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4.2. O decálogo editorial da imprensa católica açoriana

4.2.10. Editoriais sobre política internacional

Foi a partir da abertura ao mundo encetada no pontificado de Bento XV, no contexto da problemática inerente à I Guerra Mundial, que os periódicos começaram a ter uma preocupação acrescida por assuntos internacionais, fazendo eco nos seus conteúdos das preocupações da Igreja inerentes ao conflito que envolveu as nações beligerantes. Assim sendo, este género de editoriais é muito mais frequente no período compreendido entre 1914 e 1918, sendo notórias as ressonâncias que os periódicos açorianos fizeram da carestia e das necessidades por que passava a região açoriana, mencionando os efeitos da falta de concórdia que grassou durante o conflito bélico que assolou o mundo ocidental. O caso da granada lançada pelo submarino U-7 é a prova de que os efeitos do primeiro grande conflito beligerante do mundo também teve consequências na pacatez do arquipélago açoriano. Deixamos um excerto respeitante aos efeitos desse ataque no porto de Ponta Delgada, através do relato de A Verdade:

“Na manhã do dia 4 do corrente mês de Julho, às quatro horas e quarenta minutos, a população de Ponta Delgada e arredores foi sobressaltada por rijo tiroteio de artilharia, saindo todos a indagar-se do que seria. Um grande submarino alemão tinha lançado sobre a cidade oito granadas, ripostando, logo após os primeiros tiros, os canhões do transporte americano Orion que estava fundeado na doca, descarregando carvão. O Orion disparou logo, com presteza e boa pontaria, quinze tiros, e a bateria do Alto da Mãe de Deus, também fez quatro tiros. O submarino que se julga ser o U-7 parece ter cerca de 500 toneladas. As granadas do submarino são de 125 mm tendo ficado por explodir uma que penetrou na parede de uma casa. Das outras granadas caíram duas na Fajã de Cima, derrubando uma delas uma parede de uma casa, cujos moradores nada sofreram, mas os seus estilhaços deram morte instantânea à menor de dezasseis anos Tomásia Pacheco que nessa altura fugia de casa. Uma irmã desta foi ferida no peito por uma pedra que caiu da casa que a granada desmoronou, ficando também feridas pelos estilhaços desta mesma granada uma mulher e duas crianças. As restantes granadas, que caíram na Abelheira, na Serra Gorda, Arribanas, Pau Amarelo, Recantos dos Arrifes, Rocio das Capelas e Santa Rita, não atingiram ninguém causando apenas alguns estragos materiais. Os representantes do distrito de Ponta Delgada, nas câmaras,

153 lamentaram o abandono a que o governo tem votado aquela ilha, e pediram que fossem enviadas para as aguas dos Açores alguns navios de guerra, ao que o sr. Ministro respondeu que não podia inventar navios, nem peças e que não há país que venda uns e outras.” (A Verdade, “O bombardeamento de São Miguel”, 30 de Julho de 1917, n. 1120, p. 1).

Mas antes de deflagrar o conflito mundial que opôs as principais nações do mundo ocidental já eram manifestadas comparações entre a realidade do nosso país e a forma como os mesmos problemas eram tratados noutros países, como poderemos verificar do comentário da revista Phenix quanto à colonização praticada em Inglaterra, na sequência da política decorrente do Ultimatum:

“Portugal é um país mal administrado e os erros de tão funesta administração podem levá-lo à perda da sua autonomia política. Possuímos vastíssimos territórios que em quase toda a sua grande extensão jazem incultos. Dos Açores ao Continente português saem constantemente milhares e milhares e braços que vão para o Novo Mundo ganhar um trabalho extenuante o pão quotidiano à sombra do pavilhão estrelado. E todavia nas nossas possessões de África estão depositadas as esperanças de todos os que desejam um futuro mais ridente para Portugal. Agora urge colonizar esses territórios, transformar os pântanos com viçosos vergéis, ensinar os pretos a trabalhar, a arrotear os terrenos que até aqui têm estado por cultivar, enfim fazer raiar a luz da civilização nos lugares onde somente reinam as trevas da ignorância e da escravidão. Parece incrível que tenham permanecido por tanto tempo abandonados esses pedaços riquíssimos de África, onde há filões auríferos, minas metálicas e grandes depósitos de hulha! A Inglaterra, quaisquer que sejam os seus defeitos, dá-nos nesse particular uma bela lição. Todas as suas colónias são florescentes. O próprio Cabo, essa região pestífera, toda pantanosa, está convertido em um país salubre, onde há grandes mercados comerciais. Quisessem os governos portugueses imitar a Inglaterra na sua acção colonizadora, fizessem derivar para as possessões africanas a corrente de emigração que se dirige para o Continente americano, e veríamos em breve a nau do estado a vogar em um mar mais clamo e bonançoso.” (Ernesto Ferreira, “As duas grandes indústrias, Phenix, 30 de Outubro de 1902, n. 8, p. 1).

