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4. O ENSINO PRIMÁRIO COMO DIREITO FUNDAMENTAL E A SUA

4.3. O Posicionamento institucional da escola e a sua contribuição na

As discussões sobre a cidadania centram-se em torno do seu conceito analisador (e.g. Beiner, 1995 e Heater, 1999) e enquanto finalidade educacional fundamental (e.g. Menezes, 2003, dentre outros).311

Num Estado democrático de direito, como se arroga a República de Angola, no artigo 2.º da CRA, a participação dos cidadãos na vida pública reclama uma qualificação que o torne capaz de se envolver no processo de desenvolvimento social, “como sujeito dotado de autonomia e responsabilidade pelas suas escolhas”312.

Todas as políticas educativas e todas as normas, que enformam o sistema de educação, têm como escopo a formação do homem, de acordo com os objectivos preconizados pela sociedade a que se reportam. E esta formação é feita, de forma organizada, em estabelecimentos especificamente criados para este efeito, que genericamente são denominados por estabelecimentos de ensino ou, simplesmente, por escolas.

Num sistema formal de ensino, a escola será, por conseguinte, o espaço privilegiado onde se desenvolve a educação.

O exercício da cidadania pressupõe que o indivíduo, enquanto cidadão (homem inserido numa determinada formação social), tenha pleno conhecimento dos seus direitos e deveres para com o Estado a que pertence, para que os possa exercer e cumprir, de modo participativo313, consciente e responsável.

311 Isabel Menezes e Pedro D. Ferreira, Educação para a Cidadania participatória em sociedades de

transição: uma visão europeia, ibérica e nacional das políticas práticas da educação para a cidadania em contexto escolar, Editor CIIE – Centro de Investigação e Intervenção Educativas, Faculdade de

Psicologia e Ciências da Educação, Porto, Dezembro 2012, pp. 17.

312 Luísa Neto, Educação em Democracia, Estudos de Direito, 1, 1.ª edição, Universidade do Porto, Porto,

Dezembro de 2015.

313 Dione Ribeiro Basílio, sublinha a obtenção da condição de cidadão participativo, através do

desenvolvimento, e transformação do ser humano, pelo acesso ao conhecimento facultado pela educação, na sua Dissertação sobre Direito À Educação: Um Direito Essencial ao Exercício da Cidadania.

A Sua Protecção à Luz Da Teoria Dos Direitos Fundamentais e da Constituição Federal Brasileira De 1988, Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2009, www.teses.usp.br, pp. 58 e 59.

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A escola, como centro especial do ensino, em que o Estado pode e deve intervir, tem de possuir a capacidade para transmitir conhecimentos e de propiciar o aperfeiçoamento espiritual das pessoas314, de tal modo que o sujeito que a frequente

adquira a formação necessária para o exercício da cidadania, isto é, adquira as competências necessárias para conhecer os seus direitos e deveres na sociedade a que pertence e possa participar consciente e de forma activa.

Assim, ao Estado incumbe colocar à disposição da população uma rede de instituições capazes de satisfazer as suas necessidades de acesso. É nas escolas que se materializa o princípio constitucional do direito ao ensino e à alfabetização, previstos no artigo 79.º da Constituição de Angola, e que o Estado cumpre com as suas tarefas, definidas no artigo 21.º desse diploma, e dá corpo aos objectivos gerais da educação, preconizados no artigo 4.º da Lei n.º 17/16, que aprova a Lei de Base do Sistema de Educação e Ensino.

A escola está inserida numa estrutura da pirâmide do sistema de educação, constituindo a sua base, de acordo com o que enuncia o artigo 103.º, da Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino. Para ela estão estabelecidas normas regulamentares, que podem estar agrupadas normalmente nos Estatutos dos Subsistemas de Ensino e, casuisticamente, nos regulamentos das respectivas escolas, cujo cumprimento é essencial para a vida da comunidade escolar, docentes, discentes e trabalhadores, prevendo até sanções no caso de incumprimento.

As relações que se estabelecem entre os membros da comunidade escolar evidenciam já a prática dos direitos e das obrigações plasmadas nos regulamentos das instituições.

Como afirma o professor doutor Jan De Groof, “A educaç~o forma a personalidade de uma pessoa jovem, afectando ou influenciando assim a sua capacidade de adquirir e exercer, na existência em concreto da comunidade de uma escola, tanto direitos como deveres de cariz democr|tico”. E prossegue: “A escola encoraja-o a tal, tomando em consideração uma necessária diferenciação baseada na sua idade e tipo de educação e em conformidade com os objectivos educacionais da escola, que por sua vez não podem ignorar a perspectiva de uma cultura de direitos.”315

314 Dalmo de Abreu Dallari, Direitos Humanos e Cidadania, Col. Polémica, Moderna, São Paulo, 1998, p. 47. 315 Jan De Groof, in “Autonomia e Disciplina nas Escolas”, traduç~o de José Eduardo Bispo (LLB, LLM) –

Revista da Associação Portuguesa de Direito da Educação, AAFDL Editora, Lisboa, n.º 1, 1.º Semestre de

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Por outro lado, os Princípios Gerais de Direito devem enquadrar-se nas matérias educativas, quer através de disciplinas específicas sobre Direito e direitos humanos, quer através de conceitos radicados em matérias de âmbito social, tais como a educação moral e cívica ou, até mesmo, a matemática.

A escola e demais instituições escolares constituem unidades de base do Sistema de Educação e Ensino, às quais incumbe aplicar e desenvolver formas e métodos de ensino e aprendizagem adequados à prossecução dos fins da educação, em observância dos princípios legalmente estabelecidos.

