• Nenhum resultado encontrado

DOS DIREITOS INDIVIDUAIS [474]

No documento eca comentado murillo digiacomo (páginas 150-155)

Art. 106. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de

ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária

competente

[475]

.

Parágrafo único. O adolescente tem direito à identificação dos responsáveis pela

sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos

[476]

.

474 Paralelamente aos direitos e garantias expressamente contempladas no ECA, partindo do princípio que “a criança e o adolescente gozam de todos os direitos

fundamentais inerentes à pessoa humana” (cf. art. 3º, do ECA), da inevitável

incidência da regra básica de hermenêutica segundo a qual toda e qualquer disposição estatutária somente pode ser interpretada e aplicada no sentido da

proteção integral infanto-juvenil (inteligência dos arts. 1º, 3º, 4º, 6º e 100, par.

único, inciso II c/c 113, do ECA), e da previsão expressa da aplicação, em caráter subsidiário, das regras gerais contidas na Lei Processual Penal (cf. art. 152, caput, do ECA), não é possível, lógica e legalmente, negar ao adolescente

acusado da prática de ato infracional qualquer dos direitos e garantias assegurados tanto pela Lei Processual Penal quanto pela Constituição Federal aos imputáveis acusados da prática de crimes. Vale mencionar, no entanto, que

sem prejuízo da plena aplicabilidade das normas de cunho “garantista” previstas tanto no próprio ECA quanto na Constituição Federal, normativa internacional e mesmo no Código de Processo Penal, o adolescente acusado da prática de ato infracional deve receber um tratamento DIFERENCIADO daquele destinado a imputáveis, até porque o procedimento especial destinado à apuração de ato infracional praticado por adolescente, previsto nos arts. 171 a 190, do ECA, é orientado por regras e princípios próprios do Direito da Criança e do Adolescente e pela Doutrina da Proteção Integral, visando, acima de tudo, a proteção integral do adolescente, não se confundindo assim com o processo penal destinado a apurar crimes praticados por adultos, que se destina pura e simplesmente à

punição destes, na forma da Lei Penal. Ainda sobre a necessidade que o

adolescente receba um tratamento diferenciado, que leve em conta suas peculiaridades, além dos direitos e garantias específicas previstos no ECA, vide art. 40, da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, de 1989 (valendo lembrar que o termo “criança” ali empregado, diz respeito a toda pessoa com idade inferior a 18 anos).

475 Vide art. 5º, inciso LXI, da CF; arts. 148, inciso I e 230, do ECA e arts. 301 a 303, do CPP c/c art. 152, do ECA. É o CPP que servirá de base para definição das situações em que restará caracterizado o flagrante de ato infracional praticado por adolescente, que serão exatamente as mesmas em que um imputável seria considerado em flagrante de crime ou contravenção penal. A apreensão irregular de criança ou adolescente pode dar ensejo à prática do crime previsto no art. 230 do ECA.

476 Vide art. 5º, incisos LXIII e LXIV, da CF e arts. 106 a 109 e 230, do ECA. Dentre os direitos a serem informados ao adolescente está o direito de permanecer calado e o de contar com a presença de seus pais ou responsável em todas as fases do procedimento, inclusive quando da formalização de sua apreensão (inteligência dos arts. 107, caput, 111, inciso VI e 174, todos do ECA).

Art. 107. A apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontra recolhido

serão incontinenti comunicados à autoridade judiciária competente e à família do

apreendido ou à pessoa por ele indicada

[477]

.

Parágrafo único. Examinar-se-á, desde logo e sob pena de responsabilidade, a

possibilidade de liberação imediata

[478]

.

