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3. A FUNDAMENTALIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO

3.5. Evolução Histórico-Constitucional do Direito à Educação na

3.5.1. O Direito à Educação na Lei Constitucional da República

O Estado Angolano nasce de uma luta armada contra o colonialismo Português, cuja duração oficial se fixou em 14 anos (de 1961 a 1975).

Nascido de uma guerra de guerrilha, no Estado emergente, o envolvimento da população era um facto. Foi também uma constatação inegável que a maioria da população era analfabeta, o que constituiu a necessidade de dotar quer os soldados, quer a populaç~o das |reas “libertadas”, de conhecimentos para entenderem as razões da luta, da identificação das forças inimigas da Nação e de prepará-las para assumirem os destinos do País.

Os movimentos de libertação prometiam o fim do jugo colonial e o começo de uma vida de dignidade e de auto-determinação.

Com o apoio dos, ent~o, denominados “Países Socialistas”, construíram-se as ideias sobre direitos humanos, nomeadamente do direito à educação e à instrução, os quais eram negados à maioria dos angolanos pelos detentores do regime colonial. Desse modo, o direito à igualdade entre as raças, sexo, etnias e religião e as liberdades civis e

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políticas foram as bandeiras dos movimentos de libertação nacional para arregimentar a população e fortificar o sentimento de independência.

Desde a Independência, em Novembro de 1975, o Estado Angolano concedeu especial relevo à educação, maxime à alfabetização, visto a República nascente contar com cerca de 70% de analfabetos, entre crianças, jovens e adultos.

A situação socioeconómica prevalecente na época exigia que se abrissem as portas para que o País pudesse progredir. Este objectivo foi sendo materializado através da educação, incentivando as classes trabalhadoras para que acorressem às escolas. Assim sendo, três tarefas se impunham:

 Libertação do povo angolano dos vestígios do sistema colonial e da agressão do imperialismo;

 Construção de um País próspero;

 Construção de um Estado Democrático completamente livre da exploração do Homem pelo Homem.

Deste modo, a Lei Constitucional da República Popular de Angola estabeleceu como princípio fundamental primordial, no artigo 1.º, “a total libertaç~o do Povo Angolano dos vestígios do colonialismo e da dominação e agressão do imperialismo e a construção de um País próspero e democrático, completamente livre de qualquer forma de exploração do Homem pelo Homem, materializando a inspiração das massas populares”, cujo alcance seria indissoci|vel do “combate enérgico do analfabetismo e do obscurantismo”250.

Competiria ao Estado nascente a promoç~o do “desenvolvimento de uma educaç~o ao serviço do Povo”, conforme acrescenta o artigo 13.º desse postulado fundamental.

A libertação do Povo Angolano dos vestígios do colonialismo implicava que, aos cidadãos, fosse concedido o direito de aprender a ler e a escrever, de frequentar a escola e que as escolas existentes fossem convertidas em verdadeiras casas do saber, que promovessem o desenvolvimento e a elevação da dignidade do Homem e que

250 Título I, “Princípios Fundamentais” – Lei Constitucional da República Popular de Angola, aprovada pelo

Comité Central do Movimento Popular de Libertação de Angola, a 10 de Novembro de 1975, inserta no

Diário da República n.º 1, Iª Série, de 11 de Novembro de 1975 – aprovada por Aclamação pelo Comité

Central do Movimento Popular de Libertação de Angola, aos 10 de Novembro de 1975, com entrada em vigor às zero horas do dia 11 de Novembro de 1975, publicada no Diário da República, n.º 1, 1.ª Série, de 11 de Novembro de 1975.

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correspondessem aos anseios da construção de uma sociedade próspera e livre do obscurantismo. O direito à educação seria a condição essencial, o pressuposto básico para que o Estado nascente fosse capaz de concretizar os seus ideais. O artigo 13.º dispõe nesse sentido, conforme ficou dito.

O Estado Angolano comprometeu-se expressamente a agir, concomitantemente, no âmbito do Direito Internacional e trouxe para o ordenamento jurídico Angolano, como bens invioláveis, por serem constitucionalmente protegidos, o respeito pela dignidade humana e o livre desenvolvimento da personalidade, como nos indica o artigo 14.º.

