• Nenhum resultado encontrado

Dos pressupostos da avaliação como instrumento de mudança e melhoria à realidade

CAPÍTULO IV APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS EMPÍRICOS

1. O processo de avaliação externa na escola E.B.2,3: breve enquadramento

1.4. Funcionamento da escola após o processo da avaliação

1.4.2. Dos pressupostos da avaliação como instrumento de mudança e melhoria à realidade

Como a avaliação pode ajudar a explicitar os caminhos de mudança e de melhoria, pode representar uma mais-valia para a organização escolar. Contudo, reconhece-se que a escola, como organização não autónoma, ainda está longe de responder a esses propósitos no âmbito da sua ação, uma vez que a questão sobre a autonomia que dominava os discursos dos responsáveis não se traduziu na ação da organização.

No sentido de inverter esta situação, impõe-se a necessidade de mudança, sendo concedida à comunidade educativa a oportunidade de modificar e melhorar o sistema educativo, enquanto à administração é reservado o dever de acompanhar e apoiar as escolas na construção da autonomia. A ser assim, a relação de trabalho deve ser construída a partir de uma responsabilidade baseada na autonomia (Simons, 1993: 165), processo que implica a transferência efetiva de um conjunto de competências e de meios para as escolas.

Por sua vez, uma maior autonomia deve ser acompanhada de um melhor conhecimento sobre o campo da avaliação. Neste contexto, a avaliação ocupa um lugar próprio e ganha relevância. A ser assim, “avaliação e autonomia devem manter entre si uma relação de sinergia” (Sobrinho, 2004: 724).

No sentido de dar resposta às demandas que lhe são feitas, a escola sente necessidade de recorrer ao processo de avaliação, que é considerado por especialistas como um instrumento importante de produção de conhecimento sobre o estabelecimento escolar enquanto organização específica.

A avaliação interna, se realizada pelos próprios agentes educativos, devia permitir um conhecimento do contexto específico do estabelecimento de ensino, uma maior implicação dos avaliados e representar o ponto de partida do que podemos designar por autoconhecimento. A avaliação interna tem como objetivo primordial a melhoria da escola e a orientação dos processos de mudança. Isto significa que é indispensável que se invista em processos de avaliação interna para que na escola aconteçam as mudanças. A política de avaliação passa a ter significado se for concebida como um instrumento de mudança. A partir deste procedimento, a escola passa a dispor de informação para responder às exigências próprias da organização e não às imposições externas (Simons, 1993: 163).

Contudo, sabe-se que esta prática avaliativa, enquanto instrumento de mudança da

146

afirmação de Afonso (2002: 36-37): “(…) em Portugal não temos qualquer tradição de auto- avaliação das escolas”. Deste modo, o conceito de avaliação democrática parece cada vez mais distante e inalcançável.

Enquanto esta conjugação de forças (processos de autonomia e de avaliação interna)

não acontece, a escola continua a assumir o papel de subordinação face às orientações superiores. Assim sendo, na sequência da avaliação externa, a organização procurou incorporar medidas que respondessem às recomendações da equipa inspetiva e, neste seguimento, surtissem efeito na ação da organização no sentido da mudança. Deste modo, as mudanças organizacionais, a ocorrerem, resultam da pressão exercida pelo meio, sendo o principal agente de fiscalização e da conformidade a equipa inspetiva. A IGE, como um agente de institucionalização, mostra o que deve e como deve ser feito, determina os procedimentos a adotar num apelo à uniformização.

Assim sendo, a partir dos dados empíricos, procura-se identificar as mudanças na ação

da escola decorrentes do processo de avaliação. As informações contidas nas entrevistas e nas atas indiciam mudanças resultantes de medidas aplicadas nos diferentes níveis.

As manifestações de mudança referem-se, principalmente, ao processo de autoavaliação

da escola (nove dos entrevistados, 56,25%); aos documentos orientadores da escola (nove dos entrevistados, 56,25); e, em menor dimensão, os resultados da avaliação dos alunos (nove dos entrevistados, 25%).

No âmbito das atas as referências de mudança inscritas relacionam-se com o processo

de autoavaliação e com os resultados da avaliação nas ciências.

Assim, no que respeita à mudança ocorrida no processo de autoavaliação, a medida

indicada pelos acores da escola para responder às recomendações da IGE prende-se com a criação de uma comissão de autoavaliação da escola no sentido de superar a fragilidade dos processos autoavaliativos. A autoavaliação é assumida como um procedimento importante para a organização.

Quanto à mudança registada nos documentos orientadores, a resposta implementada

pelos atores da escola às recomendações da IGE prende-se com a revisão dos critérios de avaliação das ciências e a reformulação no Projeto Educativo quanto à definição das metas quantificáveis no sentido de modificar essa fragilidade e, deste modo, estar em conformidade com as imposições superiores.