À escola compete formar o indivíduo, capacitando-o para a vida activa através do desenvolvimento das suas capacidades intelectuais e elevação do seu nível de consciência e de trabalho, no respeito pelos princípios democráticos, pela dignidade da pessoa humana, permitindo a sua integração na sociedade de que faz parte. Em suma, a escola deve formar um indivíduo que exerça a sua cidadania de modo livre e consciente em plena consonância com a moral e a ética vigente no seu país, os seus usos e costumes e as suas leis, conforme também prescreve a Carta Africana dos Direitos e do Bem-Estar

da Criança316.

Os valores da tolerância, respeito pelos direitos e liberdades individuais, o espírito de compreensão, da moral e dos bons costumes, isto é, a prática da vida social comunitária, fora da família, inicia-se na escola. Esta, tal como a família, constitui um dos pilares para a formação do indivíduo, dentro dos parâmetros aceites pela sociedade. Assim, através da escola, o poder público transmite aos seus cidadãos os valores que fundam a unidade da Nação e concede os mecanismos intelectuais e morais com vista a alcançar a plena realização dos direitos humanos.

É, também, através dela, enquanto instituição, que os alunos irão aprender as regras de convivência que determinam a vida em comum. Como se tem afirmado, mais do que as leis, a boa educação forma bons cidadãos.

Mas o que é dado fazer quando as normas que regem a actividade do meio estudantil não existem, ou são formalmente inexistentes, ou, ainda, qual o grau de efectividade das normas de conduta a seguir no seio da comunidade escolar, quando a sua criação não obedeceu ao formalismo legal estabelecido, como parece ser o caso do regulamento geral das escolas do ensino geral?

316 Assim dispõe o Artigo 11.º (Educação) da Carta Africana dos Direitos e do Bem-Estar da Criança

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Embora o artigo 35.º e seguintes, do Decreto Presidencial n.º 16/11, que aprova o estatuto do subsistema do ensino geral, preveja a organização e funcionamento dos órgãos de gestão dessas escolas, remete para legislação avulsa a sua regulamentação, nomeadamente a organização interna, funções e atribuições de cada um deles. O Ministério da Educação, através da Direcção Nacional do Ensino Geral, tornou público, a 1 de Janeiro de 1999, o Regulamento Geral das Escolas do Ensino Geral. Tal diploma, ao momento, não tinha sido publicado por entidade competente para o fazer, o Ministro da Educação, pelo que se levanta a questão de saber em que medida o cumprimento desta disposição é obrigatório, sabendo que a Lei n.º 8/93, de 30 de Julho, nos artigos 3.º, 6.º e 7.º, submete a publicação no Diário da República a requisitos formais, como sendo a competência da entidade que emite, de que os directores não fazem parte, a obrigatoriedade da identificação do diploma, iniciando pelo número e data, a categoria e, por fim, a subsunção do modelo a que se reporta a categoria do mesmo. Ora, a publicação deste regulamento não obedeceu a tais regras que, de acordo com o mesmo diploma, a sua obrigatoriedade estará condicionada.

Estaremos aqui perante uma norma sem validade formal, logo, formalmente inexistente e, como tal, inexigível.

Embora feridas de nulidade, a verdade é que, na prática, as escolas organizam-se de acordo com tal diploma. Está aqui patente uma das manifestações, de entre tantas, que enferma o sistema das normas jurídicas, nomeadamente o revestimento da forma das normas jurídicas e da competência do órgão emitente, em desrespeito das normas que regulam os actos administrativos.

É uma situação que urge corrigir, não só em termos de forma, de exigência prática, porém, mais ainda, a bem da certeza do conteúdo dos seus direitos e deveres recíprocos, a fim de permitir uma verdadeira participação do aluno na vida da escola, para que se sinta parte da comunidade escolar e n~o, somente, um indivíduo que “vai” { escola, por “ser obrigado a ir” e, no fim, ter um diploma, mas alguém que, sendo um sujeito de direitos e deveres, contribui para o desenvolvimento da escola e do seu crescimento pessoal e individual e a encara como um verdadeiro treino para a vida social activa. O aluno deve constituir um sujeito activo com a faculdade de exercer os seus direitos e cumprir com os seus deveres, em primeira linha na escola, e ser capaz de transportá-los para a sua família e comunidade, e não se limitar a ser um mero objecto

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sobre o qual recai um programa escolar, tornando-se um receptáculo de conhecimentos e incapaz de os ligar à realidade.

Em ordem à coerência e à uniformidade e harmonia das normas jurídicas (sistema jurídico), o Regulamento Geral das Escolas do Ensino Geral, mesmo assim, tornar-se-ia ultrapassado face {s disposições do artigo 59.º, sobre “a posiç~o e organizaç~o das escolas e outras instituições para a educaç~o”, preconizadas na Lei n.º 13/01, Lei de Bases do Sistema de Educação, e a esta deverá ceder em obediência à aplicação das leis no tempo.

Mas permanece, ainda, uma questão que nos resta resolver: Será que o regulamento interno constituirá uma fonte de direitos ou, simplesmente, uma “situaç~o funcional adoptada pelo legislador como mais adequada para permitir a realização dos direitos e cumprimento dos deveres”317?

A resposta encontrar-se-á na estruturação hierarquizada das normas jurídicas sobre a educação e ensino. Há que primeiro estabelecer os direitos e deveres em sede própria e depois encontrar-se os mecanismos para a sua efectivação, reservando à escola o seu papel de formador, em plena harmonia com a família. A escola deve assegurar o desenvolvimento dos hábitos de solidariedade, de respeito, do sentido de justiça, de tolerância e de preservação, do bem comum e dos direitos humanos em geral.

317 No dizer do Professor Doutor Barbas Homem, “Direitos e Deveres Fundamentais de Pais, Professores e

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5. OS PILARES CONTRATUAIS DA RELAÇÃO ENTRE A ESCOLA E A FAMÍLIA