A primeira Constituição da República Popular de Angola, composta por 60 artigos, não foi particularmente exaustiva no que se refere à enunciação dos direitos e deveres fundamentais, nem sequer faz a distinção entre estes e as liberdades fundamentais dos cidadãos, embora se refira expressamente à garantia das liberdades individuais, no artigo 24.º, e à liberdade de crença, no artigo 25.º.

A sistematização foi pobre e parca na definição dos conceitos e conteúdos dos direitos, deveres, liberdades e tutela jurídica, além de que ainda pecou pela indiferenciação dos direitos económicos e sociais, ignorando a estrutura própria de cada uma destas realidades jurídicas, na medida em que os direitos fundamentais de liberdade exigem prestações positivas e protecções jurídicas e os direitos sociais exigem prestações fácticas da Sociedade ou do Estado, inserindo-se o direito à educação nesta última categoria251.

Importa frisar que o facto de a “República Popular de Angola respeitar e aplicar os princípios da Carta da Organização das Nações Unidas e da Carta da Organização da Unidade Africana”, imposta pelo artigo 14.º, abriu por um lado um leque de possibilidades de aplicação dos direitos humanos no ordenamento jurídico do Estado nascente.

251 Como afirma M|rio Pinto, “os direitos fundamentais de liberdade exigem do Estado prestações

positivas de regulação protectora e de procedimentos institucionais e técnicos adequados – digamos de protecções jurídicas, por terem natureza jurídica ou técnico-jurídica”. Assim se compreende melhor a express~o: “direitos, liberdades e garantias”.

“A estrutura interna e a funç~o dos direitos fundamentais de liberdade, assim caracterizados, contrastam tipicamente com a estrutura e a função imediata dos direitos sociais, que são direitos positivos, isto é, direitos a prestações f|cticas da Sociedade ou do Estado.” In M|rio Fernando dos Campos Pinto, Sobre os Direitos Fundamentais de Educação – Crítica ao Monopólio Estatal na Rede

Escolar, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2009, p. 81, e, ainda, José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2004, pp. 97 e

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Por outro lado, o Estado Angolano declarou expressamente “o respeito e a protecção da pessoa e da dignidade humanas e o direito de todo o cidadão ao livre desenvolvimento da sua personalidade, impondo como limite o respeito devido aos direitos dos outros cidad~os e dos superiores interesses do Povo Angolano”, no Artigo 17.º252, que, como advoga o Professor Doutor Jorge Miranda, ao enunciar e proteger a

dignidade da pessoa humana na Constituição, a “ordem jurídica considera-a irredutível, insubstituível e irrepetível.”253

A Constituição consagrou o Princípio da Universalidade, no artigo 18.º, ao afirmar a igualdade do gozo de direitos e a sujeição às mesmas obrigações legais de todos os cidad~os “sem distinção da sua cor, raça, etnia, sexo, lugar de nascimento, religi~o, grau de instruç~o, condiç~o económica ou social”, o que significa dizer que, perante a Lei, todos os cidadãos, sem discriminação, estão investidos dos mesmos direitos e deveres, consagrando, por arrasto, o Princípio da Igualdade, plasmado nessa mesma norma. Ambos os Princípios são irredutíveis. É impensável a sua existência autónoma. Por outras palavras, um não existe sem o outro254.

A tutela desses direitos está assegurada pelo disposto na segunda parte do artigo 18.º255 e efectivada através do Tribunal256. A tutela jurisdicional que o Estado prescreve

para os direitos e deveres fundamentais, em geral, aproveita especificamente os direitos sociais.

As normas atrás citadas foram, sem sombra de dúvida, inspiradas na Declaração

dos Direitos do Homem e do Cidadão, influenciada pela Revolução Francesa. Aliás, esta

declaração foi proferida, em 1789, pela Assembleia Nacional de França.

252 Redacção rectificada, a 12 de Novembro de 1975, constante do Diário da República n.º 2, 1.ª Série, de

12 de Novembro.

253 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV – Direitos Fundamentais, 2.ªEd., Coimbra

Editora, Coimbra, 2000, p. 184, e também Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV – Direitos Fundamentais, 4.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 201.

254 Todos têm todos os direitos e deveres – Princípio da Universalidade; todos (ou, em certas condições ou

situações, só alguns) têm os mesmos direitos e deveres – Princípio da Igualdade. O Princípio da Universalidade diz respeito aos destinatários da norma, o Princípio da Igualdade ao seu conteúdo.

