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De acordo com Agostinho Monteiro40, existem duas razões justificativas que

presidem à imprescindibilidade de um enquadramento histórico na “investigaç~o jurídica do direito { educaç~o”: o conhecimento do desenvolvimento histórico do direito à educação que pressupõe a sua génese e crescimento no âmbito geral dos direitos humanos e o conhecimento do seu conteúdo e contornos.

Aqui interessa, particularmente, compreender o caminho percorrido pelo direito à educação para que os princípios orientadores da democraticidade e da universalidade, intrínsecos e inalienáveis desse direito fossem conseguidos.

Por fim, importa ainda perceber e, quiçá, estabelecer o posicionamento do Direito da Educação na esfera jurídica do direito público ou do direito privado e a sua autonomia face a essas ciências.

Daí a importância do estudo da Carta Internacional dos Direitos do Homem, de 194841, e dos seus reflexos no território de Angola.

Segundo reza a história, Diogo Cão, navegador português, chegou a Angola, em 1486, desembocando em S. Salvador do Congo, actual Mbanza Congo. Nessa época, os limites territoriais não coincidiam com os que hoje conhecemos, tendo-se convencionado, em 1886, com o “mapa cor-de-rosa”, apresentado na Conferência de Berlim em 1884, cujo objectivo último era o de unir os territórios de Angola a Moçambique e, por fim, fixado em 1890, até aos nossos tempos, por imperativos de

40 Agostinho dos Reis Monteiro, Direito Internacional da Educação, Nova Disciplina, Tese de Doutoramento,

Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, Departamento de Educação, s.n., Lisboa, 1993, p. 55, aponta duas razões principais justificativas da necessidade de um enquadramento histórico, na “investigaç~o da dimens~o jurídica do direito { educaç~o”: A primeira é que, sendo a educaç~o um direito do homem, convém, antes de entrar no campo específico do direito à educação, começar pela apresentação do quadro jurídico internacional em que se inscreve a sua história, estatuto e problema; a segunda é que, sendo a promoção do respeito dos direitos do homem parte da finalidade do direito à educação, é indispensável conhecê-los para poder defendê-los, respeitá-los e ensiná-los.

41 A Carta Internacional dos Direitos do Homem, constituída pela Declaração Universal dos Direitos do

Homem, pelo Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais e pelo Pacto da Sociedade das Nações, constitui uma história da “longa marcha da humanidade para o seu devir”

(Pettiti, in UNESCO, 1978:274) e das “mil flores da cultura” (Badinter, 1990: 183), como documenta a célebre antologia da UNESCO, O Direito De Ser Homem. Como escreveu Marie, “seria v~o procurar uma cédula [...], a reivindicação dos direitos do homem é de sempre e em toda a parte”. Mas foram as declarações de fins do século XVIII que deram “um nome preciso a esta reivindicaç~o e começaram a definir o seu conteúdo e contornos: neste sentido, estão na origem da noção moderna dos direitos do homem, tal como ela se desenvolveu continuamente até aos nossos dias” (Marie, 1985: 7).

Foram, porém, necessárias duas guerras mundiais para que o tabu da omnipotência e bel-prazer de cada Estado nos assuntos internos e nas relações internacionais, base de todo o Direito internacional público clássico, fosse posto seriamente em questão, como testemunhou René Cassin, referindo-se à Sociedade das Nações, (Cassim, 1978: 56).

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interesses económicos europeus, nomeadamente da Inglaterra, sob o pretexto da ocupação efectiva.

Nesse espaço territorial conviviam diferentes povos étnicos cujo denominador comum, que nos interessa para o estudo, era a ausência da escrita: iliteracia, pelo menos, tal como ela é entendida nos nossos dias42.

A educação era, preferencialmente, transmitidapor via oral, através dos ritos de iniciação e de outras formas de educação, dotando os cidadãos (consoante a sua faixa etária, sexo e importância social) de conhecimentos para se relacionarem na comunidade a que pertenciam: eram ensinados os hábitos, usos e costumes da sua tribo ou grupo social. A educação era feita de modo informal, mas organizada segundo determinados padrões consuetudinários. Não se pode falar aqui de Direito da Educação, tão pouco de ensino, por lhe faltarem as características da formalidade, da universalidade, da democraticidade e da não discriminação.

Tendo em conta os objectivos desse ensino, era frequente os reis enviarem os seus filhos para Portugal, não se sentindo os seus efeitos entre a população de Angola43.

