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3. A FUNDAMENTALIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO

3.5. Evolução Histórico-Constitucional do Direito à Educação na

3.5.5. O Direito à Educação na Lei de Revisão Constitucional da

A revisão constitucional de 1992283 constituiu um passo importante na

democratização e liberalização do Estado Angolano, tendo abandonado drasticamente a opção política e jurídica da organização socialista do Estado e a ideologia Marxista-Leni- nista. Nomeadamente, a revisão constitucional incidiu sobre os seguintes pressupostos:

1 – O Estado deixou de ser concebido como “Popular”, adoptando-se o modelo de Estado “Democr|tico e de Direito”, como pode ser observado pela redacç~o do artigo 2.º da Lei Constitucional;

2 – No Título II reforça-se os Direitos, Liberdades e Garantias, embora não os distinga, ainda, dos Direitos Sociais e Económicos;

3 – Profunda alteração do capítulo sobre os órgãos do Estado no Título III;

4 – Significativa alteração a nível da matéria que trata da fiscalização da Constituição.

De facto, o capítulo sobre os direitos humanos quase não sofreu alterações significativas, pecando pela sua insuficiência, o que significa dizer que o legislador preteriu esse domínio tão importante para o exercício dos direitos e liberdades dos cidadãos.

O Estado da República de Angola definiu, no Título I da Lei Constitucional, os Princípios Fundamentais, informadores do seu sistema jurídico, afirmando-se como Nação soberana, independente, cujo escopo fundamental se traduzia na construção de uma sociedade livre, democrática, de paz e de progresso social.

A Revisão Constitucional definiu, no artigo 1.º, como objectivo fundamental da “nova” República, “a construç~o de uma sociedade livre, democr|tica, de paz, justiça e progresso social”, sublinhe-se, “Sociedade livre, democr|tica, de paz, justiça e progresso social.”

Importa, para o nosso trabalho, tentar esclarecer como é que, no âmbito das normas jurídicas que formam o sistema de educação e ensino, este desiderato se concretizou.

283 Lei n.º 23/92, Assembleia do Povo, aprova a Lei de Revisão Constitucional, em 16 de Setembro de 1992,

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Embora as diferentes Leis Constitucionais, que a precederam, salvo a de 1980, terem propalado o acesso universal ao ensino e o artigo 18.º declarar, expressamente, a igualdade de todos os cidad~os perante a Lei, sem discriminações, “[...] sem distinç~o [...] de ideologia [...]”, a presente revis~o vai mais longe ao afirmar, no artigo 28.º, n.º 2, que “nenhum cidad~o pode ser prejudicado [...] na sua educação [...], devido ao desempenho de cargos políticos ou do exercício dos direitos políticos”, em salvaguarda dos direitos dos cidadãos, não pertencentes ao único partido político reconhecido.284

Pela primeira vez, o Estado abre as portas para o exercício da educação à esfera do domínio privado, ao prescrever, no artigo 49.º da LRC, “a garantia da participaç~o dos diversos agentes particulares na sua efectivaç~o” (entenda-se efectivação na promoção do acesso { instruç~o), competindo ao Estado a tarefa de “criar as condições políticas, económicas e culturais necess|rias” para que os direitos prescritos na Lei Constitucional fossem efectivados.

Subjaz, desta Lei Fundamental, a intenção do abandono do modelo socialista de organização do Estado, afirmado na Lei Constitucional de 1975 e seguintes, sendo prova disso o fim do monopólio estatal do exercício do ensino, não consentâneo com o modelo de Estado Democrático. Por esta via, a Lei Constitucional de 1992 consagrou expressamente o princípio da liberdade de constituição da escola privada.

O figurino jurídico adoptado permitiu a aprovação da Lei n.º 18/91285, que pôs

fim ao monopólio estatal sobre o ensino, ao institucionalizar o ensino particular e a derrogação das leis n.º 4/75286, 10/88287 e 13/88288, que prescreviam o monopólio do

Estado e a impossibilidade do exercício de actividades lucrativas na área da educação e ensino, por se afirmar ser “de reserva do estado”, respectivamente.

Claramente, a lei matriz prescreve, nos artigos 28.º e 49.º, dois grandes princípios: o princípio da igualdade de oportunidades, apoiado pelo artigo 18.º, que impõe a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, e as liberdades fundamentais da

284 Vigorava até à altura o sistema político unipartidário.

285 Lei n.º 18/91, que “Institucionaliza o Ensino Particular”, in Diário da República n.º 21, 1.ª Série, de 18

de Maio de 1991.

286 Lei n.º 4/75, que “Nacionaliza o Ensino”, in Diário da República n.º 25, 1.ª Série, de 9 de Dezembro de

1975.