477 Vide art. 5º, inciso LXII, da CF; arts. 148, inciso I, 111, inciso VI e 231, do ECA; item 10.1 das “Regras de Beijing” e itens 22 e 23, das “Regras Mínimas das

Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade”. Interessante

observar que o legislador optou por utilizar a expressão “incontinenti”, ao invés da palavra “imediatamente”, já contida no art. 5º, inciso LXII, da CF, para

enfatizar a necessidade de a comunicação ser efetuada no exato momento do

ingresso do adolescente na repartição policial, de modo que a autoridade

judiciária possa, desde logo, relaxar a apreensão ilegal (vide arts. 230 e 234, do ECA), e que os pais ou responsável possam comparecer perante a autoridade policial e acompanhar a lavratura do auto de apreensão em flagrante ou boletim de ocorrência circunstanciado (cf. art. 173, do ECA), além de receber o

adolescente após firmar termo de compromisso de apresentação ao

representante do Ministério Público (cf. art. 174, primeira parte, do ECA), no caso de sua liberação (que deverá ser a regra). Importante deixar claro que é a

autoridade policial (e não o Conselho Tutelar ou outro órgão) que deve efetuar a

aludida comunicação aos pais ou responsável, diligenciando, se necessário, no sentido de sua localização e comparecimento à repartição policial. A

comunicação da apreensão a outra pessoa (indicada pelo adolescente) somente poderá ocorrer caso os pais ou responsável pelo adolescente não sejam encontrados ou estejam em local inacessível. O acionamento do Conselho Tutelar, no momento da apreensão do adolescente, por sua vez, somente deverá ocorrer quando não forem localizados seus pais ou responsável e o acusado não indicar outra pessoa (adulta) para acompanhar a lavratura do auto de apreensão ou boletim de ocorrência circunstanciado, também não havendo no município um programa específico de atendimento social, que possa ser mobilizado em tais casos. Vale lembrar que, por força do princípio expressamente consignado no art. 100, par. único, inciso IX, do ECA (aplicável a adolescentes em conflito com a lei por força do disposto no art. 113, do mesmo Diploma Legal), a intervenção estatal deve ser realizada no sentido de fazer com que os pais assumam suas

responsabilidades em relação a seus filhos, não cabendo ao Estado (lato sensu)

“substituir” o papel que é próprio da família no processo de (re)construção da cidadania dos adolescentes em conflito com a lei.

478 Vide arts. 5º, incisos LVII e LXV e 227, §3º, inciso V, segunda parte, da CF; arts. 4º, caput c/c 16 e 108, par. único c/c 174, primeira parte, do ECA; art. 37, alínea “d”, in fine, da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, de 1989; item 19.1, das “Regras de Beijing” e item 17, das “Regras Mínimas das Nações

Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade”. O adolescente deve

ter assegurado, com a mais absoluta prioridade seu direito à liberdade, que somente poderá ser cerceado em situações extremas, após comprovada a “necessidade imperiosa” de sua contenção, até porque aqui também aplicável - e com muito mais razão, face o disposto nos arts. 1º e 5º, do ECA - o princípio

constitucional da presunção do estado de inocência. Salienta-se, outrossim, que

a autoridade competente (policial ou judiciária), tem o dever legal de ordenar a imediata liberação do adolescente, tão logo tenha conhecimento da ilegalidade de sua apreensão. Caso assim não proceda poderá, em tese, incorrer na prática do crime previsto no art. 234, do ECA.

Art. 108. A internação, antes da sentença, pode, ser determinada

[479]

pelo prazo

máximo de quarenta e cinco dias

[480]

.

Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada

[481]

e basear-se em

indícios suficientes de autoria e materialidade

[482]

, demonstrada a necessidade

imperiosa da medida

[483]

.

479 Apenas o Juiz da Infância e da Juventude é competente para determinar a internação provisória de adolescente acusado da prática de ato infracional (inteligência do art. 148, inciso I, do ECA). Importante observar que a única forma de manter apreendido o adolescente após seu flagrante, é decretando sua internação provisória. As hipóteses que autorizam esta contenção cautelar estão previstas no art. 174, segunda parte, do ECA. Caso o ato praticado não seja de natureza grave o decreto da internação provisória será juridicamente impossível

e, mesmo diante da prática de atos de natureza grave, a contenção cautelar do adolescente somente deverá ocorrer quando comprovada nos autos (e

devidamente fundamentada), a “necessidade imperiosa” da medida (cf. art. 108, par. único, do ECA), devendo, em regra, ser o adolescente liberado pela própria

autoridade policial, independentemente de ordem judicial, mediante termo (cf.

art. 174, primeira parte, do ECA).