Era, por conseguinte, um ensino/educação elitista.

Por outro lado, os interesses comerciais portugueses estavam mais voltados para o Brasil e, em Angola, interessava-lhe fundamentalmente o comércio de escravos para ali irem trabalhar nas minas. Para além de que “O conflito entre interesses arreigados e as políticas hesitantes da coroa (Portuguesa) caracterizaram, no início, uma confusão de autoridade e de objectivo em Angola, que ajudou a arruinar o desenvolvimento da província para os três séculos seguintes”. N~o havia interesse de qualquer sorte, por parte das autoridades portuguesas, em criar um sistema de educação44.

42 O Padre Raul Ruiz de Asúa Altuna defende que a escrita já era conhecida de certos povos africanos, no

século VI da nossa era (in Raul Ruiz de Asúa Altuna, Cultura Tradicional Bantu, Paulinas Editora, Prior Velho, 2006, pp. 10, 37 e 38). No mesmo esteio, Martins dos Santos documenta que, lá pelos anos de 1460, existiam homens e mulheres letradas no reino do Congo, afirmando mesmo que “nem pode sustentar-se a hipótese de os letrados serem apenas os europeus residentes no reino do Congo, porque são muitos os exemplos conhecidos de que os naturais, homens e até mulheres, aprendiam a ler e a escrever, atingindo tal nível de cultura que se consideravam capazes de ensinar”, Martins dos Santos,

Cultura, Educação e Ensino em Angola, Edição Electrónica, 1998, p. 14, in www.angolitaly.it. É preciso

não esquecer que a escrita antiga era já conhecida dos povos africanos, nomeadamente dos egípcios, por volta do 4.º milénio a.C.

43 Martins dos Santos, História do Ensino em Angola, Edição dos Serviços de Educação, Luanda, 1970, p. 14. 44 Porém, o movimento entre Angola e Portugal foi sendo feito nos dois sentidos: se, por um lado, o rei do

Congo mandava os seus filhos e familiares para Portugal, também portugueses chegavam a Angola a pedido do rei do Congo para que, in situ, ensinassem os hábitos e costumes portugueses: O rei do Congo apercebeu-se logo da distância que havia entre a nossa cultura (portuguesa) e a dos africanos. Por isso, teve o cuidado de pedir ao rei de Portugal que lhe mandasse padres, mestres de letras, oficiais mecânicos e mulheres conhecedoras dos serviços domésticos e com prática da sua realização.

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As escolas surgiram no século XVI, no âmbito da estratégia de dominação portuguesa sobre Angola, a par da evangelização e visava, num primeiro momento, o estabelecimento de relações amistosas, como que um sinal de “boa vontade”, do monarca de Portugal para com o monarca do reino do Congo45.

O domínio português em Angola, durante os séculos XVI e XVII, foi marcado pela presença de outras nações, nomeadamente a holandesa e a brasileira, com a agravante de que o trono português era, então, ocupado pelo rei de Espanha, e Angola não era, de todo, uma preocupação. O ensino em Angola tentava emergir com recursos locais, por iniciativa dos seus habitantes e, fundamentalmente, pela acção dos missionários, quer católicos, quer protestantes.46

Só no século XIX, com a independência do Brasil (1882), Portugal virou a sua acção para Angola. O Ensino oficial, como vimos anteriormente, surgiu por força do Decreto de 1845, assinado por Joaquim José Falcão, procurando, por essa via, satisfazer as necessidades e anseios da população portuguesa, dando início a sua estruturação4748.

Ao longo da sua existência, a escola portuguesa em Angola sofreu altos e baixos.

Pretendia adoptar os costumes portugueses em muitos pontos, seguir os seus exemplos e imitar os seus modos de viver... Cfr. Ibidem. Ainda a este propósito, Martins dos Santos prossegue:

Sem perder de vista os seus objectivos, no mesmo navio em que desembarcavam os “educadores”, solicitados pelo rei do Congo, também desembarcaram a 29 de Março de 1491, a esquadra portuguesa que tivera saído de Lisboa a 19 de Dezembro de 1490, missionários, que de imediato iniciaram os seus trabalhos: Nesse ano foram batizados os primeiros convertidos, as figuras mais destacadas daquelas terras, à frente das quais devemos colocar a família do régulo e dos grandes do país. O rei do Congo recebeu no baptismo o nome de João, que era o nome do monarca português; a sua mulher adoptou o nome de Leonor, em homenagem à esposa do Príncipe Perfeito, a fundadora das Misericórdias; o filho sucessor, na chefia dos seus povos, tomou o nome de Afonso, que era o do príncipe herdeiro da coroa lusitana, o que, no Verão desse ano, iria morrer tristemente em Santarém, caindo de um cavalo. Outros neófitos tomaram igualmente nomes dos maiores fidalgos e grandes de Portugal. Cfr. Idem, p. 15.

