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O programa festivo do Dia da Boa Imprensa nos Açores

O programa festivo para o Dia da Boa Imprensa obedecia a três momentos indicados por Nunes da Rosa no jornal Sinos d’Aldeia: dois momentos preparatórios e um detalhado plano para o Dia da Imprensa Católica.

Embora esse plano tivesse o apoio e o impulso do Vigário Capitular da diocese, Cónego Reis Fisher, dado que os Açores nessa altura estavam sem Bispo, realçamos que tenha sido o picoense Sinos d’Aldeia que, em 1920, tivesse com o seu arrojo rasgado novos horizontes para a expansão do periodismo insular, a partir das ideias postas em prática na diocese de Sevilha sobre o Dia da Imprensa Católica, muito antes ainda de ter sido decretado na diocese açoriana essa possibilidade de celebração para o dia 29 de Junho.

“Os católicos açorianos sempre bem-dispostos para tudo o que seja obra de caridade, não deixarão certamente de correr ao apelo que agora lhes é feito e que poder ser considerada como a última vontade do saudoso bispo, que em vida tanto veneraram a cuja morte todos sinceramente e com razão lamentam. Portanto, com a maior confiança determino que o dia 29 de Junho de cada ano, em que a Igreja celebra a festa dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, seja para esta diocese o dia da Boa Imprensa em que, avisados previamente os fiéis, se fará em todas as igrejas e capelas, onde se celebre missa para o povo, uma colecta destinada às necessidades da Boa Imprensa.” (José dos Reis Fisher (1922), “Dia da Imprensa católica”, A Crença, 28 de Maio, n. 304, p. 2-3).

Reis Fisher, analisando as necessidades da imprensa do seu tempo, vê-se na obrigação de pôr em decreto a coleta para a angariação de ofertas para a Boa Imprensa, mas somente em 1922. Já dois anos antes a ilha do Pico se tinha antecipado a essa data, ao promover as

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comemorações. A Igreja açoriana deve muito ao Cónego Fisher pela liderança que foi capaz nos Açores, em cenários de sede vacante (1910-1915 e 1922-1924). Ele próprio tinha uma consciência muito clara quanto aos benefícios que uma diocese poderia haurir caso possuísse uma imprensa bem estruturada: “o poder de sugestão da imprensa é tão grande que raríssimos são os que podem resistir-lhe, acabando quase todos por pensar como pensa o jornal” (José dos Reis Fisher (1922), “Dia da Imprensa católica”, A Crença, 28 de Maio, n. 304, p. 2-3).

Para a cimentação desse projeto era necessário dinheiro, muitas vezes escasso para as despesas decorrentes de cada um dos periódicos afetos à Igreja açoriana. Reis Fisher, ao ter consciência dessa situação, decidiu mobilizar por toda a Diocese pedidos de auxílio, apontando a entrega de donativos para esta causa, no dia 29 de Junho.

“Nestas circunstâncias qual é o nosso dever de católicos? Responde a consciência de cada um, na certeza de que se não auxiliarmos, como devemos, a boa imprensa, nunca será possível contrapor a boa à má doutrina. E, se isso se não fizer, um sombrio futuro se prepara para as nossas lindas ilhas dos Açores, já um pouco contaminadas pelo erro e pelos vícios, como dia a dia vão mostrando os factos em toda a sua crueza.

Espero em Deus que tal não aconteça, porque seria muito louvável que nas cidades, vilas e aldeias, onde pudesse ser, se organizassem comissões, principalmente de senhoras, que no mesmo dia promovessem festas de caridade, cujo produto seria destinado ao mesmo fim.” (José dos Reis Fisher (1922), “Dia da Imprensa católica”, A Crença, 28 de Maio, n. 304, p. 2-3).

Interessante verificarmos que para a constituição das Comissões ou Ligas da Boa

Imprensa o responsável da Igreja açoriana pretendia que esses grupos de trabalho fossem

constituídos essencialmente por senhoras, devendo-se talvez esta menção ao facto de o compromisso religioso das mulheres na Igreja estar ornado de outra expressividade.

