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4.1 PARA QUEM: QUEM DANÇA, PORQUE DANÇA: OS SUJEITOS

DA DANÇA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

4.1.1 O encontro com a infância ou a criança esse terreno de incertezas

[...] esses seres estranhos dos quais nada se sabe, esses seres selvagens que não entendem nossa língua. (LAROSSA, 2010, p, 186)

Para iniciar o capítulo, exponho esse prólogo de Larrosa (2010) sobre a criança, a fim de abordar minha inquietude em entender o que é essa fase, quais são suas particularidades e porque ela se difere das outras etapas do desenvolvimento humano.

Escolhi tratar desse universo pela perspectiva de quem entende as crianças como produtoras de cultura que constroem modos de significação e de ação com o mundo de forma diferente dos adultos. Para isso, me pautei em abordagens que estão apresentadas em

documentos municipais do Estado de São Paulo e nos RCNEI (1998c) que assinalam que ―as

crianças possuem uma natureza singular, que as caracteriza como seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio‖ (RCNEI, 1998c, v. 01. p. 21).

Desse modo, a criança está inserida em uma sociedade com uma determinada cultura e em um determinado momento histórico. Como sujeito, ela estabelece trocas, relações e ações em seu contexto. Porque as crianças são

Sujeitos históricos e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (CAJAMAR, 2012, p. 20).

Compartilho também de duas ideias de Larrosa (2010). Uma apresenta a infância195 como uma fase que nossos saberes e nossas práticas já capturaram como objeto de estudo, com um conjunto de conhecimentos mais ou menos científicos, técnicas já testadas e instituições adaptadas para a realidade desta faixa etária. E outra em que a infância é vista "como algo outro", um lugar desconhecido, e a tentativa de apreendê-la coloca em destaque a incerteza de nossos saberes.

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A proposta que apresento nesse capítulo é voltada para as crianças da pré-escola, mas pode ser adaptada a diversas faixas etárias.

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Nesse sentido a infância não pode ser reduzida apenas a uma fase previsível do desenvolvimento humano, mas deve ser encarada como um universo a ser descoberto, explorado e experienciado.

Compreender, conhecer e reconhecer o jeito particular das crianças serem e estarem no mundo é o grande desafio da educação infantil e de seus profissionais. Embora os conhecimentos derivados da psicologia, antropologia, sociologia, medicina etc. possam ser de grande valia para desvelar o universo infantil apontando algumas características comuns de ser das crianças, elas permanecem únicas em suas individualidades e diferenças. (BRASIL, 1998c, p. 22).

Larrosa (2010) esclarece que ―não se trata de reduzirmos a infância a algo que de

antemão já sabemos o que é, o que quer ou de que necessita‖ (p. 188), como se pudéssemos prever cada resultado dos processos de desenvolvimento, individualização e socialização em que todas as crianças se converterão em adultos mais ou menos semelhantes. Essa visão

busca ―caracterizar infância como uma produção social e histórica e não, simplesmente, uma

fase biológica e natural de um processo de crescimento que passa para a adolescência e

depois para a vida adulta‖ (CAJAMAR, 2012, p. 45).

Olhar para criança é ver algo novo, que ainda não deciframos, mas que temos alguma ideia do que se trata. Por esse aspecto podemos perceber a infância como um eterno terreno de incertezas, onde nossos saberes são sempre colocados à prova à medida que testamos nossas práticas pré-estabelecidas.

Essas incertezas chamam a atenção para escuta e a responsabilidade de receber196, no sentido de entender as necessidades e as maneiras de apreender o mundo de cada criança. O

intuito é criar um diálogo onde os pequenos deixam de ser ―seres estranhos‖, como apontou

Larrosa (2010), e passam a ser sujeitos que constituem uma maneira própria de pensar e de interagir com o mundo, capazes de opinar e tomar decisões a respeito daquilo que irá constituir sua identidade e autonomia197.

Assim, ver e ouvir a criança é fundamental em qualquer estudo que realmente deseja estudar a infância. Esse olhar e esse ouvir ficam ainda mais pertinentes quando leva em consideração o princípio de toda e qualquer infância: o princípio de transposição imaginária do real, comum a todas as gerações, constituindo-se em capacidade estritamente humana. É preciso levar em consideração uma concepção modificada da mente infantil, uma mente criando sentido, buscando sentido, preservando sentido

196Para Larrosa (2010, p. 188), ―a educação é a forma em que o mundo recebe os que nascem. Receber é fazer

lugar: abrir um espaço no qual aquele que vem possa habitar, colocar-se à disposição daquele que vem sem pretender reduzi-lo à lógica que rege em nossa casa‖.

