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5.1. Imprensa católica açoriana: local ou regional?

5.2.2. Padre Ernesto Ferreira

Manuel Ernesto Ferreira trabalhou durante vinte e sete anos no jornal A Crença. Era chamado o “Herculano dos Açores” (Melo, 1996: 15). Nasceu em 28 de Março de 1880, ordenando-se em 18 de Janeiro de 1903, em Angra, pelo bispo da Diocese, D. José Manuel de Carvalho. Fez uma obra social e evangélica meritória que se aliava ao seu interesse pela

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faina marítima, fazendo classificações e descobertas que depois publicou e que o notabilizaram internacionalmente.

Foi fundador da revista Phenix, cujo primeiro número saiu em 15 de Julho de 1902, portanto ainda antes da sua ordenação sacerdotal. Nas páginas da Phenix notam-se as facetas do jovem sacerdote, com escritos de alto interesse cultural: instrução, os problemas das ilhas, o separatismo e a exportação de artesanato, a preocupação pelas famílias mais desfavorecidas da época e a apresentação de soluções para a sua precariedade, o que constituía uma novidade para época, a cultura para os agricultores, bem como a familiaridade com filósofos como Kant (atente-se que este filósofo é aceite nos meios católicos dos meados do século XX com grande hostilidade e reserva), o que é realmente notável para um pensador saído dos seminários da época. Esta publicação foi um feito na pacatez de um burgo como Vila Franca do Campo, na costa sul da ilha de São Miguel. Sendo leitor assíduo de Herculano, cuja influência na juventude foi notória, lia também Camilo, Ramalho Ortigão, e obras de Eça, Garrett, António Nobre, João de Deus, André Chénier, Chateaubriand. A admiração que a sua formação cultural suscitava fica bem expressa no semanário O Dever: “Ernesto Ferreira, membro ilustre da Academia das Ciências e Portugal, jornalista e polígrafo de palavras límpidas, castiças, cheias de beleza, emoldurando conceitos escolhidos, úteis, profundamente educativos” (O Dever, “A nova cruzada”, 7 de Janeiro de 1922, n. 227, p. 1).

A sua ideologia levava-o também para um pendor monárquico, idealista, a par da constante tendência para as investigações científicas, segundo Melo (1996: 35). Vários assuntos são prioritários para Ernesto Ferreira, podendo-se notar uma preocupação por assuntos como a falta de comunicações nas ilhas, a mendicidade infantil, o analfabetismo, a necessidade de uma biblioteca, de um cais e de condições melhores para agricultores e pescadores.

É interessante notar a coincidência da vinda para os Açores, nesta época, do notável filósofo e pedagogo, Dr. Ferreira Deusdado, natural de Rio Frio, em Bragança, que vai lecionar para o Liceu de Angra e é logo citado no primeiro número de A Phenix.

Por comparação de datas, podemos verificar que é através da amizade e admiração de Ernesto Ferreira pelo ainda jovem escritor exilado Ferreira Deusdado que a revista Phenix angaria um notável colaborador, com interesses culturais amplos que são visíveis em toda a revista.

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Ernesto Ferreira entendia o “regionalismo” como a “escola do universal”. A convicção do regresso à terra teve profundas ressonâncias na construção de um sentido moral e religioso, social e de defesa de descentralização (Melo, 1996: 45).

Foi da autoria de Ernesto Ferreira a fundação de um boletim paroquial, um sinal de presença religiosa que marcou bastante e, durante anos a fio, foi o único na ilha. Ernesto Ferreira intitulou-o A Crença,e veio a surgir em 19 de Dezembro de 1915, na quadra de Natal, tempo festivo que constatamos ser muito do seu agrado. Até hoje ainda existe este periódico. Era uma empresa arrojada para a época e de valor ainda maior.

Um outro periódico também fundado por Ernesto Ferreira foi A Actualidade que, apesar de ter tido uma existência relativamente curta, se o compararmos por exemplo com A

Crença, acabou por ser uma voz pioneira no tecido urbano de Ponta Delgada. É no semanário O Dever que encontrámos palavras profundamente encomiásticas ao seu desempenho

jornalístico, sendo a sua figura de sacerdote e jornalista colocada numa dimensão não apenas regional, mas de âmbito nacional, como podemos denotar da sucinta biografia que se segue.

“Ernesto Ferreira, ornamento em destaque do clero português, um dos raros sacerdotes pertencentes à Academia das Ciências de Portugal, professor eminente do Instituto de Vila Franca do Campo, da ilha de São Miguel, sócio ilustre da Sociedade de Geografia de Lisboa, artista das Letras, que tão belamente sabe prestigiar de perfeição cristalina, também nos distinguiu com a sua colaboração para o número festivo de O Dever. Ernesto Ferreira que, em cada artigo da sua brilhante A Actualidade, escreve uma pequenina obra-prima, hoje enche esta casa de puro prazer, pela gentil visita que lhe presta. Nunca o esqueceremos.” (O Dever, “Amigos de O Dever”, 4 de Junho de 1921, n. 199, p. 2-3).

O assento que, por mérito próprio, Ernesto Ferreira conseguiu nos meios intelectuais da altura foi fundamental para imprensa da ilha de São Miguel, porque permitiu granjear distintos colaboradores para as páginas dos três periódicos que orientou, sendo o responsável, inclusive, pela participação do primeiro membro do laicado açoriano na direção de um órgão de imprensa católico – o médico Manuel Caetano Pereira –, que assumiu a direção de A Actualidade, como podemos perceber do excerto transcrito deste semanário de Ponta Delgada.

“Motivos imperiosos de saúde obrigaram o sr. Padre Ernesto Ferreira a deixar a direcção deste jornal, que nos dois anos da sua existência tem vivido quase exclusivamente da dedicação e do sacrifício do seu primeiro e ilustre director. Com uma saúde precária e uma vida sobrecarregada por múltiplos deveres, o sr. Pe. Ernesto Ferreira suportou, com

167 verdadeiro espírito de sacrifício, uma tarefa cujo peso só podem compreender aqueles que conhecem a multiplicidade de esforços que a vida deste jornal lhe tem exigido. É com profunda mágoa que vemos A Actualidade privada da direcção do Padre exemplar e do escritor primoroso que, desde longos anos, ocupa um lugar de destaque na literatura açoriana: mas a nossa mágoa não nos impede que reconheçamos a justiça que o levou a declinar as funções que desempenhava nesta casa. A Actualidade manifesta a gratidão de que fica devedora para com o seu primeiro director, de quem espera receber colaboração assídua.” (A Actualidade, “Continuando”, 2 de Setembro de 1922, n. 123, p. 1).