Ora a celebração do Dia da Boa Imprensa, proposta para toda a Igreja, tinha como prémio a concessão de uma indulgência plenária pelo Papa Pio XI e assentava em três pilares fundamentais, de acordo com a proposta deste Pontífice: oração pela “causa” da Boa

Imprensa; preparação para a sagrada comunhão e comunhão eucarística no dia 29 de Junho

de junho; por fim, um donativo para as despesas inerentes a todo o processo editorial dos jornais afetos à Igreja. Só assim é que a Indulgência poderia ser concedida e levar os seus efeitos regeneradores nos fiéis: “Sua Santidade o Papa concedeu uma Indulgência Plenária aos fiéis católicos de todo o mundo que celebram o Dia da Imprensa Católica, orando, recebendo a Sagrada Comunhão e concorrendo com um donativo para a colecta da Boa

50 Imprensa” (Sinos d’Aldeia, “29 de Junho. Dia da Imprensa”, 30 de Junho de 1924, p. 1). De

acordo com estes pressupostos, oriundos do Magistério para a concessão da indulgência plenária, o padre Nunes da Rosa, delineou, a partir da diocese de Sevilha, um programa detalhado para a celebração desse dia como em nenhuma outra ilha açoriana foi possível realizar. Podemos perguntar se esta programação partiu unicamente da sua intuição pastoral. Não, porque essas determinações foram emanadas pela revista Ora et Labora, da diocese e cidade de Sevilha, com uma importância determinante na forma como a Boa Imprensa passou a ser celebrada em todo o mundo. A concreta finalidade desta festividade aparece bem mencionada no ponto dois da preparação remota, na alínea a): oração, propaganda e coleta.

Como abaixo verificaremos, três módulos preparatórios norteiam esta celebração – a preparação remota, a preparação próxima e a celebração do dia da festa da Boa Imprensa:

“Aproximando-se mais uma vez a celebração do dia da Boa Imprensa, destinado a intensificar e difundir a imprensa católica por meio da oração, da colecta e de convenientes e oportunos meios de propaganda, não vem talvez fora de propósito oferecer aos nosso leitores o esquema dos conselhos práticos às Comissões Diocesanas e locais da Espanha e da América Espanhola e aos cooperadores da festa formulados pelo director da Obra Ora et labora, de Sevilha, e distribuídos pela imprensa católica de todo o mundo.

Como se organiza o dia da Boa Imprensa (preparação remota):

1. Designem-se as pessoas que hão-de compor a Comissão Organizadora, e escolha-se a presidente das senhoras encarregadas da colecta.

2. Principie-se a tempo a campanha de propaganda na imprensa local, podendo fazer-se por meio do Boletim Paroquial, e consistirá no seguinte:

a) Notícia da festa com menção do seu fim, seu programa Oração, Propaganda e Colecta, e que a mesma se celebrará em todo o mundo.

b) Alocução vibrante, in his omnis homo miles.

c) Informação do que se faz em outras partes para persuadir com o exemplo. d) Pormenorização dos meios que se podem adoptar para a celebrar na localidade.

3. Consultem-se os directores de publicações católicas sobre o que de melhor convém fazer em matéria de propaganda.

Escolha-se de entre os membros da Junta uma comissão especial que se consagre a que no dia da Boa Imprensa se faça uma colheita de novas assinaturas para os bons jornais e se dêem as baixas possíveis à imprensa sectária e ímpia.” (Sinos d’Aldeia, “29 de Junho. Como se organiza o Dia da Boa Imprensa”, 10 de Junho de 1924, p. 1)

A preparação próxima tinha essencialmente como objetivo assegurar a presença dos principais intervenientes convidados para o dia Boa Imprensa, bem como diligenciar os bons ofícios das comissões paroquiais, para se conseguir uma conveniente divulgação das celebrações que iriam ocorrer nessa data. Estas iniciativas partiram das conclusões das

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Assembleias da Boa Imprensa de Sevilha, sendo a primeira realizada em 1904. Este movimento de encontro dos intervenientes da imprensa católica de Espanha suscitou, no seio dos jornais católicos de todo o mundo, a clara noção de que era necessário os agendes mediáticos unirem-se para traçar rumos em comum, sendo porventura a Assembleia de Sevilha também a suscitadora, anos mais tarde, da reunião dos jornalistas católicos açorianos, a 9 de Agosto de 1923, em Vila Franca do Campo.

“Preparação próxima (primeiros dias de Junho):

Convidem-se as pessoas que tenham de actuar: pregador, conferencista, orador para as Vésperas. Preparem-se os impressos, programas e folhas para a distribuir.

