § 2º, do CPPM. Vale dizer que, antes de adquirir a qualidade de militar, com sua inclusão nas Forças Armadas, não cabe ação penal contra o insubmisso.

Foi justamente essa excepcional condição da insubmissão que fez com que Jorge Alberto Ro- meiro idealizasse outra teoria para definir os crimes propriamente militares, firmando que cri- me propriamente militar traduz-se por aquele “cuja ação penal somente pode ser proposta contra militar.

• Tipicidade indireta: como o delito somente pode ser perpetrado por um civil com a espe- cial condição de convocado, para se ter a completa compreensão da tipicidade deste crime deve-se verificar o inciso III do art. 9º do CPM.

• Ação penal: é pública incondicionada. Contudo, é necessário lembrar da necessidade de prévia incorporação do insubmisso para que se possa desencadear a ação penal (condição de procedibilidade).

1.2. Criação ou simulação de incapacidade física

• Tipo legal

Art. 184. Criar ou simular incapacidade física, que inabilite o convocado para o serviço militar: Pena – detenção, de seis meses a dois anos.

• Objetividade jurídica: o presente dispositivo também tutela somente o serviço militar, uma vez que aquele que é convocado não está ainda atado ao dever militar.

• Sujeitos do delito: o sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa, o convocado, bem como aquele que, militar ou civil, o auxilie a simular ou a criar a incapacidade.

O sujeito passivo, titular do bem jurídico aviltado, é a própria Instituição Militar. • Elementos objetivos: os núcleos da conduta são “criar” ou “simular”.

Criar implica fazer, tornar existente, gerar a incapacidade que impeça a prestação do serviço militar. Como se verifica, estamos diante de uma excepcional responsabilização penal pela au- tolesão. É o caso do convocado que se autolesiona para furtar-se ao serviço militar, ou de quem o auxilie ou mesmo crie a incapacidade, como no caso do pai que, não desejando que o filho preste o serviço militar, mutila-o durante o sono, devendo responder por este delito, além da- quele correspondente à lesão provocada.

“Simular”, por sua vez, significa “fingir”, representar com semelhança, fazer crer, por um engo- do, que o convocado está inabilitado para o serviço militar por incapacidade. Pode ser perpe- trado pelo próprio convocado ou por terceiro.

A primeira modalidade (criar) faz existir e a segunda (simular) faz parecer que existe algo que incapacite o acusado a fim de inabilitá-lo para o serviço militar. Essa incapacidade poderá ser física, muito mais comum, ou mental.

Evidentemente, a prova deste delito só se fará por avaliação médica, em vista de o exame e a conclusão serem eminentemente técnicos, dependendo de profissional habilitado.

Note que o presente delito, como se verá, diferencia-se da modalidade prevista do art. 188, IV, do CPM, porquanto se tem em foco, no artigo em análise, apenas o convocado, enquanto, na- quele, a atenção se volta para o militarjá incorporado, que alcança a inatividade por simulação de incapacidade.

• Elemento subjetivo: só admite o dolo, a intenção, a vontade livre e consciente de se furtar ao serviço militar apresentando incapacidade física (real ou ficta) provocada.

• Consumação: o delito se consuma quando é reconhecida a incapacidade do convocado, tornando-o inabilitado para o serviço militar.

• Tentativa: é possível, nos casos em que o acusado não chega a ser reconhecido inapto, mas há ações no sentido de criar ou de simular essa incapacidade. Tome, por exemplo, a mal- fadada tentativa de mutilação, com o escopo de inabilitar para o serviço militar, que não conduza à incapacidade.

• Crime impropriamente militar

• Tipicidade indireta: para se ter a completa compreensão da tipicidade deste delito, deve- -se verificar o inciso I do art. 9º do CPM, no caso de o sujeito ativo ser militar em situação de atividade, obviamente quando crie ou simule a incapacidade em ser convocado. Caso o sujeito ativo seja civil – e aqui incluímos o próprio convocado – ou militar inativo, a com- plementação da tipicidade deve dar-se pelo inciso III do mesmo artigo, em uma de suas alíneas.

• Ação penal: é pública incondicionada.

1.3. Substituição de convocado

• Tipo legal

Art. 185. Substituir-se o convocado por outrem na apresentação ou na inspeção de saúde: Pena – detenção, de seis meses a dois anos.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem substitui o convocado.

