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5.3. Os cinco grupos da imprensa católica açoriana

5.3.1. Os jornais nacionalistas e a questão do nacionalismo

5.3.1.2. O semanário A Ordem

Ao debruçarmo-nos sobre este semanário, integrado nos jornais de âmbito nacionalista, será oportuno informar que no acervo disponível na Biblioteca Nacional de Portugal tivemos acesso somente às suas edições a partir do número catorze, com a data de 22 de Julho de 1907. A Ordem, muito por influência da figura maior de contista e de poeta que foi o seu fundador, padre Nunes da Rosa, conseguiu expandir-se ao todo do arquipélago a partir de uma freguesia de reduzida expressão territorial e social como as Bandeiras, na ilha do Pico, comprovando-se que o círculo daqueles que o leram foi superior ao dos compradores, e o público influenciado indiretamente foi ainda mais extenso do que o público/auditor, observando-se que o público de A Ordem tinha uma abrangência muito superior ao do público circunscrito à ilha do Pico.

Nunes da Rosa atraía pela sua cultura e pela inconfundível capacidade literária. Subscrevemos Santos (2005: 131), quando afirma que é pelos frutos que se pode conhecer a verdadeira natureza do público. Assim, da pequena freguesia de Bandeiras, brotou um semanário lido e procurado pelos círculos intelectuais das outras ilhas, comprovando-se que, de facto, segundo Schudson (2010: 20), “o jornalismo é uma profissão sem isolamento”, pois cria vasos comunicantes que superam os estreitos horizontes de um território descontínuo, vasos esses que transcendem o sítio mais ermo ou a condição mais “ilhada”, parafraseando Onésimo Teotónio de Almeida (1989: 64).

A Ordem pode compreender-se como herdeiro de uma tradição jornalística açoriana

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estiveram bem presentes nas páginas de A Ordem, manifestando-se na afeição monárquica, nacionalista e poética de Nunes da Rosa. A nosso ver, o semanário da freguesia de Bandeiras estabeleceu-se numa longa e viva vontade de se dar a quem dentro da região insular voz não tinha, nomeadamente a população de uma ilha como o Pico, que sempre lutou com dificuldades de subsistência. Nunes da Rosa, por meio dos seus contos e poemas, manifestava uma consciência intelectual perfeitamente ao corrente do que se fazia em países e territórios tão próximos e distantes da realidade açoriana, como os Estados Unidos, o Brasil, segundo Freitas (2001: 50).

Não obstante as paixões política ocuparem muitas das páginas do semanário da ilha montanha, a questão religiosa e o direito inalienável dos direitos da Igreja sempre foram colocados em primeiro lugar nas suas páginas, em que o clamor pela liberdade de ação dos católicos na sociedade constituía uma reivindicação prioritária para este órgão da imprensa nacionalista, como podermos observar do excerto que abaixo transcrevemos do editorial “Actual”, de 13 de Julho de 1907.

“Admitindo-se que os factos confirmem as esperanças que aí vão, - aproximando tanto os partidos franquistas e nacionalista, especialmente no norte do país, que quase se confundem, - melhorará a situação da Igreja e do clero em Portugal? Não nos parece…A Igreja católica no nosso país tem necessidade de “ar” e de “luz”, tem necessidade de sair do meio asfixiante em que vive, de quebrar as cadeias que a manietam, - de conquistar um regime de sólida e bem entendida liberdade. A Igreja livre sem interferências do Estado seria o ideal”.

Ora o semanário picoense vai-se dando conta das movimentações respeitantes à implantação do Partido Nacionalista nos Açores com a fundação do Centro do Partido Nacionalista em Angra (A Ordem, 12/10/07). O nacionalismo poderá ser entendido na versão transmitida no semanário A Ordem, em consonância com a perspetiva de Connor (1994: 57), como um etnonacionalismo. Este conceito poderá ser adotado à realidade açoriana do Pico, aquilo que o autor supracitado designa como uma comunidade mental, existente na mente das pessoas como uma realidade autêntica e não fantasista. O nacionalismo advogado pelo semanário em apreço tinha uma visão da pátria a partir da realidade da ilha, nunca se esquecendo de a colocar em primeiro lugar. A ilha do Pico e a realidade do arquipélago priorizaram sempre a visão do periódico, enquadrando-a embora no todo nacional. Cabe neste ponto de vista aquilo que Sobral (2012: 20) entende como “nacionalismo cívico”, assente numa conceção da nação em que se sublinham valores de participação na

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comunidade e nacionalismo definidos como “étnicos”, pois privilegiam a existência de uma comunidade, como se observa em A Ordem, no editorial “Questão suprema”, 2 de Outubro de 1909.

