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3. A FUNDAMENTALIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO

3.3. Os Direitos e Deveres Fundamentais na República de Angola

Em Angola, os Direitos e Deveres Fundamentais estão consignados no Título II da

Constituição da República de Angola do ano de 2010.

O Capítulo I trata dos princípios gerais (artigos 22.º a 29.º) e integra: a) O Princípio da Universalidade;

b) O Princípio da Igualdade;

c) O Princípio da Não Discriminação; d) O Princípio da Propriedade privada;

e) O Princípio do Acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional Efectiva.

O Capítulo II (artigos 30º a 75.º) refere-se aos direitos liberdades e garantias, sendo que, na secção I (artigos 30º a 55.º), se integra o direito à vida, à integridade pessoal, à identidade, à privacidade e à intimidade, à inviolabilidade do domicílio, à inviolabilidade da correspondência e das comunicações, aos direitos subjacentes à família, casamento e filiação, o direito à liberdade física e à segurança pessoal, o direito de propriedade, requisição e expropriação, à livre iniciativa económica, ao ambiente, à liberdade de expressão e de informação, à liberdade de consciência, de religião e de culto, à propriedade intelectual, à liberdade de criação cultural e científica, liberdade de imprensa, de antena, de resposta e de réplica política, liberdade de residência, circulação e emigração, liberdade de reunião e de manifestação, liberdade de associação, liberdade de associação profissional e empresarial, liberdade sindical, à greve e à proibição do lock

out, de participação na vida pública, ao acesso a cargos públicos, de sufrágio, liberdade

de constituição de associações políticas e partidos políticos.

225 Oliveira Ascensão, Direito Civil, Teoria Geral, I Parte, As Pessoas, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2000, pp.

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A secção II (artigos 5.º a 75.º) dispõe sobre a garantia dos direitos e liberdades fundamentais, nomeadamente a garantia geral do Estado, restrição de direitos, liberdades e garantias, limitação ou suspensão dos direitos, liberdades e garantias, a proibição de tortura e de tratamentos degradantes, os crimes hediondos e violentos, a irreversibilidade das amnistias, os direitos dos detidos e presos, privação de liberdade, aplicação da lei criminal, estabelecendo ainda os limites das penas e das medidas de segurança, garantias do processo criminal, o habeas corpus e o habeas data, a extradição e expulsão, direito ao asilo, direito a julgamento justo e conforme, direito de petição, denúncia, reclamação e queixa, direito de acção popular e, por fim, a responsabilidade do Estado e outras pessoas colectivas.

O Capítulo III, último sobre esta matéria, enuncia os direitos e deveres económicos, sociais e culturais (artigos 76.º a 88.º), como sendo o direito ao trabalho, saúde e protecção social, do consumidor, ao ensino, cultura e desporto, infância, juventude, terceira idade, cidadãos com deficiência, antigos combatentes e veteranos da Pátria, à habitação e à qualidade de vida, património histórico, cultural e artístico e dever de contribuição.

No que se refere a estes capítulos, encontramos grande similitude em termos estruturais com a Constituição Portuguesa, que apresenta os direitos, liberdades e garantias como “distintos, separados e precedentes dos direitos económicos, sociais e culturais”226, conforme se pode verificar dos respectivos quadros constitucionais

implícitos nas suas Constituições.

Os Direitos, Liberdades e Garantias que nos são apresentados no capítulo II da Constituição de 2010 dizem respeito à essência natural da pessoa, sem os quais a sua dignidade é posta em causa e, por consequência, são invioláveis, imprescritíveis e inalienáveis. A sua expressão máxima é o direito à vida, prescrito no artigo 30º, e à

226 “Esta soluç~o de sistem|tica constitucional corresponde { doutrina das democracias Ocidentais, em

que se faz a respectiva distinção dogmática, uma vez que a estrutura interna, o objecto e a própria funç~o dos “direitos, liberdades e garantias”, s~o diferentes da estrutura interna, do objecto e da função dos direitos económicos, sociais e culturais (…)” “(…) os direitos, liberdades e garantias” correspondem ao reconhecimento e à garantia de, por assim dizer, esferas de autonomia pessoal, inerentes à vida e à dignidade da pessoa humana e, portanto, anteriores ao Estado, dentro das quais (esferas de autonomia) cada pessoa vive, pensa, decide, escolhe e age livremente, por princípio, sem interferência do Estado, e até mesmo contra esta interferência;” (…) “A estrutura interna e a funç~o dos direitos fundamentais (de liberdade), assim caracterizados contrastam tipicamente com a estrutura e a função imediata dos direitos sociais, que são direitos positivos, isto é, direitos a prestação fácticas da sociedade ou do Estado: direito a um rendimento mínimo, a cuidados de saúde, à segurança social, à habitaç~o, ao emprego, ao ensino, etc.”, in M|rio Fernando dos Campos Pinto, Sobre os Direitos

Fundamentais de Educação – Crítica ao Monopólio Estatal na Rede Escolar, Universidade Católica

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integridade pessoal, prescrito no artigo 31.º, e independentes da vontade do Estado, enquanto os Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais, expressos no capítulo III, da Constituição de 2010, constituem-se por normas jurídicas ditadas pelo Estado e assumem-se como prestações positivas, tais como o direito ao trabalho, previsto no artigo 76.º, ou o direito à habitação e à qualidade de vida, conforme se encontra no artigo 85.º.