197 Identidade e autonomia é um dos eixos de trabalho dos RCNEI, e nesse documento refere-se a ―A

construção da identidade e da autonomia diz respeito ao conhecimento, desenvolvimento e uso dos recursos pessoais para fazer frente às diferentes situações da vida.‖ (BRASIL, 1998, v. 02, p. 13)

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e usando sentido; numa palavra – construtora do mundo (NASCIMENTO; BRANCHER; OLIVEIRA, 2008, p. 16).

Receber a criança também é entender que nessa etapa o ensino e aprendizado acontece por meio do brincar, preocupado em estimular o imaginário infantil. O jogo, as brincadeiras e o faz de conta são elementos estruturantes e constitutivos de uma cultura infantil. Por meio deles os pequenos estabelecem as relações com o outro, consigo e com o meio. Isto porque as crianças

[...] se desenvolvem e aprendem a partir de interações com outras crianças, com adultos e explorando materiais, quando se engajam em atividades de seu interesse. Por isso, é importante elas terem amplas oportunidades na Educação Infantil, de compartilhar saberes, reorganizando o que já sabem e criando novos significados a partir das experiências e vivências. (GUARUJÁ, 2014, p. 7)

Nesse sentido, destaco a Dança na EI como conquista da autonomia, que pode reforçar a identidade da criança quando conhece sua movimentação e as possibilidades de interação, sensibilização e criação por meio do corpo que Dança brincando.

Pensar os indivíduos como sujeitos autônomos é considerá-los como protagonistas nos coletivos de que participam, corresponsáveis pela produção de si e do mundo em que vivem. Protagonismo é a ideia de que a ação, a interlocução e a atitude dos sujeitos ocupam lugar central nos acontecimentos. (GUARULHOS, 2010, p. 18)

O fato de a criança poder se comunicar por meio de gestos198, sons e representar determinado papel na brincadeira pode fazer com que ela desenvolva sua imaginação. (MARILIA, 2009, p. 06). Ao utilizar a imaginação, as crianças enriquecem sua identidade e autonomia, porque podem experimentar outras formas de ser e de pensar, ampliando a sua percepção sobre o mundo. O mesmo acontece na imitação porque ao brincar de imitar alguma pessoa, animal, ou qualquer objeto, ocorre uma atribuição de significados e a criança busca no seu repertório figurativo as referências de características e dos movimentos do que ela está imitando. Dessa maneira, pode acontecer a transposição de um conceito abstrato para um concreto, ou seja, da imagem para a imitação da movimentação. Essa livre associação de transformar o movimento, acontece de maneira diferente em cada criança. É nesse sentido que ocorre a autonomia de criação de movimento em que a brincadeira de imitar pode se tornar Dança.

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Vale ressaltar que a criança é corpo e se comunica por meio dele desde que nasce e na medida em que cresce essa comunicação por meio do movimento refina, aprimora.

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Por meio da combinação entre Dança e brincadeira, ou ―brincadeiras dançadas‖, a

criança pode exercitar a imaginação e ressignificar o mundo por meio do corpo, em um espaço de interação, investigação e construção de conhecimentos sobre si e sobre o ambiente que a rodeia. Além disso, a criança pode vivenciar concretamente a elaboração e a negociação de regras de convivência, aprender sobre as relações entre as pessoas e sobre os significados culturais do meio em que vivem (BRASIL, 1998c, v. 2).

Nesse processo o professor é o interlocutor, é alguém participa do diálogo, um mediador da experiência. Enquanto sujeito da experiência (LARROSA, 2010), ele é aquele que auxilia a criança na articulação e construção dos saberes em dança (GODOY, 2012).

Essa experiência é apresentada como uma aventura, uma viagem aberta na qual existe a possibilidade de se deixar influenciar a si próprio, se deixar seduzir e solicitar por quem vai a seu encontro (LARROSA, 2010). Esse entendimento é um convite a entrar no mundo da criança a fim de compreendê-la e proporcionar as experiências dançadas.

É nesse sentido que apresento essa Proposta que envolve, entre outros aspectos, a experiência e a possibilidade de receber o outro como práticas em que o professor aceite e acolha suas as incertezas a fim de refletir sobre elas (SCHÖN, 2002), aberto às possibilidades para descobrir os caminhos que constituirão seu campo de saberes.

Dessa maneira, o professor estaria preparado para transformar as práticas educativas em experiências significativas, com o intuito de auxiliar a criança a compor seus próprios saberes em dança. Esses saberes podem ser apreendidos por meio da ludicidade, considerando os pequenos não apenas como fruidores, receptores, mas como agentes participantes e produtores de cultura.

4.1.2 “Será que uma criança Dança?”: A brincadeira, o jogo, a