287 Lei n.º 10/88, das “Actividades Económicas”, in Diário da República n.º 27, 1.ª Série, de 2 de Julho de

1988.

288 Lei n.º 13/88, dos “Investimentos Estrangeiros”, in Diário da República n.º 29, 1.ª Série de 16 de Julho

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educação, como corolário do prescrito no artigo 20.º, que obriga o Estado a respeitar e a proteger a pessoa e dignidade humanas.

A Lei n.º 18/91 é composta por 3 artigos, constituindo o artigo 1.º o cerne da

ratio da Lei, uma vez que:

a) Concede a possibilidade de abertura de estabelecimentos de ensino pelos particulares, quer se trate de pessoas singulares ou colectivas;

b) Permite que o ensino seja exercido a título oneroso;

c) Submete a abertura e funcionamento dos estabelecimentos de ensino ao licenciamento do Estado;

d) Sujeita o controlo desses estabelecimentos ao próprio Estado que, ao mesmo tempo, dita o modo de organização da instituição escolar e define os conteúdos programáticos das disciplinas a leccionar.

O Decreto n.º 21/91 veio regulamentar a abertura e funcionamento dos estabelecimentos de ensino particular. Tal como se poderá constatar, o ensino particular surge como um complemento, um auxiliar das tarefas do Estado, no exercício do ensino. Daí o seu regime bastante rígido ao conferir competência ao Estado na definição dos planos de estudos, programas de ensino e dos livros didácticos. Não foi prescrita a liberdade pedagógica, afastando o princípio da liberdade de aprender e de ensinar. As tarefas de ensino continuavam a ser entendidas como “serviço público”, que deveria ser exercido por entidades igualmente públicas, ideia bem patente no artigo 3.º, relegando as regras de Direito Internacional que a própria Constituição assumia ao estatuir, no artigo 21.º, que “os direitos fundamentais expressos na presente Lei (Lei Constitucional) não excluem outros decorrentes das Leis e das regras aplicáveis ao Direito Internacional.”

Ora, estes normativos legais contrariaram, frontalmente, o dispositivo do artigo XXVI, n.º 3, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que enuncia o direito na escolha do género de instrução a ser ministrada aos filhos. Nesse sentido, a escola privada não seria uma opção em termos de conteúdos programáticos da proposta pelo Estado. Nessa conjuntura, ela representou o aumento da oferta educativa e contribuiu para a universalidade do ensino, fazendo sentido a necessidade de se regulamentar o montante da inscrição e matrícula, previsto no artigo 3.º.

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Pode-se argumentar/conjecturar pela negativa, lançando mãos a um argumento de razão político-jurídica, igualmente fundado no artigo 52.º, nº 1 da Lei Constitucional, que estabelece que “O exercício dos direitos, liberdades e garantias dos cidad~os [...] podem ser limitados [...] quando ponham em causa a ordem pública, o interesse da colectividade, os direitos, liberdades e garantias individuais, [...] devendo sempre tais restrições limitar-se às medidas necessárias e adequadas à manutenção da ordem pública, ao interesse da colectividade e ao restabelecimento da normalidade constitucional”.

Esta norma legal faz pressupor que a solução destes conflitos, emergentes da colisão de direitos fundamentais, assenta no princípio da concordância ou harmonização prática dos direitos iguais ou da mesma espécie e na hierarquia dos direitos desiguais ou de espécie diferente (artigo 335.º do Código Civil). Vieira de Andrade contrapõe-se a esta solução por entender que este princípio da harmonização ou concordância prática seria tomado como “um regulador autom|tico”, o que reconduziria a “aceitaç~o de que o conflito entre direitos nunca afecta o conteúdo essencial de nenhum deles.” A soluç~o residir| fundamentalmente na ponderaç~o de três factores, “mas em funç~o de cada um deles, todas as circunst}ncias relevantes do caso”, nomeadamente: (1) ao “}mbito e graduação do conteúdo dos preceitos constitucionais em conflito, para avaliar em que medida e com que peso cada um dos direitos est| presente na situaç~o de conflito”; (2) “[ natureza do caso [...] isto é aos aspectos relevantes da situaç~o concreta em que se tem de tomar a decis~o”; e, por fim, (3) “A condição e o comportamento das pessoas envolvidas, que podem ditar soluções específicas, sobretudo quando o conflito respeite a conflitos sobre bens e liberdades”289.

São estes os limites que o Estado impõe para o exercício do ensino em estabelecimentos de ensino particular, de que fala o artigo 49.º, da Lei Constitucional.