“Se tivésseis um deputado ele se encarregaria de dizer ao Governo: - o povo das nossas aldeias do Pico atravessa uma crise medonha. A peste, o isolamento, a seca, em coisa alguma prejudicou as casas ricas ou remediadas. Essas tem no bragal a fartura e na vida serena a alegria suave… outro tanto não sucedeu ao povo, aos pobres que lavram a terra, que afrontam os perigos do mar, e arrostam as inclemências da sorte… esses conhecem as lágrimas da miséria e arreceiam o rito da fome, que pairam sinistras na improficuidade do trabalho. Há aldeias donde moços, e famílias inteiras, pedem à emigração o recurso salvador, e onde os que ficam, velhos e mulheres, trabalham de sol a sol como levas de escravos, …mas não tendes um deputado! Esses senhores não vos conhecem, não vos devem favores; não vos ligam a mínima importância! E todavia a culpa é vossa!... Se quando sois chamados a votar ponderásseis a gravidade do acto que praticais…”

Na ótica de Sousa (2004: 188), o cenário histórico em que surgiu A Ordem propiciou, derivado às inúmeras instabilidades político-sociais existentes no país nessa época, o discorrer da pena de um distinto polemista como Nunes da Rosa num período recheado de acontecimentos ideais para estimularem o virtuosismo literário do fundador do semanário em análise.

O primeiro número de A Ordem por nós estudado, número catorze, a que tivemos acesso na que Biblioteca Nacional de Portugal, datava de 22 de Junho de 1907, titulado “Lições oportunas”. Deparamo-nos aí com uma clara referência à alma crente do líder do Partido Nacionalista, o açoriano Jacinto Cândido.

“O Sr. Conselheiro Jacinto Cândido, aos primeiros rebates da moléstia que o prostrou em o leito, apelou para os sacramentos da Igreja, que lhe foram administrados com a devida solenidade, ao que noticiou a imprensa lisbonense, rodeando-se de respeitos o eminente nome de Estado. Não nos pode passar despercebido este facto. A lisura e a integridade de carácter, de que tanta ostentação e gala por aí se faz, vem infelizmente baqueando em uma tão triste infantilidade tímida diante da confissão clara e ostensiva do sentimento religioso, - que não será demasiado apresentar os exemplos de rígida inteireza, que aqui e acolá se manifestam, ao estímulo de uns e ao conforto de outros”.

Os editoriais políticos possuíam notas de profunda acutilância, não se escusando o seu diretor de apontar a inoperância das instituições da Monarquia Constitucional, como podemos notar do editorial “Notas Políticas”, na edição de A Ordem, de 29 de Junho de 1907: “o parlamentarismo em Portugal não passa de uma hipocrisia venal, sancionada pela

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desorientação e ignorância públicas”. Ora o pendor nacionalista do semanário não se encobre como atesta a perícope que citamos de A Ordem, “O Partido Nacionalista nos Açores”, 12 de Outubro de 1907.

“Um dos factos mais importantes da semana política insular é sem contestação a fundação do Centro Nacionalista em Angra. E esse partido conquistou adeptos em todo país, pode-se afoitamente dizê-lo. Não é um partido de combate, sob o ponto de vista restrito da expressão, não busca louros ou derrotas no terreno sádico dessa política mórbida e odiosa que aí se digladia na ânsia do poder; mas, e por isso mesmo, como partido de ordem e de acção, mantém-se a postos na defesa de reivindicação de todos os princípios que possam concorrer para a o bem, para o engrandecimento da nação.”

A Ordem teve uma existência de cerca de quatro anos, de 27 de Março de 1907 a 20

de Março de 1910, havendo um esmorecimento da causa nacionalista nos últimos anos da existência deste periódico, na sequência do atentado realizado à família real em 1908, realidade transversal a todos os órgãos de imprensa católica afetos a esta causa política. Na sua última edição, a de 19 de Março de 1910, não nos é deixada nenhuma explicação para o desaparecimento deste semanário.

Nos dados que abaixo mensuramos em tabela, sublinhamos o facto de os editoriais políticos duplicarem os religiosos, ao longo das suas edições, à exceção dos últimos anos de existência de A Ordem, facto muito derivado ao ímpeto nacionalista ter refreado após o regicídio de 1908.

Notamos ainda um equilíbrio no respeitante aos editoriais patrióticos e sobre o ensino, havendo a particularidade de muitos editoriais se preocuparem com a realidade local, nomeadamente com questões ligadas à agricultura, como verificamos em A Ordem, 24 de Agosto de 1907, sob o título “Sulfatem bem”: “a moléstia das figueiras pode ser combatida pela sulfatagem”. A transcrição demonstra que A Ordem, apesar de fazer eco da realidade nacionalista e da defesa da monarquia, sempre esteve ligado à vida local da ilha do Pico, uma das maiores produtoras agrícolas do arquipélago.

Remetemos para o campo do enigma o encerramento deste semanário, pois, como já dissemos, não nos é dada nenhuma explicação para o seu términus. A alimentar ainda mais as possíveis razões para a sua suspensão, citamos a informação que nos é dada por Pereira (1939: 71), que inevitavelmente suscita em nós a pergunta sobre quem realmente o suspendeu: «A Ordem foi “violentamente suspenso”».

184 Tabela 2. Distribuição dos editoriais do semanário A Ordem

1907 1908 1909 1910

Editoriais políticos 13 13 7 3

Editoriais religiosos 4 6 6 16

Editoriais sociais / económicos 5 4 4 1

Editoriais regionais / locais 5 6 7 4

Editoriais morais / ensino 3 3 6 1

Editoriais sobre a imprensa 1 1 4 1

Editoriais política internacional 0 4 6 2

Editoriais patrióticos 2 3 1 2

Editoriais literários / científicos / culturais 2 2 9 4

Editoriais entrevista 0 0 0 0