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4. O ENSINO PRIMÁRIO COMO DIREITO FUNDAMENTAL E A SUA

4.1. Educação como exercício pleno do Direito de Liberdade e

Um homem só é livre quando age de acordo com a sua vontade, isenta de pressões e esclarecida, isto é, com perfeito conhecimento da situação envolvente e suas consequências, tendo em conta juízos de valor, por ele assumidos, através do qual se realiza pessoalmente. E este conhecimento adquire-se através da educação.

Embora o direito à educação não deva ser restringido ao ensino primário (educação básica), este garante o acesso aos demais níveis de ensino, por ser nesse nível de ensino que se adquire os rudimentos para a compreensão de fenómenos mais complexos.

O direito à educação, enquanto direito social, é caracterizado pela interdependência e indivisibilidade do sistema jurídico em que se insere, pela supremacia normativa, pois está constitucionalmente tutelado pela universalidade, na medida em que são titulados por todas as pessoas, pela indivisibilidade, estando a ela intrinsecamente ligadas a incindibilidade, e é digno de protecção no mesmo pé de igualdade com outros direitos, pela interdependência, indisponibilidade, historicidade e aplicação imediata e pela proibição do retrocesso social.

O Direito à Educação destaca-se em dois planos:

1 – No plano individual, prende-se com a realização pessoal e, nesse sentido, é corolário da dignidade humana e dos Princípios da Liberdade e da Igualdade; 2 – No plano colectivo, tem a ver com a relação do indivíduo ao seu meio social, nomeadamente na sua participação na vida da comunidade, a sua participação cívica e política, com o desenvolvimento social, económico e cultural, no seu envolvimento na promoção dos direitos humanos e da paz303.

303 Nina Ranieri entende que “O direito { educaç~o permite aos adultos e crianças marginalizadas a

integração na comunidade, a promoção da emancipação feminina e a protecção das crianças contra a exploração sexual ou a de seu trabalho. Possibilita ademais, a difusão da Democracia, dos direitos humanos e da protecção do meio ambiente, valores cruciais no mundo contemporâneo. Desse ponto de vista, convém lembrar que a efectividade do direito à educação e suas repercussões beneficiam reciprocamente o indivíduo e a colectividade. Interesse particular e interesse público, assim se fundem, da mesma forma que os interesses locais, regionais e nacionais” in Nina Beatriz Stocco Ranieri (Coord.), Direito à Educação, Aspectos Constitucionais, EDUSP, São Paulo, 2009, p. 288.

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A pergunta que se coloca é a de saber até que ponto a Constituição Angolana e as suas leis fundamentais consideram o direito à educação primária como um direito cívico?

O artigo 79.º da Constituição privilegia o plano colectivo do Direito à Educação ao dispor que a promoção do acesso de todos os cidadãos à alfabetização e ao ensino faz-se através do incentivo à participação dos diversos agentes particulares na sua efectivação pelo Estado.

Este preceito legal fundamental torna extensivo, ou melhor, confere particularmente aos agentes privados o direito de prestação positiva, antes deferida somente ao Estado como uma das suas funções de “reserva” que, por força da Lei n.º 4/75, atribuía a esse mesmo Estado o seu monopólio no exercício das tarefas educativas. Esta situação não é nova, pois já o artigo 13.º da Lei Constitucional se referia dessa forma, ao enunciar que “a República Popular de Angola combate energicamente o analfabetismo e o obscurantismo e promove o desenvolvimento de uma educação ao serviço do Povo e de uma verdadeira cultura nacional, enriquecida pelas conquistas culturais revolucion|rias dos outros povos”.

Destarte, o direito à educação constitui um direito subjectivo que aparece sempre ligado ao colectivo, ao bem-estar social.

O conceito de “direito subjectivo social” aparece bem sublinhado nos pronunciamentos da UNESCO304.

Contrariamente à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, adoptada pela OUA, em Nairobi, Quénia (em 1981), reconhece e consigna um leque de direitos e deveres individuais, elevando a pessoa humana como sujeito activo, nos capítulos I – Direitos dos Homens e dos Povos, e consagra expressamente o direito à educação, no artigo 17.º, n.º 1.

304 O direito { educaç~o, nesse sentido, constitui um “instrumento de desenvolvimento dos recursos

humanos e sociais […] é essencial para a erradicaç~o da pobreza, reduç~o da mortalidade infantil, controlo do crescimento da população, igualdade no género e assegura o desenvolvimento sustentável, a paz e a democracia […] Uma sociedade alfabetizada est| melhor equipada para um r|pido crescimento” – inwww.unesco.org/new/en/educationtheme – 21.04.12.

E ainda sobre a alfabetizaç~o: “Literacy is a human right, a tool of personal empowerment and a means

for social and human development. Educational opportunities depend on literacy.

Literacy is at the heart of o basic education for all, and essential for eradicating poverty, reducing child mortality, curbing population growth, achieving gender equality and ensuring sustainable development, peace and democracy. There are good reasons why literacy is at the core of Education for All (EFA). A good quality basic education equips pupils with literacy skills for life and further learning; literate parents are more likely to send their children to school; literate people are better able access continuing educational opportunities; and literate societies are better geared to meet pressing development.” in

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Fiel a este princípio, a Carta Africana dos Direitos e do Bem-Estar da Criança (1990/1999)305 reitera o respeito do direito à educação como um direito individual, ao

estatuir claramente, no artigo 11.º, alínea a), que esse direito é dirigido ao fomento e ao desenvolvimento do “bem estar da criança, dos seus talentos e das suas capacidades físicas ao m|ximo potencial". Ora, esta pretens~o est| manifestamente dirigida ao “eu” individual, que não está naturalmente dissociada do ser social que é o homem na sua eminência. De modo que não será alheio considerar que o direccionamento para o ser individual não pressupõe o afastamento do homem como ser social, daí que, nessa mesma disposição, na alínea g), se reconheça que o direito à educação será concomitantemente dirigido { “preparação da criança para uma vida responsável numa sociedade livre, num espírito de compreensão, tolerância, diálogo, respeito mútuo e amizade entre todos os povos, grupos étnicos, tribais e religiosos”306.

4.2. A imposição constitucional de assegurar o ensino primário (básico e