45 “O contacto gerou a esperança de uma futura harmonia racial, expansão educativa e desenvolvimento

cultural” in Michel Anthony Samuels, Educação ou Instrução – A História do Ensino em Angola – 1878-

1914, 1.ª edição, edição Mayamba, Luanda, 2011, p. 25, 3.º§.

46 In John Brown Myers, The Congo for Christ: The Story of the Congo Mission, 5ª Edition, Fleming H. Revell

Company, London, 1911; W. Holman Bentley, Pioneering on the Congo, Vol. I, Fleming H. Revell Company, New York, 1900; e John Brown Myers, Thomas J. Comber: missionary pioneer to the Congo, University of California Libraries, January 1, 1888.

47 In Martins dos Santos, História do Ensino em Angola, Edição dos Serviços de Educação, Luanda, 1970, pp.

117 e 121.

48 Como nos diz Michel Anthony Samuels in Michel Anthony Samuels, Educação ou Instrução – A História

do Ensino em Angola – 1878-1914, 1.ª ediç~o, ediç~o Mayamba, Luanda, 2011, p. 38: “Todavia, essa

negligência poderia não ser óbvia após um olhar pela miríade de decretos governamentais referentes às políticas educativas na segunda metade do século XVIII.”

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Os primeiros deveram-se, essencialmente, ao esforço dos missionários em espalhar a fé cristã e na “obra da promoç~o humana”49, de acordo com D. José Saraiva

Martins, e de governadores que, pressionados pela comunidade portuguesa, procuravam dar resposta aos seus desideratos.

Os fracassos, por seu turno, são apontados como tendo sido causados pela: escravatura, nomeadamente a sangria que foi feita dos nativos para o mercado, sobretudo do Brasil, impedindo o desenvolvimento dos povos africanos em geral; dominação espanhola sobre Portugal; falta de um plano de ocupação; falta de rigor na escolha dos governadores; expulsão dos religiosos, quer do solo português, quer de Angola; e a oposiç~o Inglesa que unilateralmente ocupou “possessões” portuguesas50.

A preparação dos agentes de ensino foi, também, uma preocupação no final do século XIX.

O corpo docente da época não tinha qualificação, sendo que a maior parte do pessoal que leccionava em Angola não tinha o perfil nem a qualidade para o desempenho desta função. Podemos até encontrar algumas disposições que sancionam professores por terem comportamentos pouco recomendáveis, irresponsáveis e incumpridores dos seus deveres. Entre elas encontram-se a Portaria de 1866, de 2 de Maio, assinada pelo governador-geral Francisco António Gonçalves Cardoso, e outros documentos, como a demissão de um professor primário a 12 de Dezembro de 1867, pelas suas repetidas faltas; a demissão de dois agentes de ensino do Golungo Alto a 20 de Maio de 1868, por mau desempenho dos respectivos deveres; a demissão compulsiva de outro professor de Benguela, pelo mau serviço no cargo de professor e de curador dos pretos pobres, escravos e libertos, ainda nesse ano de 1868, só para dar alguns exemplos que, de tão vastos, seria contraproducente aqui enumerar.51

No entanto, também havia professores com reputação sólida de mestre competente, de grande responsabilidade e merecedores de rasgados elogios, cujos nomes estão publicados no Boletim Oficial dessa época.52

49 D. José Saraiva Martins, “O contributo das escolas católicas no processo de desenvolvimento de \frica”,

In Povos e Culturas, Educação em África, Publicação do Centro de Estudos dos Povos e Culturas de

Expressão Portuguesa, Universidade Católica Portuguesa, n.º 4 – 1989/1990, pp. 206-208.

50 In Martins dos Santos, História do Ensino em Angola, Edição dos Serviços de Educação, Luanda, 1970, pp.

127-129.

51 Idem, pp. 152-153.

52 1873/1874 – A Câmara Municipal de Luanda concedeu, nesse ano lectivo, prémios aos professores

primários particulares que propusessem mais alunos a exame e aos estudantes que mais se distinguissem nos resultados obtidos.