15 dias antes: ao amanhecer do domingo aparecerá exposto ao público à entrada da Igreja o cartaz anunciador da festa universal. Designem-se as senhoras que hão-de constituir os turnos que às portas das Igrejas farão as colectas. Oito dias antes: Num domingo ou dia festivo se distribuirá pelos fiéis, em cada uma das Missas, uma folha anunciadora do Dia da Boa Imprensa, da indulgência plenária e da colecta. Pode também este anúncio ser feito do púlpito. Deve realizar-se uma reunião de senhoras postulantes que poderá estudar o meio de aumentar a colecta. E em seguida enviam-se aos domicílios as circulares, cartas, ou impressos especiais para a colecta. Havendo Boletim Paroquial nele devem os párocos anunciar as suas festas. Seis dias antes: convoque-se uma reunião dos organismos postos em acção por motivo do Dia da Boa Imprensa. Quatro dias antes: com prévio anúncio comece-se o Tríduo da Santíssima Trindade com solenidade e sermão, ou mesmo rezado, fazendo-se com que a Imprensa dele dê notícia que se difunda entre as massas católicas. Na véspera: com mais fruto do que no próprio dia de São Pedro espalham-se profusamente exemplares do Boletim ou periódico local exortando os católicos a celebrar a festa como quer o Papa e recomendam os Prelados. O que deve fazer-se no próprio dia da festa merece um capítulo à parte. Dele nos ocuparemos no próximo número.” (Sinos d’Aldeia, “29 de Junho. Como se organiza o Dia da Boa Imprensa”, 10 de Junho de 1924, p. 1)

Os critérios estabelecidos para a celebração do Dia da Boa Imprensa são oriundos da diocese de Sevilha, como aqui já foi dito, sendo Nunes da Rosa o pioneiro da sua aplicação nos Açores. O Movimento Ora et Labora nasceu no Seminário Conciliar de Sevilha, sendo este movimento constituído na sua quase totalidade por seminaristas que foram capazes de organizar, com ressonâncias positivas que se estenderam a todo o mundo, uma estruturada propaganda a favor da imprensa católica. Ao fundarem uma publicação mensal com o mesmo nome – Ora et Labora –, conseguiram expandir as suas arrojadas ideias inspirando outras dioceses a efetuar o mesmo (Ruíz, 2005: 156). Só a título de exemplo, o movimento de seminaristas de Sevilha que posteriormente se transformou em Centro Sacerdotal Ora et

Labora iniciou um movimento que se alastrou por todo o orbe católico, influenciando vários

Seminários em Portugal e em muitos países, somando um total de dez mil seminaristas que contribuíram com a sua criatividade para a causa da Boa Imprensa. Esta onda de pensamento

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periodista, a partir dos Seminários espanhóis, conseguiu também gerar outro movimento em 1916 denominado La Cruzada de la Prensa que teve um papel meritório ao nível do apoio técnico e económico à imprensa (Ruíz, 2005: 158). Nesta conformidade, anuímos que Nunes da Rosa tinha conhecimento das publicações que pela Andaluzia se publicavam sobre esta causa, sendo um leitor atento e, quase certo, um assinante dos órgãos do Ora et Labora de Sevilha.

Neste sentido, as propostas para o Dia da Boa Imprensa fundavam-se essencialmente num programa religioso, com uma componente formativa e espiritual, confluindo esta ação programática para a consumação da esmola para a imprensa. Olhando para a panóplia das celebrações que preenchiam por completo o dia 29 de junho, que abaixo exporemos na íntegra, poder-se-á depreender um intuito de inclusão da imprensa católica na sensibilidade espiritual da Igreja. Além dessa tentativa, ressaltava, uma vez mais, o esforço de consciencialização de que a criação periodística era algo de fulcral para os novos tempos, imprescindível, portanto, para o apostolado da Igreja.

1. Comunhão Geral. Deve celebrar-se não em uma igreja mas em todas, embora menos concorrida em cada uma, convidando-se para isso os membros das associações estabelecidas na Igreja respectiva. Se for possível celebre-se a Missa para a comunhão, e antes dela afervorem-se os fiéis suplicatoriamente pelo Papa e pela Boa Imprensa e em desagravo ao Sagrado Coração de Jesus pelas ofensas que lhe inflige e faz infligir a imprensa ímpia e má. Recorde-se aos fiéis que unindo a oração à esmola lucram a indulgência plenária que o Papa concedeu a esta festa.