480 Vide art. 37, alínea “d”, in fine, da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, de 1989; item 17, das “Regras Mínimas das Nações Unidas para a

Proteção dos Jovens Privados de Liberdade”; item 20.1, das “Regras de Beijing”;

arts. 183 e 235, do ECA e Instrução Normativa nº 02/2009, de 03/11/2009, do Conselho Nacional de Justiça/Corregedoria Nacional de Justiça. O procedimento deve tramitar de forma célere, dando-se a mais absoluta prioridade na sua instrução e julgamento, ex vi do disposto no art. 4º, caput e par. único, alínea “b” do ECA e art. 227, caput, da CF. Caso extrapolado o prazo máximo e

improrrogável de permanência do adolescente em regime de internação

provisória (em entidade própria para adolescentes, nos moldes do previsto no art. 123, do ECA), deverá ser o mesmo colocado em liberdade, providenciando o juízo sua entrega aos pais ou responsável, mediante termo (art. 101, inciso I, do ECA). A extrapolação de prazo fixado pelo ECA em benefício de adolescente privado de liberdade, em tese, caracteriza do crime tipificado no art. 235, do ECA, sem prejuízo da concessão de habeas corpus (inclusive de ofício), para imediata liberação do adolescente. Neste sentido: ESTATUTO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA. EXCESSO DE PRAZO. ALEGAÇÕES FINAIS. SÚMULA Nº 52/STJ. INAPLICABILIDADE. EXCEPCIONALIDADE-

BREVIDADE DA MEDIDA EXTREMA. ORDEM CONCEDIDA. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias. A medida sócio-educativa de internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. A aplicação da Súmula 52/STJ mostra-se incompatível com os princípios fundamentais do ECA, devendo prevalecer o respeito ao prazo máximo de internação provisória expressamente previsto de 45 (quarenta e cinco) dias. ‘WRIT’ CONCEDIDO para determinar a imediata soltura do Paciente, salvo se estiver internado por outro motivo. (STJ.

6ª T. HC nº 36981/RJ. Rel. Min. Ministro Paulo Medina. J. em 24/02/2005); e também: HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. ECA. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO À

TENTATIVA DE ROUBO. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA. EXTRAPOLAÇÃO DO PRAZO LEGAL DE 45 DIAS CARACTERIZADA. ART. 108 DO ECA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DO ‘WRIT’. ORDEM CONCEDIDA PARA CESSAR A INTERNAÇÃO PROVISÓRIA DO PACIENTE, DETERMINANDO-SE A IMEDIATA SOLTURA DO ADOLESCENTE, SE POR OUTRO MOTIVO NÃO ESTIVER INTERNADO. 1. Em que pese a reprovabilidade do ato infracional praticado, não pode o Juiz se afastar da norma contida no art. 108 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe expressamente que a medida de internação anterior a sentença não pode extrapolar o prazo de 45 dias. 2. É irrelevante o tipo de crime praticado, o ‘modus operandi’, a personalidade do agente, ou até mesmo de quem é a responsabilidade pela demora no julgamento; uma vez atingido o prazo máximo permitido para a medida cautelar, nos casos de menores infratores, deve o mesmo ser imediatamente posto em liberdade. 3. Parecer do MPF pela concessão da ordem. 4. ‘Habeas Corpus’ concedido para cessar a internação provisória do paciente,

determinando-se a imediata soltura do adolescente, se por outro motivo não estiver internado. (STJ. 5ª T. HC nº 131770/RS. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia

Filho. J. em 26/05/2009). Ainda sobre a internação provisória de adolescente acusado da prática de ato infracional, vide arts. 174 e 185, ambos do ECA. Em qualquer caso, vale lembrar que, enquanto não houver sentença transitada em julgado que reconheça a responsabilidade socioeducativa, presume-se a

inocência do adolescente (cf. art. 5º, inciso LVII, da CF), que como tal merece

ser tratado, sem qualquer preconceito ou discriminação (cf. art. 5º, do ECA e art. 227, caput, parte final, da CF), não sendo admissível, sob qualquer circunstância, sua permanência em repartição policial ou estabelecimento prisional por prazo superior aos 05 (cinco) dias tolerados pelo art. 185, §2º, do ECA. Resta observar, por fim, que não é admissível o decreto de internações provisórias sucessivas, em procedimentos diversos, a pretexto de extrapolar o prazo máximo de internação provisória, devendo todos os procedimentos porventura pendentes em relação ao adolescente ser reunidos para decisão única, observado o prazo máximo de segregração cautelar previsto em lei. Neste sentido: HABEAS CORPUS ECA - ATOS INFRACIONAIS EQUIPARADOS AOS