• Objetividade jurídica: da mesma forma que os dispositivos anteriores deste capítulo, este busca tutelar somente o serviço militar.

• Sujeitos do delito: o sujeito ativo é o convocado, figura já delineada quando do estudo do art. 183. Por previsão do parágrafo único, também pode cometer o delito aquele que, civil ou militar, fez-se passar pelo convocado.

O sujeito passivo, titular do bem jurídico aviltado, é a própria Instituição Militar.

• Elementos objetivos: no tipo em análise, o convocado se faz substituir por outra pessoa, no momento de sua apresentação à Instituição Militar, ou no ato de inspeção de saúde que venha a sofrer.

O parágrafo único, como já frisado, estende a possibilidade de autoria ao terceiro que se faz passar pelo convocado, sofrendo repulsa penal de mesma intensidade. Há, nitidamente, hipó- tese de coautoria necessária, pois se presume que o convocado anuiu na substituição.

É elemento estranho ao tipo penal em relevo a consequência da substituição, caracterizando- -se o delito pela simples conduta. Assim, perpetrará o delito o convocado que se fizer substituir por pessoa com enfermidade para burlar a prestação do serviço, ou aquele convocado que, desejando ser incorporado, mas, portando alguma enfermidade que impeça a incorporação, substitua-se por terceiro que não possua tal enfermidade.

• Elemento subjetivo: só admite o dolo, a intenção, a vontade livre e consciente de se ver substituído ou de substituir o convocado na apresentação ou no exame de saúde.

Não é elemento expresso no tipo penal a intenção motivadora da farsa, delimitando-se tão somente a oportunidade em que ela se dá, ou seja, na apresentação ou na inspeção de saúde. Dessa forma, ainda que a intenção não seja ludibriar a convocação, frustrando o serviço militar, o delito ocorrerá.

• Consumação: o delito se consuma quando o terceiro se passa pelo convocado diante da Administração Militar.

• Tentativa: não é possível, em vista de ser delito instantâneo. O fato de os agentes planeja- rem a substituição e se aproximarem da execução não tem relevância jurídica.

• Crime impropriamente militar

• Tipicidade indireta: para se ter a completa compreensão da tipicidade deste delito, deve- -se verificar o inciso I do art. 9º do CPM, no caso de o sujeito ativo ser militar em situação de atividade, obviamente na hipótese do parágrafo único. Caso o sujeito ativo seja civil – e aqui incluímos o próprio convocado – ou militar inativo – este também na figura do pará- grafo único –, a complementação da tipicidade deve dar-se pelo inciso III do mesmo artigo em uma de suas alíneas.

• Ação penal: é pública incondicionada.

1.4. Favorecimento a convocado

• Tipo legal

Art. 186. Dar asilo a convocado, ou tomá-lo a seu serviço, ou proporcionar-lhe ou facilitar-lhe trans-

porte ou meio que obste ou dificulte a incorporação, sabendo ou tendo razão para saber que come- teu qualquer dos crimes previstos neste capítulo:

Pena – detenção, de três meses a um ano.

Isenção de pena

Parágrafo único. Se o favorecedor é ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso,

fica isento de pena.

• Objetividade jurídica: mais uma vez, como nos delitos anteriores, busca-se a tutela apenas do serviço militar.

• Sujeitos do delito: o sujeito poderá ser qualquer pessoa, exceto o próprio convocado favo- recido.

• Elementos objetivos: a conduta nuclear é “dar asilo”, significando dar guarida, abrigo ao convocado, para que se furte da incorporação ou a dificulte.

Também é abrangida pela descrição típica a conduta daquele que toma o convocado como seu serviçal, ou seja, que lhe dá serviço, emprega-o, o que, por si só, já minimizaria as consequên- cias da clandestinidade do protegido, proporcionando-lhe meio de subsistência.

Por fim, outra forma de perpetração do delito cinge-se à ação daquele que facilita transporte ou propicia meio que impeça ou atrapalhe a incorporação. Repare que, aqui, o agente não é quem proporciona diretamente tal auxílio, mas quem o facilita para que outrem o promova.

No documento Direito Penal Militar Prof. Rodolfo Souza (páginas 144-150)