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Apesar de alguns esforços para se levar os nativos angolanos à escola, o objectivo era o de qualificar a mão-de-obra, contudo, evitando-se que estes se desenvolvessem tanto quanto os brancos53. Por outro lado, havia a necessidade, esta maior, de educar os

filhos dos colonos que, entretanto, se iam fixando nesse território.

Pinheiro da Silva, prefaciando o livro História do Ensino em Angola54, afirma: “No

domínio das relações entre europeus e povos de cor, não há que negar que somos (os Portugueses) os únicos com ideias e soluções inalteráveis desde os primórdios da nossa acção transmarina. Temos um acervo de documentos históricos irrefragáveis que no-lo provam [...] É disso testemunho indesmentível o conjunto do que, através de vicissitudes, sem conta ao sabor do condicionalismo interno e externo, fomos fazendo no terreno da educaç~o.”

Perante o testemunho de Martins dos Santos, Pinheiro da Silva defende uma posição mais integralista, mais nacionalista entre angolanos e europeus, ao afirmar que “A firmeza e a certeza das ideias, a intencionalidade da actuaç~o motivaram fosse, com bem poucas alterações, ditadas pelo meio, sempre a mesma linha seguida no Oriente como no Ocidente, na movediça esfera da educação e ensino – que o mesmo é dizer no domínio onde se temperam as almas, onde se forja a Nação. Promover a difusão da língua portuguesa, radicar hábitos e atitudes, expandir a fé cristã, modificar processos de cultivo de terra, ensinar fórmulas de convivência entre as gentes, diversas na civilização e na etnia, constituíram e constituem pontos fundamentais da acção educativa nacional onde quer que se exercesse ou exerça”.

[…]

“Desde os primeiros desembarques no Congo, no remoto século XV, até aos nossos dias, o fundamental das preocupações de promoção humana, na melhor acepção do termo, jamais se perdeu. Com planos ou sem planos, pensamentos e acções educativas casaram-se harmonicamente.”55

Apesar de se poder afirmar que “a tarefa da educaç~o e da assistência começou com a primeira viagem dos portugueses” a Angola, pela absorç~o e assimilaç~o dos autóctones dos hábitos e costumes dos Portugueses56, na realidade, só poderemos

começar a falar da educação, enquanto instituição organizada (malgrado disposições

53 F. S. Arnot, Missionary Travels in Central Africa, Office of “Echoes of Service”, Bath, 1914, p. 128: “evitar

[...] treinar os rapazes para que estes competissem com os brancos nas cidades dos brancos”.

54 Martins dos Santos, História do Ensino em Angola, Edição dos Serviços de Educação, Luanda, 1970, p. 7. 55 Ibidem.

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legais antes aprovadas), em pleno século XX57, mercê da acção da Igreja Católica que

defendia que a educação era necessária para a difusão da religião, isto é, tornando os povos de Angola aptos a receberem o evangelho, servindo, desta feita, como traço distintivo dos pagãos.58

É inegável a participação concomitante das ordens religiosas protestantes na educação e ensino, especialmente no meio rural, em localidades onde, como afirma o Reverendo L. Anderson, “o território era fértil, pelo que n~o se aperceberam de que iriam implantar a igreja num solo religiosamente muito rico”59.

A estratégia da educação dos protestantes não diferiu, na sua essência, dos propósitos dos católicos que, afinal de contas, eram coincidentes com os objectivos da colonização. Melhor dizendo, tanto os católicos, como os protestantes, na sua missão de “evangelizaç~o”, constituíam genuínos instrumentos da colonizaç~o portuguesa em Angola. Não foi por mera coincidência que, desta feita, em relação ao trabalho do ensino de ler e escrever, Boston apelou aos mission|rios protestantes para que “n~o se apressassem a ensinar muitas coisas novas aos nativos”60.

Várias razões são apontadas como entraves para que a difusão dos hábitos e costumes dos portugueses constituísse uma realidade.61

57 Vejamos o que nos diz o autor que viemos citando: “Só em 1901, Lisboa fez clarificações ao antigo

decreto e somente quatro anos mais tarde o governo provincial exerceu a opção que lhe fora concedida em 1869, de relacionar as disposições gerais desse decreto com as necessidades específicas da província” in Michel Anthony Samuels, Educação ou Instrução – A História do Ensino em Angola – 1878-

1914, 1.ª edição, edição Mayamba, Luanda, 2011, p. 145, de que é exemplo o Decreto de 27 de Agosto

de 1901, publicado no Boletim Oficial de Angola, 1901, n.º 41, de 12 de Outubro de 1901. A propósito deste assunto, R. Ávila de Azevedo, O problema escolar de Angola, Portugal Maior, n.º 3, Luanda, 1945, p. 14.