2. Festa solene com sermão. A mesma festa do dia pode servir admiravelmente para o fim do Dia da Boa Imprensa, sendo fácil a aplicação do tema São Pedro e São Paulo, a Igreja à propaganda católica e à imprensa, tanto mais quanto ao Sumo Pontífice, com suprema autoridade, sancionou esta festa a favor do jornalismo católico. Se a festa em si parece não admitir senão a petição e o desagravo, o sermão da festa pode versar a doutrina da Igreja sobre as boas e as más leituras e aplicá-la aos periódicos. O fomento positivo do Dia da Imprensa Católica e a protecção económica que para ela se pede, tem ainda um aspecto mais simpático, pois pode considerar-se como uma grande propaganda da verdade católica e uma obra de misericórdia espiritual. A festa de amanhã terminará com a oração da Liga de Orações lida no púlpito.

3. Festa da tarde. É aceitável a prática de reunir os fiéis à volta do Santíssimo Sacramento, fazendo-se uma prática sobre a imprensa, cantando-se a ladainha de Nossa Senhora e terminando o acto com a Bênção.

4. À noite. Sarau, conferência ou outro acto atraente em sala apropriada, aproveitando-se a oportunidade para vulgarizar as questões da imprensa, tornando-a merecedora do interesse colectivo. Não omitir-se a distribuição de folhas soltas.

5. A colecta. As dificuldades que de ordinário impedem a realização de uma boa colecta, devem remover-se com o anúncio prévio da mesma e dos seus fins, espalhando-se folhas ad hoc, com a publicação da indulgência e a lista de subscrição das pessoas mais qualificadas.

53 6. Os meios para realizar a colecta não devem ter outros limites senão os aconselhados

pela moral cristã e assim não devem circunscrever-se ao peditório da manhã na igreja, mas segundo as circunstâncias da localidade deve fazer-se na rua e nos domicílios. 7. Aproveitando-se em cada paróquia o que possível for ao que acabamos de lembrar, far-

se-á com muito fruto, em toda a parte, o Dia da Imprensa Católica.

O Director da Ora et Labora (Sinos d’Aldeia, “29 de Junho. Programa para o Dia da Imprensa”, 20 de Junho de 1924, p. 1).

Fica-nos a asseverar estas transcrições, alusivas à celebração do Dia da Imprensa Católica, a exigência descrita pelo jornal A Verdade, da cidade de Angra do Heroísmo, em que é assinalado com firmeza a necessidade de nenhum católico se alhear do dever de contribuir para a sustentação da imprensa católica com os seus haveres, não podendo, inclusive, invocar a situação de pobreza ou de carestia de dinheiro. A questão é, pois, colocada de um forma imperativa, na qual nos apercebemos da separação de dois campos, em que se espelha um certo maniqueísmo patente na divisória “bom” e “mau”. No que diz respeito à receção das publicações católicas, damo-nos conta de que dois territórios ficam delimitados: o campo dos cristãos conscientes das suas obrigações, da sua fidelidade à Igreja; e o campo dos católicos que se ausentam dos seus deveres para com as determinações emanadas pelo Magistério pontifício:

“Daqui não há-de fugir: ou se é católico pelo cumprimento destes deveres, ou tais deveres se não cumprem e quem os despreza não tem direito de chamar-se católico. Sendo todo o cristão um soldado a quem impende defender a fé, cabe-lhe a imperiosa obrigação de manejar a imprensa ou contribuir para isso. Daqui não há-de fugir: ou se é católico pelo cumprimento destes deveres, ou tais deveres se não cumprem e quem os despreza não tem direito de chamar-se católico. Todavia, cremos que os nossos leitores são católicos e querem sê-lo pelo cumprimento dos seus deveres.

Pois que entre eles contem o de sustentar os jornais que defendem a Igreja. E ninguém se desculpe com as dificuldades da vida e carestia desta. Nunca entre nós houve tanto dinheiro; basta pois querê-lo para encontrá-lo que dê para tudo o que importa e urge em consciência.” (A Verdade, “Um dever”, 28 de Agosto de 1920, n. 1383, p. 1).