CRIMES DE FURTO E ROUBO INTERNAÇÕES SUCESSIVAS DO ADOLESCENTE POR PRAZO SUPERIOR A 45 (QUARENTA E CINCO) DIAS RELATIVAS A FATOS PRETÉRITOS IMPOSSIBILIDADE - INTERPRETAÇÃO DISTORCIDA DO DISPOSTO NOS ARTS. 108 E 183 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO - ORDEM CONCEDIDA,

CONFIRMANDO-SE A LIMINAR ANTERIORMENTE DEFERIDA. (TJPR. 2ª C.Crim.

HCECA nº 0650455-2, de Centenário do Sul. Rel. Juiz Subst. 2º G. Carlos Augusto A. de Mello. Unânime. J. em 25/03/2010).

481 Vide art. 93, inciso IX, da CF, devendo ser utilizados como parâmetro as regras e princípios próprios do Direito da Criança e do Adolescente, sem jamais perder de vista que a medida de internação - ainda que aplicada em caráter provisório - não pode conter um fim em si mesma, muito menos ser aplicada numa

perspectiva meramente punitiva, sendo invariavelmente orientada pelo princípio

constitucional da excepcionalidade, insculpido no art. 227, §3º, inciso V,

segunda parte, da CF.

482 Tais indícios - que também são necessários para o oferecimento da

representação sócio-educativa (inteligência dos arts. 114 c/c 182, §2º, do ECA) - deverão estar presentes nos autos, sendo apontados pela decisão judicial respectiva.

483 Vide arts. 4º, caput c/c 16, 5º, 107, par. único e 174, do ECA; item 17, das “Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de

Liberdade” e item 13, das “Regras de Beijing”. Se já existem restrições à

custódia cautelar de imputáveis (em razão da presunção constitucional do estado de inocência - cf. art. 5º, inciso LVII, da CF), com muito mais razão se deve evitar a internação provisória de adolescentes, cabendo à autoridade judiciária a

cabal demonstração, por intermédio de argumentos e elementos idôneos

presentes nos autos, que a contenção do adolescente de fato se mostra

imperiosa na espécie, não bastando a singela remissão aos dizeres da lei. Neste

sentido: HABEAS CORPUS CRIME. DECISÃO QUE DECRETA INTERNAÇÃO

PROVISÓRIA DE MENOR INFRATOR, FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. ORDEM CONCEDIDA. 1. Diante do caráter extremamente excepcional da medida de internação provisória, somente pode ser decretada se, uma vez presentes prova da existência do crime e indícios da autoria, restem evidentes, com fundamento em base fática idônea, razões que demonstrem a necessidade imperiosa da medida, a teor do disposto no art. 108, parágrafo único. Assim, ilegal a decisão que, não obstante afirmar a existência de elementos suficientes nos autos a autorizar a decretação da internação provisória, não elenca, como deveria, a necessidade imperiosa da medida. 3. Ordem concedida. (TJPR. 1ª C. Crim. HC nº

177.261-4, de Maringá. Rel. Des. Bonejos Demchuk. Ac. nº 17892. J. em 30/06/2005).

Art. 109. O adolescente civilmente identificado não será submetido à identificação

compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de

confrontação, havendo dúvida fundada

[484]

.

484 Vide art. 5º, inciso LVIII, da CF; arts. 5º, 15, 17, 18 e 232, do ECA e Lei nº 12.037/2009, de 01/10/2009, que dispõe sobre a identificação criminal e dá outras providências. O adolescente não deve ser submetido ao constrangimento causado pela identificação datiloscópica se não houver dúvidas acerca de sua identidade.

No documento eca comentado murillo digiacomo (páginas 150-155)