147

No que se refere à mudança dos resultados na avaliação dos alunos, as medidas

tomadas pela organização, em cumprimento das indicações da IGE, traduzem-se no desdobramento da parte experimental das ciências e outras medidas de correção que, na altura, não foram identificadas.

No seguimento das mudanças anunciadas pelos atores como consequência das

medidas tomadas induzidas pela avaliação externa, interessa saber até que ponto essas mudanças foram percetíveis pelos atores no sentido de as reconhecer na prática, em aspetos da ação da organização.

Para dar resposta a esta questão procurou-se obter informação a partir das atas e das

entrevistas. Como as atas consultadas não continham qualquer referência a esta questão, a interpretação dos dados empíricos limitou-se a informações resultantes das entrevistas.

Neste âmbito, quando questionados sobre esta situação, os entrevistados manifestam a

seguinte posição quanto às alterações refletidas nas práticas da organização: cinco dos entrevistados (31,25%) admitiram alterações que influenciaram a ação da escola no sentido da melhoria:

A avaliação veio confirmar que havia alguns pontos a ser retificados…, essa retificação, penso que foi feita (E10: 105).

A nível de segurança externa e interna, estou convicto que as coisas mudaram para melhor (E10: 106).

Entre os referidos entrevistados, os alunos identificaram um número significativo de alterações secundárias que se refletiram nas práticas e também apontam para a melhoria, como evidencia a narrativa que se segue:

Mas há uma recolha do lixo, que não havia antes (E5b: 71).

A biblioteca tem mais coisas, mais concursos e tudo para os alunos ficarem mais motivados (E5c: 71). E agora (…) em vez de nós termos aulas de substituição, quando um professor falta (…) os melhores alunos, os que têm menos dificuldades, vão para a biblioteca para ficar lá os 90 minutos. Os que têm dificuldades mais às línguas vão para uma sala própria de línguas e tem lá professores que os podem ajudar e os que têm dificuldades a Matemática vão para a sala da Matemática (E5b: 71).

E agora podemos aproveitar melhor…Todas as escolas deviam adotar este novo sistema, porque ajudou os alunos, porque melhoraram as suas notas, devido a uns irem para as línguas, outros para as matemáticas (E5a: 71).

Por outro lado, três dos entrevistados (18,75%) não reconheceram alterações significativas, porém, as que sentiram apontavam para a melhoria e com uma expressão muito diluída na ação da escola, como declara o entrevistado:

148

Quer dizer, a mudança não foi assim radical nem nada disso, talvez mais em termos da organização … não podemos dizer que haja assim uma mudança.Penso que, após a avaliação, houve uma tentativa de articular melhor as coisas.

Não foram também grandes as mudanças, não se justificavam (E6: 75, 76).

Quando se tenta saber o que é que mudou depois destas avaliações, às vezes, parece ficar a ideia de que ficou tudo na mesma. Apesar da preocupação manifestada, reconhecem-se apenas ligeiros registos de mudanças e/ou melhorias na organização da escola, o contrário seria de estranhar.

Por sua vez, outros três entrevistados (18,75%) apenas consideraram a melhoria da escola em resposta às recomendações da IGE, mas fizeram-no de uma forma muito abstrata e sem identificar o campo de influência da ação da escola, como confirma o discurso que se segue: “Melhorar, melhorou, porque tomou-se em conta as observações feitas…Tentamos corrigir algumas coisas ,….Foi-se limando o que não estava tão bem” (E9b: 99).

A preocupação dos atores é procurar agir em conformidade com o determinado pela pressão dos agentes da IGE, respondendo de forma positiva e consistente com os valores dominantes, como se infere a partir do discurso proferido.

Por fim, três dos entrevistados (18,75%) consideram que não houve mudanças, sendo exemplo disso a narrativa seguinte: “Para já não vejo mudanças nenhumas.” “Acho que temos a mesma coisa. Depois da avaliação externa, acho que não mudou nada” (E2: 58).

A partir da análise destes testemunhos fica expresso que os atores consideraram os efeitos da intervenção da avaliação externa na ação da organização da escola de forma divergente e, na globalidade, não distinguiram os domínios onde se realizaram. Deste modo, pode perceber-se que as mudanças indicadas foram perspetivadas no sentido da conformidade e no sentido da melhoria, quando estas aconteceram, dado que nem sempre isso se fez notar.