Ora, a quest~o da “satisfaç~o dos interesses da comunidade”, defendida pela Lei 18/91, mais não é do que a de conferir consistência ao propósito constitucional de “alargar a protecç~o dos direitos, liberdades e deveres dos cidad~os”, mas, ainda assim, de estimular a iniciativa e de proteger os agentes económicos, imposta pela “reforma económica” do Estado, até ent~o de cariz socialista.

289 José Carlos Vieira Andrade – Os Direitos Fundamentais da Constituição Portuguesa de 1976, 4.ª edição,

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O que é certo é que no texto Constitucional e nas Leis que o materializam, contrariamente ao reconhecimento do direito à criação de escolas privadas, a liberdade de ensino não foi legitimada, com excepção das escolas confessionais, isto é, das escolas de formação religiosa.

Por assim dizer, o ensino continuou a assumir car|cter público, mas “quase estatal e monopolista”, mesmo quando prosseguido por agentes particulares.

3.5.6. O Direito à Educação na Constituição da República de Angola, de 2010

Pretende-se com este capítulo fazer uma breve incursão ao estudo dos direitos e princípios que, de algum modo, influenciam o direito à educação, à luz da Constituição de Angola de 2010 e das concepções doutrinárias que, de algum modo, influenciaram ou foram adoptadas na sua configuração.

A concepção doutrinária Ocidental constitui a fonte ideológica próxima da Constituição de Angola de 2010290, fundada na Convenção Universal dos Direitos do

Homem e suportada por outros instrumentos de Direito Internacional, tais como a

Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Carta Africana dos Direitos dos Homens e dos Povos, no que se refere à aplicação e protecção dos direitos fundamentais.

O texto constitucional291, configurado no artigo 1.º afirma que a República de

Angola se funda “na dignidade da pessoa humana”.

Esta afirmação foi proclamada na Declaração Universal dos Direitos do Homem e

do Cidadão, de 1789, nascida da Revoluç~o Francesa, ao dizer que “todos os homens

nascem e s~o livres e iguais em direitos”, notadamente inspirada na Declaração dos

Direitos Fundamentais do Estado da Virgínia, de 1776, que proclamava que “os homens

nascem livres e iguais em direitos”, reafirmada pela Declaração Universal dos Direitos do

Homem que, expressamente, enuncia que “Todos os seres humanos nascem livres e

iguais em dignidade e em direitos”, e que vai mais longe ao afirmar: “os homens n~o só nascem livres e iguais em direitos, mas em dignidade”.

290 CRA, Aprovada pela Assembleia Constituinte (da Assembleia Nacional), a 21 de Janeiro de 2010, e na

sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 111/2010, de 30 de Janeiro, a 3 de Fevereiro de 2010, e inserida no Diário da República n.º 32, 1.ª Série, de 5 de Fevereiro de 2010.

291 Constituição da República de Angola, 2010, da Assembleia Nacional, aprovada pela Assembleia

Constituinte, aos 21 de Janeiro de 2010, e, na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 111/2010, de 30 de Janeiro, aos 3 de Fevereiro de 2010, e publicada no Diário da República n.º 32, 1.ª Série, de 5 de Fevereiro de 2010.

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A questão da dignidade do Homem significará um avanço, uma evolução, pois é na dignidade do ser humano que se radica, de facto e de direito (quando protegida constitucionalmente), a liberdade e a auto-determinação da sua pessoa.

O princípio da dignidade do ser humano constitui-se fundamental para a definição de um Estado de Direito. Pode, mesmo, afirmar-se que constitui a espinha dorsal dos direitos fundamentais e dela emanentes.292 Tal assim é, uma vez que separa o

indivíduo do próprio Estado, conferindo-lhe a autonomia ontológica e teleológica subjacentes.293 A dignidade do ser humano constitui o princípio basilar do Estado

Democrático de Direito, bastante bem plasmado, por sinal, no artigo 1.º da Constituição. Ela é configurada como “unidade de sentido, de valor e de concord}ncia pr|tica do sistema de direitos fundamentais. Trata-se da concepção que enquadra a pessoa como fundamento e fim da sociedade e do estado”, de acordo com Jorge Silva Sampaio, parafraseando Rui Medeiros e Giovanni Bognetti294.

A dignidade da pessoa humana, já antes defendida pelo direito romano-germâ- nico,295fortemente influenciado pelo personalismo jurídico da doutrina cristã, segundo a

qual o homem foi criado “{ imagem de Deus”, dotados de inteligência, de liberdade e de responsabilidade296, foi assim acolhida e traduzida em vários sistemas jurídicos, como o

“próprio fundamento do direito”297.