255 “A lei punir| severamente todos os actos que visem prejudicar a harmonia social ou criar

discriminações e privilégios com base nesses factores” – Artigo 18.º (redacção rectificada, a 12 de Novembro de 1975, inserida no Diário da República n.º 2, Iª Série de 12 de Novembro).

256 “Cabe em exclusivo aos Tribunais o exercício da funç~o jurisdicional, visando a realizaç~o de uma

Justiça Democrática (…)” – Artigo 44.º, Título III, Capítulo V, “Tribunais” – da Lei Constitucional da República Popular de Angola aprovada pelo Comité Central Movimento Popular de Libertação de Angola a 10 de Novembro de 1975, inserta no Diário da República n.º 1, 1.ª Série, de 11 de Novembro de 1975.

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Deste modo, pode afirmar-se que, do acervo de normas contidas na Constituição de 1975, se infere que esta não preconizava, expressamente, o direito à educação como um direito de todo o cidadão angolano, embora e ainda o articulado do artigo 29.º, inserido no “Título II – Direitos e Deveres Fundamentais”, conferia ao Estado a promoção e a garantia de acesso aos cidadãos à instrução e à cultura. Esta norma não confere, por si só, ao cidadão angolano a faculdade de exercer e exigir do Estado o cumprimento deste direito: n~o lhe é conferida a faculdade de acç~o, “enquanto pretensão, Direito significa os direitos subjectivos, caracterizados pela permissão de aproveitamento de um determinado bem”, como nos ensina o Professor Doutor Pedro Barbas Homem257. Desse modo, o indivíduo estabelece uma relação directa entre si e o

objecto de sua pertença. Eu, o indivíduo “A”, tenho direito ao objecto “X”, por exemplo, e sobre ele exerço o poder de império, erga omnes.

Tomando como exemplo a educação, o indivíduo só estará investido de um direito subjectivo caso, ao conceder tal direito, o Estado se colocasse na posição de sujeito passivo, que se traduziria no dever de não perturbar o exercício do direito à educação pelo cidadão.

No âmbito da CRA, o indivíduo não é titular do direito à educação. O Estado chama a si a obrigação de criar as condições para que os cidadãos tenham acesso à educação e à cultura. No máximo, podemos caracterizar esta norma como um poder- dever do Estado em relação aos seus cidadãos ou a uma mera pretensão, ao enunciar no Artigo 29.º que a “República Popular de Angola (entenda-se o poder público) promove e garante o acesso de todos os cidad~os { instruç~o e { cultura”. Doutro modo, tal norma assim disposta pode ainda ser entendida como um Princípio, um pressuposto do qual se pode inferir a intenção do Estado Angolano em tornar a educação e a cultura extensíveis a todos os seus cidadãos.

O direito de todos os cidadãos à educação, na República Popular de Angola, foi largamente propalado quer, nos discursos políticos, quer no cancioneiro popular, como uma “arma de combate” aos resquícios do colonialismo, mas a redacç~o do artigo 29.º da Constituição não o expressou concreta e claramente.

O facto da não existência de uma norma categoricamente escrita que dissesse, abertamente, que “todo o Cidad~o Angolano tem direito { educaç~o” n~o retira o primor da intenção da salvaguarda desse direito humano e fundamental à existência do homem

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livre. Mas, como bem recorda Motari Cioccheti de Sousa, “o direito { educaç~o […] deve ser objecto da máxima efectividade, assegurada por meio de leis, actos normativos e posturas administrativas vedada qualquer limitaç~o ao seu alcance”258.

Em 1975, fruto da influência dos movimentos dos direitos humanos dos anos 60, o direito à educação, na então República Popular de Angola, foi tido como um dado adquirido, não tanto como componente intrínseca à qualidade do ser humano, enquanto tal, mas como um bem individual colocado à disposição da sociedade, mais concretamente traduzido no espírito e letra da Lei, “uma educaç~o ao serviço do povo e de uma verdadeira cultura nacional”.

Por outro lado, a falta de rigor na estruturação da norma jurídica conduziu, na maioria das vezes, a imprecisões259 quanto ao carácter e ao verdadeiro sentido do

comando nela expresso. Na descrição da norma não se teve em conta a dogmática jurídica, tratando-se simplesmente de articular uma vontade política, aparentemente com conteúdo normativo, sem se cuidar da sua forma, prejudicando a sua interpretação jurídica.