Um outro estilo de editorial relacionado com a conjuntura internacional foi também publicado, nos periódicos católicos, dando voz ao que de exemplar no estrangeiro deveria ser copiado para a realidade do nosso país. Estas descrições, normalmente relacionadas com os enquadramentos internacionais favoráveis à Igreja, evocavam a feliz consolidação dos valores cristãos em países estrangeiros, sendo os casos da Bélgica e dos EUA paradigmáticos ao nível do relacionamento entre a Igreja e o Estado, detentores de uma bem arquitetada e respeitadora legislação que norteava o enquadramento de ambos. O jornal San Miguel faz menção do caso da Bélgica como o país mais bem governado da Europa:

154 “Como se sabe a Bélgica é governada há mais de vinte anos consecutivos pelo partido católico – e é talvez o país, embora pequeno, mais bem governado de toda a Europa! Pois as eleições da outra semana vieram demonstrar mais uma vez que os belgas estão ao lado do honesto governo católico, contra os liberais. E vós católicos portugueses eleitores, quando abandonareis nas eleições os partidos políticos que têm levado a nossa pátria à ruína – e começareis a votar com os - católicos, os únicos que podem tornar Portugal, que é pequeno como a Bélgica, florescente como ela? O partido está formado - é retirar a voto a todos os outros partidos e votar com o partido da ordem, da pátria, da religião!” (San Miguel, “Vitoria dos católicos belgas”, 14 de Dezembro de 1907, p. 2).

Outros editoriais que se insurgiram contra as situações persecutórias que a Igreja passava no palco internacional também foram publicitados. Eram descritas com grande carga crítica, manifestando o jornalista católico um grande sentimento de indignação. De novo, era evocado o caso do desenvolvimento da Bélgica como uma situação paradigmática.

“A que deve a minúscula Bélgica ser hoje uma das nações da Europa mais adiantadas, senão a mais adiantada? Ao belíssimo governo católico que, há 25 anos, dirige acertadamente a barca governativa. Mas donde vem a força ao partido católico para vencer os seus adversários? Da sua imprensa, que é formidável, e que leva as populações, que a leem sofregamente e a sustentam, o convencimento de que só os princípios religiosos na administração podem trazer prosperidade ao país. Na Alemanha, protestante, têm os católicos a preponderância no parlamento; os seus cento e tantos deputados constituem um bloco invencível; deles depende a maioria invencível em qualquer votação. O centro alemão dá cartas no Reichstag, e quanto mais guerreado, mais brilhante é o seu triunfo. Porquê? Por causa da imprensa católica.” (Correio dos Açores, “Imprensa católica”, 5 de Outubro de 1909, n. 447, p. 1)

155 V Parte

Os dezassete periódicos católicos açorianos.

5. Biografia e classificação.

Na sequência da seleção temática efetuada aos editoriais dos dezassete jornais da imprensa católica açoriana, decidimos diferenciá-los em cinco grupos, como já mencionámos no anterior capítulo. Esta classificação obedeceu a diversos fatores inerentes à publicação de cada título: o tempo histórico em que foram fundados, a finalidade da sua publicação, a afeição partidária e ideológica manifestada nos editoriais, a perceção do posicionamento eclesial do bispo diocesano, a relação com o público a que se destinava o periódico, o tecido urbano ou rural em que foi suscitado, e, finalmente, as ressonâncias que os títulos efetuaram das determinações emanadas pelo Magistério da Igreja.

Como anteriormente já fizemos menção, os órgãos de imprensa surgidos no contexto eclesial açoriano assumiam quase sempre, no seu primeiro número, aquilo que designámos como “orientação estruturada” ao nível da sua publicação. A “orientação estruturada” não foi mais do que a manifestação de fidelidade e obediência, por parte do órgão de imprensa católica, às orientações prescritas pelo Magistério eclesial, ou seja, o episcopado e o pontificado petrino. Aliás, como teremos a oportunidade de aprofundar, se há nota que poderá definir o que é a imprensa católica é precisamente o facto de ela se assumir como uma publicação em profunda obediência com a hierarquia eclesial. Só era considerado católico o jornal que fosse aprovado pelo bispo diocesano. Isto vem significar que era concedida a designação de “católico” mediante a aprovação dos propósitos que a publicação periodista anunciava, sendo obrigatória uma declaração de conformidade com as determinações da Igreja para a imprensa católica. A equipa redatorial que o compunha, como sempre aconteceu em todos os títulos do nosso corpus empírico, também se submetia à aprovação episcopal.