58 Na verdade havia uma grande resistência dos autóctones à recepção da cultura portuguesa em

substituição da sua, apesar dos esforços dispendidos pelo rei D. Afonso, que também não encontrava respaldo na conduta do seu pai, D. João, apesar de baptizado.

59 In Actas do Colóquio da Luta Clandestina à Proclamação da independência Nacional — Memórias de um

Passado que se faz presente, Arquivo Histórico Nacional de Angola, Luanda, 2013, p. 166.

60 Idem, p. 167.

61 Martins dos Santos aponta seis causas principais que opuseram à difusão das novas doutrinas no reino

do Congo e, consequentemente, em Angola:

 Os nativos tinham as suas tradições e os seus hábitos, que a religião Católica vinha em grande parte alterar e até destruir;

 Os missionários nem sempre corresponderam à missão que exerciam, sofrendo a influência depauperante de um ambiente que em nada lhes era favorável, não encontrando aqui o apoio moral de um meio cristão;

 Sentindo a necessidade de conviver com outros portugueses, que aqui vinham com objectivos puramente materiais, os missionários foram influenciados por eles e seduzidos pela tentação das riquezas, muitos deles passam a exercer actividades mercantis, usando os processos pouco claros e pouco honestos daqueles;

 Muitos aproveitavam a sua primeira oportunidade para se repatriarem, a pretexto da malignidade do clima, sobretudo aqueles que se tinham dedicado a actividades comerciais;

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Em suma, aos factores de carácter objectivo relacionados com os portugueses, tais como o ambiente, o clima, as riquezas, a que se juntaram factores subjectivos, como o isolamento, a fraqueza de carácter e a corrupção, foram tidos como pressupostos sociais que condicionaram a difusão da escola, em Angola, e os factores ligados à cultura dos autóctones, propriamente dito62.

Neste ambiente, não é de estranhar que a educação exercida em solo angolano, nos seus primórdios, servia apenas à formação de uma elite de entre os filhos natos do território de Angola63 e um meio de imposição da presença colonial portuguesa. A

educação, marcadamente religiosa, não constituía um direito à liberdade de escolha, mas um instrumento de dominação colonial, de tal forma que levou João Furtado de Mendonça, Governador-Geral de Angola, em 1594, a afirmar que se “n~o fora a Companhia, j| n~o houvera Angola”64.

O tipo de educação era imposto pela soberania portuguesa e, por esse motivo, conheceu a resistência dos povos autóctones, nomeadamente, por sentirem que era contrária aos seus usos e costumes e significar a perda dos seus valores tradicionais, da sua moral e dos seus costumes.65

 Os costumes de muitos deixavam bastante a desejar, se os cotejarmos com o que seria lógico de esperar se vivessem em meios europeus, sofrendo também, neste ponto, a influência nefasta do viver indígena e dos hábitos dos colonos. O ambiente social era deprimente, havendo entre os portugueses, clérigos ou leigos, questões permanentes, desavenças corrosivas, vinganças mesquinhas, vexames inacreditáveis, cobiça desenfreada, devassidão corrente e quase geral. Martins dos Santos, História do Ensino em Angola, Edição dos Serviços de Educação, Luanda, 1970, pp. 17-18).

62 Podemos citar, como exemplo ilustrativo, o mestre-escola Rui Rego, que se pressupõe ter sido um

clérigo que se distinguiu mais pelas suas actividades mercantis do que pela sua dedicação ao ensino e às actividades intelectuais, de tal modo que, em 1536, Manuel Pacheco dava conta da expulsão de missionários, por ordem régia, e, em 1539, Gonçalo Nunes Coelho aconselhava o rei a expulsar todos os brancos residentes no Congo, incluindo clérigos, e mandasse gente nova. Em carta de 28 de Janeiro de 1549, o rei do Congo queixava-se dos padres e até do bispo – que era então o de S. Tomé, D. Frei Bernardo da Cruz, idem, p. 19.

63 Vejamos os testemunhos históricos: O rei de Angola, em 1557, solicitou ao rei de Portugal que enviasse

missionários a fim de ensinar a sua doutrina, pedido este só satisfeito em 1559, tendo Paulo Dias de