Daí não surgir na Constituição da República de Angola uma norma específica expressando directamente o direito do cidadão à educação. Contudo, como atrás já se referiu, este direito está subjacente nas normas que foram sendo ditadas, dando corpo e substância a este direito.

Consideramos importante levantar esta questão, na medida em que nos diversos textos constitucionais do Estado Angolano, desde a sua independência, outros direitos sociais têm sido expressamente enunciados em diversos capítulos e artigos, tais como o direito ao trabalho, o direito à saúde, ao ambiente saudável, entre outros, o que não acontece com o direito à educação.

258 Carlos Sérgio Gurgel, Novos desafios para a efectivação do direito à educação pública de qualidade no

Brasil, apud Motauri Cioccheti de Sousa, in https://jus.com.br/carlos sergio gurgel

259 “Alguma jurisprudência e doutrina administrativa sustentam que os conceitos indeterminados

conferem uma margem de liberdade interpretativa da administração, em todo o caso de uma margem de liberdade interpretativa superior à existente na interpretação de outros conceitos legais.

Consequentemente, quando o legislador lança mão de conceitos como poder discricionário, discricionariedade técnica e conceitos indeterminados, reservaria aos tribunais unicamente o poder de anular decisões tomadas em desvio do poder, situações em que a Administração não actua de acordo com os fins legalmente definidos ou em que a Administração actuou de acordo com fins não coincidentes com os fins que livremente escolheu. Porém, a dogmática dos conceitos indeterminados nasceu, não para defender a reserva de administração, mas para afirmar a margem de liberdade do juízo judicial.” in Pedro Barbas Homem, Introdução ao Estudo do Direito na República de Angola [no prelo], pp. 174 e ss.

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Por isso, em termos constitucionais, o direito à educação não foi, efectivamente, cuidado como um direito essencial do cidadão face aos outros direitos sociais melhor protegidos naquele magno texto normativo.

A sua omissão tem algumas consequências notórias, das quais se salienta a impossibilidade objectiva do cidadão exigir dos órgãos públicos a sua prestação e fazer accionar os mecanismos de tutela gerais, colocados à sua disposição pela Lei Fundamental, já para não falar da indeterminabilidade do conteúdo desse direito260.

Nos países como Moçambique, Guiné-Bissau, África do Sul, Brasil e Portugal, só aqui meramente citados como exemplos de enunciação clara do direito à educação, vertida nos países da região da SADC e da CPLP, enquanto países pertencentes a grupos regionais ou económicos, de que Angola faz parte, a educação, pelo menos a básica, constitui um direito do cidadão, tendo até ganho foro de direito fundamental.

Em Moçambique261, o artigo 88.º da Constituição afirma, expressamente, no n.º 1

“a educaç~o como direito e dever de cada cidad~o”. A educaç~o, por via deste artigo, desencadeia, quer para o cidadão, quer para o Estado, uma prestação positiva e, de certo modo, de igual medida, uma prestação negativa recíproca.

Quer dizer, constituindo a educação um direito subjectivo do cidadão, ele configurar-se-á como um direito subjectivo público, cabendo ao Estado uma prestação positiva, o dever de prover o cidadão dos meios para exercer esse direito. Por outro lado, ao cidadão incumbe a obrigação de frequentar a escola. Se ao Estado compete criar os mecanismos de acesso e permanência na escola, da educação de base até à formação profissional contínua, conforme estabelece o n.º 2 desse artigo, ao cidadão compete matricular-se e comparecer à escola.

No caso da Guiné-Bissau, norma semelhante rege as relações entre o Estado e o cidadão, no que se refere à faculdade de exercício do direito à educação, conforme está

260 Aqui serve a reflexão feita pelo insigne Professor Doutor Vieira de Andrade: A regulamentação

constitucional é aqui quase sempre incompleta e fragmentária, porque e principalmente constituída por afirmações de Princípios mais ou menos abstractos, por directivas que fixam fins, mas pouco dizem acerca dos meios, processos ou intensidade da sua realização, por vezes, por puros programas, porque faz constantemente apelo a conceitos indeterminados e de valor, a fórmulas gerais e elásticas, breves e esquemáticas; porque grande parte daquelas informações e destes conceitos transportam a história das ideias filosóficas ou políticas, em que mundividências diferentes disputam as mesmas palavras e as enchem de conotações próprias, numa linguagem mais apelativa que descritiva, tanto mais vaga e ambígua quanto mais heterogénea é a sociedade e mais compromissória tenha sido a elaboração do texto constitucional.