É um facto assente que os direitos fundamentais, tal como a ordem jurídica, constituem uma unidade227, contudo, nada obsta a que, de acordo com determinados

critérios, se possam estabelecer classificações.

Consideramos interessante duas classificações relevantes para o nosso estudo, enunciadas pelo Professor Doutor Jorge Miranda: a primeira refere-se à dicotomia Direito de Agir/Direito de Exigir e a segunda a Direitos de Liberdade/Direitos Sociais.228

De acordo com esta distinção, o direito ao ensino seria classificado como um direito de exigir um comportamento positivo do Estado. Competirá, deste modo, ao Estado Angolano criar as condições de acesso e frequência ao ensino e, por vias disso, criar os mecanismos para que a obrigatoriedade e a gratuitidade, enquanto unidade indestrutível, garantam a universalidade do ensino.

Mas, se o direito à educação constitui um direito de exigir, este é também um direito de agir, na medida em que exige do cidadão a sua acção, de modo a accionar esse direito que reclama. Será necessário que o cidadão interpele os órgãos públicos para que esse direito seja satisfeito. Tem de existir a vontade por parte do cidadão ou dos seus pais ou tutores e da prática do acto real e objectivo de concretizar esta vontade de estudar e de se instruir através dos meios colocados à sua disposição pelo Estado e de exigir a existência física ou real dos meios de que tem necessidade.

O direito à educação reconduz-se a um complexo de direitos e deveres recíprocos entre o Estado e os cidadãos: se ao Estado se exigiam deveres, como o da promoção de políticas que assegurem o acesso universal ao ensino obrigatório e gratuito, conforme

227 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional – Tomo IV – Direitos Fundamentais, 4.ª edição, Coimbra

Editora, Coimbra, Setembro 2008, p. 86; José Joaquim Gomes Canotilho, Estudos Sobre Direitos

Fundamentais, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 95.

228 Idem, p. 90, o autor divide os direitos fundamentais em:

a) Direitos de Agir, em que se inserem as liberdades em geral e os direitos que criam situações jurídicas e os direitos de defesa, em que se inserem o habeas corpus e as acções populares; e

b) Direitos de Exigir, que consistem nos direitos de exigir prestações ou comportamentos positivos (quer sejam prestações jurídicas, v.g o acesso à justiça, quer sejam prestações materiais, como os Direitos Económicos, Sociais e Culturais) e o direito de exigir comportamentos negativos, v.g não haver tortura (…)

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indicam a alínea g), a promoção da igualdade e de oportunidades entre os cidadãos, em conformidade com a alínea h), ambas do artigo 21.º, o artigo 28.º, n.º 1 e o artigo 79.º, o artigo 81.º, n.º 1, alínea a) e o artigo 83.º, n.º 4, todos da CRA; a organização e a estruturação do sistema educativo, conforme preconizam os artigos 2.º, 10º e 59.º, da LBSE, sem os quais se frustrariam as expectativas e os direitos dos cidadãos, a estes mesmos cidadãos competiria o dever de participação livre nos moldes previstos nos artigos 79.º e 81.º, da CRA.

O direito à educação, como os demais direitos sociais, compõe-se simultaneamente de uma vertente negativa, que se consubstancia no dever de não perturbar, em concreto, o exercício do direito do cidadão, impondo aos particulares, e até ao próprio Estado, limitações de intervenção e sanções. A Constituição de Angola é omissa em relação à falta de prestação ou à prestação defeituosa do dever de ensino. Tal já não acontece em relação a outros direitos sociais em que, por exemplo, é clara a proibição do despedimento sem justa causa, incorrendo a entidade empregadora na obrigação de indemnizar o trabalhador, conforme enuncia o artigo 76.º, nº 4, em relação aos direitos do trabalhador, ou, ainda, o preconizado no artigo 78.º, números 2 e 3, no que se refere ao direito do consumidor ao estabelecer o ressarcimento por danos causados pela prestação de bens ou serviços nocivos à saúde ou à vida, e à proibição de todas as formas de publicidade oculta, indirecta ou enganosa.

3.4. Conceito e conteúdo do direito fundamental de instrução versus dever de