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ELEMENTOS-CHAVE DA COMUNIDADE

1. EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

Desenvolvimento tem sido um dos conceitos mais importantes e também mais polémicos nas Ciências Sociais, tendo-se tornado ao longo dos anos cada vez mais complexo e menos linear (Amaro, 2003). O nascimento deste conceito é atribuído ao período pós Segunda Guerra Mundial (Amaro, 2003; McDonald, 1998; Sen, 1997), na altura intrinsecamente associado às noções de industrialização e progresso tecnológico, tomando como sinónimo e único objetivo o crescimento económico (Amaro, 2003). A partir da década de 70 dá-se um ponto de viragem na abordagem do desenvolvimento (Amaro, 2003), começando a estruturar-se novos conceitos, de maior complexidade, que implicavam repensar o modo de o avaliar/medir (Todaro, 1994). Foi notória uma mudança no foco colocado no estudo destas questões, progredindo-se das questões produtivas e económicas para se centrar nas relacionadas com o bem-estar – e isto foi observado inclusivamente em instituições financeiras, como é o caso do Banco Mundial (Ilon, 1996 citado em Flores-crespo, 2007).

Um conceito que cedo começou a ser associado ao de desenvolvimento foi o de educação, ambos concetualizados como uma equação, de maior ou menor grau de correspondência dependendo das abordagens vigentes. Azevedo (2000), no seu livro “O Ensino Secundário na Europa” apresenta um quadro teórico que reflete os principais esforços analíticos que têm como objeto a compreensão da relação entre os dois conceitos. Uma das teorias que reuniu maior aceitação e que vigorou durante mais anos foi a Teoria do Capital Humano, que defende a forte relação positiva e linear entre educação,

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pelos conhecimentos técnicos que transmite, qualificações e diplomas que atribui, e desenvolvimento económico, pela consequente ocupação produtiva de postos de trabalho e evolução que desencadeia nas empresas. A crença neste pressuposto pode ser observada, por exemplo, na publicação da OECD/ UNESCO (2002). Com base nesta teoria desenvolveram-se diversos estudos que procuraram estimar a taxa de retorno do investimento na educação (Cremin e Nakabugo, 2012; OECD/UNESCO, 2002; Psacharopoulos e Patrinos, 2004), apresentando resultados que demonstram uma “associação forte e positiva” entre o aumento dos níveis de escolaridade da população e o crescimento económico do país (OECD/UNESCO, 2002, 8).

Contudo, como acontece frequentemente com tudo o que é concetualizado de forma linear, cedo foram ressaltadas variáveis que punham em causa o racional subjacente, como os desfasamentos entre as necessidades dos mercados, locais, diversos e em constante mutação, e a qualidade e as proporções das qualificações. Esta perspetiva não previa “areias na engrenagem”, como por exemplo, a sobrequalificação e a diminuição dos vencimentos derivada do excesso de oferta de diplomados face à procura. Para além disto, estas conceções consideravam o ser humano como um “recurso económico e produtivo, como capital humano mobilizável no mercado desigual e competitivo”, “o que conduziu a uma inequívoca desvalorização dos contextos e das estruturas sociais” (Azevedo, 2000, 70). A fragilidade da Teoria do Capital Humano centra-se, essencialmente, em constituir um obstáculo para a concetualização do investimento educativo como fonte de desenvolvimento de competências pessoais e sociais, ligadas à realização pessoal, à cultura e ao civismo (Azevedo, 2000). Esta teoria não contempla também a complexidade de fatores, exógenos e endógenos, que medeiam a relação educação/desenvolvimento, conceito tido como sinónimo de crescimento económico.

Este descontentamento despoletou o surgimento de diversas perspetivas críticas, como as marxistas e neomarxistas, que sublinham o desfasamento entre o sistema escolar e o sistema económico/produtivo. Collins defende, inclusivamente, “a ineficiência da escolarização como meio de formação de trabalhadores qualificados” (1978 citado em Azevedo, 2000, 75).

De facto, a partir da já referida histórica década de 70, e concomitantemente à vigência da Teoria do Capital Humano, visões negativas de escolaridade eram amplamente aceites no campo da sociologia da educação (Althusser, 1971; Bowles e Gintis, 1976; Willis, 1077; citados em Young, 2007). Young (2007), no seu artigo “Para que servem as escolas?” menciona, a título de exemplo, a crítica radical de Illich (1971) e a crítica de Foucault (1995). Também Azevedo (2000) menciona alguns autores que expõem este desajustamento entre educação e desenvolvimento de forma bastante radical (Blaug, 1981; Pedró, 1992; Lillis e Hogan).