261 O “direito { educaç~o” est| consignado no artigo 88.º, Capítulo V, “Direitos e Deveres Económicos,

Sociais e Culturais” da Constituiç~o da República de Moçambique, aprovada pela Assembleia da República, aos 16 de Novembro de 2004.

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consignado no artigo 49.º da Constituição, não se constituindo como um direito qualquer, mas concomitantemente como um dever exigível ao cidad~o, em “diversos graus de ensino”, a par da promoção pelo Estado da gratuitidade e universalidade “gradual”262.

O sentido do direito à educação na África do Sul vai mais longe, ao afirmar de forma expressa o direito à educação e trazendo a delimitação do âmbito deste direito, restringindo-o ao ensino básico (regular) e de ensino de adultos263. André Keet,

referindo-se ao caso concreto da experiência Sul-africana, defende que, tratando-se da educação, nomeadamente no que se refere à sua relação entre o direito à educação e as suas implicações pedagógicas, ela não deve só ser considerada um direito humano, mas também um “bem público”, cujo papel é o de garantir a efectivaç~o de todos os outros direitos.264

A Constituição do Brasil confere um espaço significativo na abordagem do direito à educação, definindo-o como direito social e estabelecendo a obrigatoriedade e a sua gratuitidade, classificando-o como um “direito público subjectivo”. Tal é fundado no facto de, enquanto direito social, a educação se encontrar dentre aqueles direitos que est~o “intrinsecamente relacionados { dignidade humana”265 e, por isso, ganhou foro

constitucional, evidenciando a sua dupla dimensão subjectiva e institucional. Assim, o artigo 6.º da Constituiç~o da República Federativa do Brasil, no Capítulo II, “Direitos Sociais”, insere-o nesse capítulo, direitos sociais à educação. E, mais adiante, no artigo 205.º, da Educação, Capítulo III, Da Educação da Cultura e do Desporto, inserido no Título VIII, Da Ordem Social, coloca a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, em colaboração com a sociedade e, mais ainda, no artigo 208, VI, 1.º, dispõe

262 Artigo 49.º, Título II – Dos Direitos, Liberdades, Garantias e Deveres Fundamentais, da Constituição da

República da Guiné-Bissau, aprovada a 27 de Novembro de 1996.

263 “Chapter 2, “Bill of Rights”, 29. “Education”: 1) Everyone has the right:

a) to a Basic education, including adult Basic education; and

b) to further education, which the State, through reasonable measures, must make progressively available and accessible.”, José Melo Alexandrino (Org.), Direitos da Pessoa Humana, textos e

documentos, Reino Unido, Canadá, Austrália, Jamaica e África do Sul, edição AAFDL, Lisboa, 2007, p.

276.

264 André Keet, “Education as a Human Right: Conceptual Challenges and Practical Concerns: A South

African Experience”, in The Right Education and Rights in Education, Jan De Groof, Gracienne Lawers, eds, published with the support of UNESCO, Europe Association for Education Law and Policy (ELA), 2006, pp. 106 a 108.

265 Cláudia Mansami Queda de Toledo, Educação, Uma Nova Perspectiva para o Estado Democrático de

Direito Brasileiro, Editora Verbatim, S. Paulo, 2006, p 115, apud A. E Pérez Luño. Derechos Humanos,

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expressamente o acesso ao ensino obrigatório e gratuito e o define como direito público subjectivo”266.

Na Constituição da República Portuguesa, o direito ao ensino está consagrado no artigo 73.º, que claramente considera a educação como um direito, enquanto o artigo 74.º o caracteriza como universal, obrigatório e gratuito e, por esse motivo, passível de protecção legal e garantido pelos mecanismos de tutela jurisdicional efectiva267.

Como atrás se referiu, estes ordenamentos jurídicos foram citados a título exemplificativo, ressalvando que não se pretende fazer o aprofundamento do conteúdo que encerra cada uma destas disposições. Certo é que o direito à educação, nesses países, ganhou força constitucional expressa.

Porém, de acordo com a boa hermenêutica jurídica, maxime a constitucional, a interpretação tópica não pode, de modo algum, prescindir dos métodos clássicos, dos quais se salienta o gramatical, o histórico, o sistemático e o teleológico. A articulação sintética dessa realidade hermenêutica conduz o intérprete a inferir que o espírito da