Jorge Reis, referindo-se ao sentido do conteúdo normativo da dignidade, quando utilizada a favor dos direitos fundamentais, propõe a necessidade da sua autonomização dos demais direitos (fundamentais), devendo “demonstrar a respectiva aptid~o nas diferentes inst}ncias da sua aplicaç~o potencial”, designadamente:

292 O princípio da dignidade do homem, pode ser sintetizado neste pensamento profundo de Emmanuel

Kant: “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa, como na pessoa de qualquer outra, sempre e simultaneamente como um fim, e nunca como um meio. No reino dos fins, tudo tem um preço e uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dele qualquer outro equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço e, portanto, não permite equivalente, então tem dignidade”, Kant, Fundamentaç~o da Metafísica dos Costumes, apud Catarina Santos Botelho – A Tutela Directa dos Direitos Fundamentais, Avanços e Recuos da Dinâmica Garantística das Justiças

Constitucional, Administrativa e Internacional, Edições Almedina, Coimbra, Janeiro de 2010, p. 90.

293 “N~o é ordenada a ser enquanto membro subordinadamente integrado, mas a ser livremente, na ordem

do Estado, que é uma ordem que tem o fim de o servir” – Mário Fernando dos Campos Pinto, Sobre os

Direitos Fundamentais de Educação – Crítica ao Monopólio Estatal na Rede Escolar, Universidade

Católica Editora, Lisboa, 2009, p. 97.

294 Jorge Silva Sampaio – O Controlo Jurisdicional das Políticas Públicas de Direitos Sociais, Coimbra Editora,

1.ª edição, Novembro 2014, p. 193.

295 Eduardo Vera-Cruz, Lições de Direito Romano I, Síntese Geral (753 a.C. – 565), Interpretatio Prudentium,

publicação AAFDL, Lisboa, 2016 pp. 69, 97, 101

296 Génesis, 1,27 a 30

297 Dário Moura Vicente, Direito Comparado, Vol. I, 3.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, Agosto 2016, p.

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a) “Enquanto critério de interpretaç~o do próprio conteúdo dos direitos fundamentais”, o que quer dizer que o princípio da dignidade da pessoa humana deverá servir de pendor, não só na especificação do conteúdo da norma, mas também no sentido da própria decisão judicial.

b) Enquanto parâmetro de orientação das ponderações, a realizar nas diferentes situações e de eventual cedência dos direitos fundamentais, se refere ao controlo da constitucionalidade às restrições dos direitos fundamentais, que, de um modo ou de outro, estes (os direitos fundamentais) reconduzem-se ao princípio da dignidade da pessoa humana, o que, à primeira vista, de acordo com o autor, pode parecer tratar-se de uma redundância.

c) No plano da protecção dos direitos fundamentais, actuando como “limite aos

limites”298, isto é, em face de conflitos de direitos constitucionalmente

tutelados, deve prevalecer aquele que não atente contra a dignidade da pessoa humana.

Como o próprio autor reconhece, no caso do princípio da dignidade da pessoa humana, apesar da sua utilidade e alcance, o seu conteúdo, em termos dogmáticos, continua a ser “vago e genérico”, embora “abrangente”.

Na mesma senda se enquadra o Princípio da Igualdade dos Cidadãos, previsto no artigo 23.º da Constituição, ao referir que “Todos s~o iguais perante a Lei”, daí resultando que nenhum cidad~o “pode ser prejudicado, privilegiado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever” em funç~o das suas características pessoais ou condição social ou económica.

O Princípio da Igualdade dos Cidadãos, preconizado por esta norma legal, constitui a garantia da não discriminação e da proibição do livre arbítrio, na aplicação da Lei.

Desde a Lei Constitucional de 1975 até à Constituição actual (de 2010) nota-se a evolução na enunciação dos direitos sociais no seu conjunto, em Angola, mormente na consolidação da ideia da educação como um direito que implica uma prestação positiva por parte do Estado, que se consubstancia na promoção de políticas que garantam o acesso de todos os cidadãos sem discriminação, isto é, em pé de igualdade (acesso

298 Jorge Reis Novais, A Dignidade da Pessoa Humana, Vol II – Dignidade e Inconstitucionalidade, Edições

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universal), obrigatório e gratuito, no ensino primário, conforme se pode verificar pela redacção do artigo 21.º, alínea g) da Constituição de 2010, com perspectivas para o seu alargamento a outros níveis de ensino.