Após o estudo dos editoriais, conseguimos descortinar que muitos dos periódicos estavam associados a correntes ideológicas e políticas procedentes das exortações das pastorais publicadas pelo Episcopado português. Nesta sequência, conseguimos descortinar vários grupos de jornais que iremos de seguida estudar, contribuindo, assim, para a história individual de cada periódico. Segundo a apreciação que efetuamos à publicação editorialista

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dos dezassete periódicos, anuímos agrupá-los do seguinte modo: jornais nacionalistas (San

Miguel, A Ordem, O Correio dos Açores, O Michaelense); boletins paroquiais (A Crença, A Cruz, O Peregrino de Lurdes, O Semeador, O Norte); jornais associados ao Centro Católico

Português (A Actualidade, Sinos d’Aldeia, A Boa Nova, O Dever); imprensa diarista produzida em Angra do Heroísmo (A Verdade e A União); revistas de foro cultural editadas pela diocese de Angra do Heroísmo (Phénix e Prelúdios). Como anteriormente já foi dito acerca de O Semeador, não tivemos a oportunidade de alcançar nenhuma das suas edições, no entanto sabemos que pertenciam ao movimento associativo ligado ao Centro Católico Português, derivado às indicações que a imprensa congénere foi fazendo das suas edições.

Ora, normalmente no primeiro número dos títulos católicos, encontrámos as razões que presidiram ao lançamento do periódico, fazendo-nos perceber o porquê da sua existência no quadro político e religioso do tempo em que nasceu. O editor, no primeiro dia que o jornal saía para as bancas, informava os leitores dos fins a que ele se proponha na esfera pública de então.

Na quarta parte da dissertação em apreço que agora iniciamos, pretendemos justificar a razão do enquadramento dos periódicos açorianos, das primeiras três décadas do século XX, nos cinco grupos já mencionados. A identificação da imprensa católica dos Açores conduziu-nos, numa primeira instância, ao questionamento sobre o papel social, os atores, as práticas e a proximidade que afinal foi estabelecida entre os dezassete periódicos e a população das ilhas. Daqui resulta uma reflexão sobre os conceitos de “imprensa local” e de “imprensa regional”, salvaguardando-se a singularidade de eles terem surgido na realidade específica de uma região mapeada por um território descontínuo.

A plêiade de jornalistas católicos, na sua maioria membros do clero angrense, que impulsionou a causa da Boa Imprensa no arquipélago, foi constituída pelos sacerdotes que mais se destacaram ao nível literário e artístico na diocese açoriana. A formação cultural de que eram detentoras as figuras mais relevantes da imprensa católica açoriana abarcava campos do saber como as ciências, a literatura e a formação teológica e doutrinária. Não podemos descurar, no entanto, que o limitado leque de colaboradores do laicado que fez parte desta causa também fruía de uma formação não apenas religiosa, mas sobretudo política, provinda, por exemplo, do rico alfobre coimbrão da segunda década do século XX. O efervescente ambiente político e académico que se vivia nessa época na Universidade de Coimbra fez com que os católicos se congregassem em torno das ideias provenientes da

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democracia cristã associadas ao Centro Académico da Democracia Cristã. O C.A.D.C. acabou por ter uma decisiva influência na sociedade portuguesa, nas primeiras décadas do século passado, pela qualidade dos atores políticos e religiosos que gerou. Figuras como Gonçalves Cerejeira, Oliveira Salazar e sobretudo António de Castro Meireles, que a partir de Agosto de 1924 viria a ser o bispo titular da Diocese de Angra do Heroísmo, tiveram uma decisiva influência na vida política e eclesial que marcou grande parte do século XX português.

A presença do laicado na imprensa católica dos Açores circunscreveu-se a dois periódicos que tiveram na sua orientação diretores fora do bastião clerical da diocese de Angra – o semanário A Boa Nova e A Actualidade. Ambos os semanários foram dirigidos por leigos formados no ambiente coimbrão e portadores de uma profunda ligação ao Centro Católico Português. As figuras do médico Manuel Caetano Pereira, na direção de A

Actualidade, e do professor do Liceu da Horta, Dr. Damião do Rio, na direção de A Boa Nova, são exemplos de um laicado que emergiu num contexto de profunda clericalização no

início do século XX, autonomizando-se tanto quanto era possível ao tempo do dirigismo sacerdotal presente na imprensa católica das ilhas.

Um outro ponto que marca a quarta parte da investigação em apreço recairá na apresentação gráfica de cada periódico, na sequência da consulta editorialista que efetuámos. Os dados aferidos permitir-nos-ão efetuar uma narrativa histórica sobre a existência de cada um dos jornais.