As referidas perspetivas críticas abrem a possibilidade de pensar a ação educacional como forma de desenvolvimento pessoal dos indivíduos (Azevedo, 2000). É, pois, fundamental uma mudança no modo de conceber esta relação educação/desenvolvimento, passando da análise fria dos conhecimentos técnicos, das qualificações, do capital cultural, das credenciais, entre outros, para nos centrarmos, como diz Nussbaum (2000), naquilo que as pessoas são realmente capazes de ser e de fazer. Isto leva-nos para a abordagem das Capabilidades, um conceito dedicado a todos e a cada um, tratando cada um como um fim em si mesmo, e nenhum como um meio para os fins de outros (Nussbaum, 2000). Ao contrário da Teoria do Capital Humano, esta perspetiva defende que a sociedade tem o dever de se preocupar com todos e com cada indivíduo, independentemente da ação que ele possa eventualmente ter, ou não, no crescimento económico (Akkoyunlu-Wigley e Wigley, 2008). Amartya Sen, precursor desta abordagem, sublinha que o nosso foco não deve estar nos recursos, nem mesmo no bemestar, mas sim nas capabilidades das pessoas, isto é, na sua liberdade real ou efetiva de alcançarem o bem-estar, de

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alcançarem aquilo que valorizam, de escolherem possíveis modos de vida (1992; Cohen, 1995; Walker e Unterhalter, 2007), definindo bem-estar como a qualidade da pessoa ser/ estar (Sen, 1992). A tónica já não é colocada nos recursos ou nos resultados, mas sim nas condições que permitam aos indivíduos tomar decisões baseadas naquilo que eles têm motivos para valorizar; nas oportunidades, no potencial.

Já na década de 70 Paulo Freire (1970), no seu livro “Pedagogia do Oprimido”, manifesta a sua crença nas capacidades das pessoas, nomeadamente para alterar o seu destino, e sublinha a necessidade de humanização do homem, da luta pela liberdade e autoafirmação. Pode, por este motivo, ser de certa forma considerado como alguém que defendia a abordagem das Capabilidades, como o seu pré-precursor (Bates, 2007; Flores-Crespo, 2007; Lowe, 2012).

A noção de Capabilidades desenvolvida por Sen e Nussbaum vem resgatar uma visão humanista da educação, que estava, de certo modo, adormecida pela aplicação de teorias funcionalistas tal como a acima referida Teoria do Capital Humano (Flores-Crespo, 2007). Esta abordagem permitiu que se caminhasse de uma visão instrumental da educação para uma visão mais essencialista e global (Azevedo, 1996b), em que a educação assume um papel central, sendo considerada por Sen como uma oportunidade social, um meio para adquirir o bem-estar, uma forma de exercitar a capacidade de agir, em suma, uma causalidade para a liberdade (Flores-Crespo, 2007). Também para outros autores (Biggeri, 2007; Nussbaum (2000); Terzi, 2007; Vaughan, 2007) a educação assume um papel central, sendo considerada como uma capabilidade que afeta o desenvolvimento e o engrandecimento de outras capabilidades.

Contudo, existem também diversos estudos que demonstram que uma educação de fraca qualidade, promotora de experiências negativas ou transmissora de estereótipos e discriminações, pode afetar negativamente as escolhas futuras, dificultando o desenvolvimento das capabilidades (Hardy, 1989; Human Right Watch, 2001; Trapnell, 2003; e Unterhalter, 2001, citados em Flores-Crespo, 2007; Gallacher, Crossan, Field, e Merrill, 2002 citados em Walker e Unterhalter, 2007; Raynor, 2007; Vaughan, 2007; Walker, 2007). Não podemos, por isso, assumir que a educação promova automaticamente o desenvolvimento de outras capabilidades.

É, de facto, praticamente consensual que a educação e o desenvolvimento não se relacionam de forma linear, havendo diversas evidências que desmontam as ilusões dos efeitos positivos diretos, de causa- efeito (Azevedo, 1996; Cabugueira, 2002; Cardoso, 2011; Cremin e Nakabugo, 2012; Flores-Crespo, 2007). Cardoso (2011) refere mesmo que se a educação não tiver como premissas determinados aspetos, como uma lógica participativa, flexível, local, prática e equitativa, pode mesmo ser contraproducente no que respeita ao desenvolvimento das comunidades. É, contudo, bastante consensual a existência de um círculo virtuoso entre estes dois elementos (Alves, Centeno e Novo, 2010; Ambrósio, 2003; Azevedo, 1994; Cabugueira, 2002; Caleiro, 2009; Carvalho, 2006; Correia, 2008; Cremin e Nakabugo, 2012; Lopes, 2006; OECD/UNESCO, 2002; UNESCO, 2009), o que tem fundamentado que a educação absorva “uma das maiores fatias dos orçamentos em quase todos os países” (Cabugueira, 2002, 194; Fox, Santibañez, Nguyen, e André, 2012; IMF, 2011; OECD, 2011; UNESCO, 2012; Alves et al., 2010; Barros e Mendonça, 1997; Correia, 2008; e Psacharopoulos e Patrinos, 2004); e que as famílias invistam uma parte considerável do seu capital na formação dos seus membros (Gómez, Freitas, e Callejas, 2007). Não parecem, pois, restar dúvidas da existência de uma “correlação positiva entre a instrução básica da população e (…) um certo potencial de desenvolvimento social, cultural e económico” (Azevedo, 1994, 143). Na realidade ambos os conceitos do binómio têm uma mesma finalidade: alcançar melhores condições de vida e uma melhor humanização, sendo que uma sociedade desenvolvida ostenta geralmente melhores resultados educativos e que a educação cria as condições oportunas para promover o bem-estar económico e social, elevando as possibilidades de desenvolvimento social (Gómez et al., 2007).

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