O facto do direito à educação não estar claro e directamente expresso na Lei, contrariamente ao que dispõe nos casos do direito à vida (artigo 30.º), e o direito à integridade pessoal (previsto no artigo 31.º), ambos invioláveis, do direito de constituição de família (artigo 35.º), à liberdade física e à segurança individual (no artigo 36.º); de propriedade privada (artigo 37.º); à livre iniciativa (artigo 38.º), ao ambiente sadio (artigo 39.º); à liberdade de expressão e de informação (artigo 40º); à liberdade de consciência, de religião e de culto (artigo 41.º); à propriedade intelectual (artigo 42.º); à liberdade de criação (artigo 43.º), o direito de associação (artigos 48.º e 55.º), à greve (artigo 51.º); à participação na vida pública (artigo 51.º); ao acesso a cargos públicos (artigo 53.º); ao sufrágio (artigo 54.º), não invalida a assumpção por parte do Estado deste direito conferido ao cidadão no mesmo nível doutros direitos conexos.

Do leque dos direitos citados, pode argumentar-se que se tratam de “Direitos Liberdades e Garantias” que, como j| se viu, têm um conteúdo diferente dos “Direitos Económicos e Sociais”, em que se insere doutrinariamente o Direito { Educaç~o. Colocam-se, nesse sentido, na esfera da acção negativa do Estado, ao qual impenderia um non facere.

De facto, este argumento não procede à luz da Constituição de 2010. Senão vejamos que, sob a epígrafe “Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais”, prescritos nos artigos 76.º e seguintes, encontramos expressamente descritos o direito ao trabalho (artigo 76.º), que merece especial relevância299; o direito à assistência

médica e sanitária (artigo 77.º); o direito ao consumidor (artigo 78.º); o direito da criança à atenção especial da família, do Estado e da sociedade (artigo 80º); o direito à segurança económica e às condições de habitação e ao convívio familiar e comunitário à terceira idade (artigo 82.º); e o direito à habitação e à qualidade de vida (artigo 85.º).

Curiosamente, constata-se que, a propósito da enunciação do direito ao trabalho, o artigo 76.º subreleva o direito à formação profissional do trabalhador, por um lado, e a

299 “Artigo 76.º:

1) O trabalho é um direito e um dever de todos;

2) Todo o trabalhador tem direito à formação profissional, justa remuneração, descanso, férias, protecção, higiene e segurança no trabalho, nos termos da lei;

3) Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover: (…) a formaç~o académica e o desenvolvimento científico e tecnológico, bem como a valorizaç~o profissional dos trabalhadores.”

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formação académica desse mesmo trabalhador como uma obrigação de prestação, por parte do Estado. O direito à educação é aqui assumido, enquanto instrumento para asseguramento do direito ao trabalho. O direito à educação constitui, em si, na letra e no espírito dessa cláusula, um instrumento de desempenho e desenvolvimento económico e não um direito inerente ao Homem, como indivíduo singular, livre e desimpedido, mas como trabalhador, que obterá a sua valorização profissional através da elevação da sua formação profissional300.

O direito { educaç~o, com a epígrafe “Direito ao ensino, cultura e desporto”, artigo 79.º, não consubstancia, no seu conteúdo, um verdadeiro direito. Pelo contrário, evidencia um dos casos de imprecisão e de falta de clareza deste conceito. A ideia implícita na promoção do Estado à educação, que o preside, aparece intrinsecamente ligada à participação dos particulares na educaç~o e no ensino: “O Estado promove o acesso { educaç~o” através do estímulo { participaç~o aos agentes privados e n~o como uma tarefa a que o Estado se imponha. O único crédito que o cidadão pode exigir do Estado, segundo esta norma, é o de criar condições para que os particulares efectivem as tarefas da educação, o que contraria frontalmente o disposto na alínea g), do artigo 21.º, que impõe como prestaç~o do Estado “assegurar o acesso universal ao ensino obrigatório e gratuito”. Ora, este objectivo não poderá nunca ser alcançado, na prática, pelas vias apontadas pelo artigo 79.º, pelas próprias características da actividade privada, que, como é sabido, prossegue o lucro.

A interpretação dos direitos fundamentais, de acordo com o que estabelece o artigo 26.º, não excluem outros mencionados das Leis e das regras aplicáveis de Direito Internacional, de um lado, e, de outro, os ditames Constitucionais e Legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretadas e integradas de harmonia com a

Declaração Universal dos Direitos do Homem, da Carta Africana dos Direitos dos Homens e dos Povos e dos demais instrumentos internacionais de que Angola seja parte integrante.

300 Segundo Ernst-Wolfgang Böckenförde, in Stato, Costituzione, Democrazia, Giuffrè, Milano, 2006, pp.

193-194, “a ideia dos direitos sociais fundamentais recebe a sua necessidade e a sua justificação: não