Esta situação pode ser considerada nos seguintes termos: para uns, segundo os dados apresentados por dez dos entrevistados (62,5%), percebe-se que a mudança suscitada pela avaliação externa é perspetivada no sentido da melhoria; para outros, como foi confirmado pelo discurso de três entrevistados (18,75%), a mudança resultante da avaliação externa é compreendida no sentido da conformidade com o recomendado pela IGE. Visto deste modo, à primeira vista, parece que os fundamentos que contribuem para que recomendações da IGE se cumpram prendem-se mais com o argumento da melhoria da organização do que o da conformidade, ou seja, para os atores domina o fundamento da melhoria sobre o da conformidade. Porém, tendo presente o que foi já analisado e transmitido a partir das

149

informações das atas e das entrevistas, nomeadamente no que respeita à implementação das medidas pela organização para responder às recomendações da IGE, a preocupação e consentimento dos entrevistados convergia no sentido da valorização da conformidade com as imposições superiormente determinadas, fundamento para os atores da organização traduzirem essas medidas nos documentos orientadores da escola.

1.4.2.1. Mudanças enunciadas versus mudanças percebidas na ação da organização

Acontece que as mudanças enunciadas em forma de medidas não foram além do plano formal, visto que não produziram efeitos/mudanças nas práticas da escola, pelo menos até ao momento da recolha da informação. A ser assim, esta situação significa que a ação da organização não acompanha a intenção enunciada pelos atores, provocando disfunções entre planos.

Os dados das entrevistas situaram a mudança no plano/estrutura formal, designadamente no âmbito dos documentos orientadores da escola (reformulação do Projeto Educativo, quando este passou a conter a autoavaliação, traduzida ao nível da ação na criação de um grupo de trabalho, e as metas quantificáveis; revisão dos critérios de avaliação de ciências; desdobramento da parte experimental das ciências e outras medidas de correção). Esta circunstância explica-se pela necessidade dos atores responderem formalmente às recomendações da IGE resultantes do processo de avaliação externa. Para isso, foram tomadas medidas que passaram a estar inscritas nesses documentos, modificando-os.

A mudança dos documentos, por si só, não implica a mudança das práticas, apenas se produziram divergências entre a estrutura formal e a ação da organização. Estes planos não interagem, pelo contrário, agem separada e desarticuladamente por uma questão de subordinação/dependência em relação às regras impostas, representando o seu cumprimento mais uma questão de conformidade com as solicitações dominantes de modo a manter a legitimidade externa da organização. Dito de outra maneira, é importante introduzir mudanças que constem nos documentos orientadores, mas não será tão importante que os seus efeitos se percebam nas práticas da organização. Em função desta situação, admite-se haver inconsistências entre discursos e práticas, entre mudanças essencialmente retóricas e mudanças efetivas. Portanto, é preciso passar das palavras aos atos, como defende Afonso

(2007: 228):“ (…) se isso não acontece, se for uma política de avaliação na lógica de gerir o

150

Sabe-se que a mudança é um processo difícil e moroso, segundo Gasparetto (n. d., Avaliação Institucional e cultura da mudança, para. 10): “A Avaliação Institucional conjuga-se com mudança e essa assume diferentes significados. Trata-se de um processo, sem dúvida, doloroso, lento, com avanços e retrocessos”, nomeadamente a mudança das práticas. Porém, é importante e indispensável para a organização agir em conformidade, mesmo que o seja apenas na estrutura formal, no propósito de mostrar que a escola responde às exigências recomendadas. Pois, a conformidade significa que os procedimentos adotados inscrevem-se no âmbito daquilo que se considera correto, logo a legitimidade da organização fica assegurada perante a comunidade. A legitimidade requer conformidade porque é esta que imprime legitimidade à organização. Quanto mais as organizações e os indivíduos se ajustem em relação às práticas dominantes, maior será a sua legitimidade pública (Meyer e Rowan, 1992: 34):

organizational success depends on factors other than efficient coordination and control of productive activities. Independent of their productive efficiency, organizations that exist in highly elaborated institutional environments and succeed in becoming isomorphic with these environments gain the legitimacy and resources needed to survive.

A desarticulação entre os dois planos resulta da necessidade da escola responder de forma positiva às solicitações superiores. Deste modo, importa seguir as recomendações da IGE como referenciais legitimadores.

Ao nível da orientação para a ação é a procura da conformidade com o prescrito pela IGE que determina a mudança consentida pela organização no sentido de assegurar a conformidade com as pressões geradas pelo meio. Daí que os dados apresentados pelos entrevistados explicitem a via da ritualização e a conformidade exerça o papel legitimador da organização. Deste modo, as recomendações da IGE promovem a mudança por isomorfismo coercivo.

Em suma, as escolas, implementam uma série de orientações prescritas, como a importância da autoavaliação e de um Projeto Educativo para a organização, porém, essas indicações, quase sempre, se resumem a procedimentos simbólicos, uma vez que não implicam as práticas.