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Planejamento em prática: A Estrutura básica da aula de Dança

improvisação como recursos pedagógicos

4.2.2 Planejamento em prática: A Estrutura básica da aula de Dança

Existem muitas maneiras de organizar uma aula de Dança. Para iniciar esse processo o professor deve se perguntar: O que eu desejo com essa aula? O que gostaria de abordar com as crianças? Qual o tema da aula? Qual a relação dessa aula com o planejamento? Para facilitar, nomeio e organizo as aulas por temas de trabalho. Os temas podem ser variados e também derivam do planejamento. Por exemplo, o subprojeto A Onda, apresentado no capítulo anterior, em que trabalhamos com o tema geral Mar e dele surgiram os temas das aulas, ligados à exploração de peso e espaço.

Para colocar o planejamento em prática o professor precisa distribuir seus objetivos, conteúdos, metodologia e avaliação em planos de aulas, como um guia do que vai ser desenvolvido no dia a dia das aulas de Dança.

Dessa maneira, proponho uma estrutura da aula de Dança para EI, que se divide em quatro partes interligadas, apresentadas a seguir.

4.2.2.1 A chuva de ideias dançantes

Essa parte da aula é reservada para troca de ideias entre as crianças e o professor. Normalmente direciono a conversa para o tema a ser abordado naquele dia.

209 Ver item 4.1.3.

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É importante definir as expectativas para o momento, que as crianças saibam o que irão realizar e o que o professor espera delas para conscientizá-las de que a aula de Dança é um tempo para se concentrar e trabalhar com o corpo. Além disso, é importante usar o vocabulário próprio de Dança, como, por exemplo, se o professor está apresentando o espaço e a exploração dos níveis alto, médio e baixo, essa nomenclatura deve ser usada para a criança pequena. Assim, com o tempo e a instrução, os alunos vão se familiarizando ao vocabulário e usam os termos relacionados ao movimento para comunicar ideias e conceitos. O foco dessa parte é apresentar de maneira lúdica a proposta do dia e dar voz às crianças, com a intenção de perceber o que querem, o que pensam e o que gostariam, com a finalidade de colocá-las como protagonistas do seu processo de ensino e aprendizado.

Muitas vezes essa conversa toma outras formas e as ideias se perdem por alguns minutos. As crianças acabam falando dos desenhos da televisão, dos brinquedos que ganharam, dos acontecimentos do mundo, do que realizam e daquilo que acontece com elas em suas famílias. A proposta é realizar uma chuva de ideais, com o intuito de falar muitas coisas e, com isso, reunir o maior número possível de informações, fatos, acontecimentos, visões para se aproximar do universo infantil, organizar as ideias propostas e as possibilidades que as crianças apresentam.

A roda de conversa é o momento privilegiado de diálogo e intercâmbio de ideias. Por meio desse exercício cotidiano as crianças podem ampliar suas capacidades comunicativas, como a fluência para falar, perguntar, expor suas ideias, dúvidas e descobertas, ampliar seu vocabulário e aprender a valorizar o grupo como instância de troca e aprendizagem (BRASIL, 1998c, v. 3, p.138).

Esse momento de chuva de ideias nas aulas de Dança, a partir da escuta sensível, da partilha de opiniões individuais e coletivas, pode auxiliar os processos criativos e facilitar a fruição, a improvisação, a expressividade, por meio da comunicação do corpo da criança que Dança.

Esta conversa pode trazer informações que originem um denominador comum relacionado aos propósitos e objetivos da aula ou levando o professor a modificar seu foco a partir da escuta. A roda de conversa serve também para acolher as crianças e pode auxiliar a conhecê-las, mapeando e identificando os comportamentos individuais e de grupo. Além disso, ajuda a preparar o coletivo no sentido que de todos devem se ouvir.

Após esse primeiro momento da aula, convido o professor para a reflexão na ação. Esse momento exige um raciocínio rápido, uma mudança de rumos a partir do que foi conversado com as crianças. A reflexão na ação (SCHÖN, 2000) aciona o conhecimento tácito, a intuição, um conhecimento que está implícito na ação. Essa dinâmica de trabalho

193 permite direcionar a construção de um saber docente pautado por um practicum reflexivo, que a partir do contato direto com a ação cria novas abordagens e reestrutura a práxis pedagógica.

Dessa maneira, o professor de Dança na EI pode aprender com sua atuação, com a intenção de melhorar suas ações in loco. Para tanto é necessário se fazer algumas perguntas, como: Quais as ideias levantadas pelas crianças? Todas as crianças falaram? Ocorreu a escuta por parte do grupo para os indivíduos? O professor ajudou as crianças a organizar as ideias? As ideias se relacionaram com Dança? As crianças conversaram sobre a proposta apresentada? Entre outras.

4.2.2.2 Colocando as ideias para dançar.

Colocar as ideias para dançar tem o objetivo de ―esquentar‖ o corpo e aguçar a

percepção. Esse é o momento de preparar o grupo para dançar. Esse processo envolve criar um estado de prontidão, sensibilizar o corpo para as ideias relativas ao tema da aula.

Esse momento pode ser realizado por meio de atividades lúdicas que incitem, por exemplo, a consciência da estrutura corporal, reconhecimento do corpo, do espaço e do outro, entre outras ideias que apresentarei no item 4.3, relativo às Temáticas da Dança.

Quando as crianças vão iniciar o movimento o professor precisa ficar atento a fim de perceber: Como estão hoje? Agitadas? Calmas? Cansadas? Dispostas? A partir dessas questões, chamo a atenção novamente para o terreno de incertezas e a habilidade que o professor desenvolve em olhar, perceber e modificar o rumo de acordo com o que a prática oferece. Esse processo envolve a escuta e a capacidade de individualizar, de olhar cada criança, tendo a noção do seu grau de compreensão e das suas dificuldades, mesmo se tratando de um grupo.

Muitas vezes o professor prepara uma aula que não se conecta ao que as crianças têm a oferecer naquele dia e, para realizar os propósitos iniciais, é importante ter a sensibilidade para modificar as estratégias, caso seja necessário.

Com isso, destaco a necessidade de articular o conhecimento na ação com os saberes próprios da Dança. É dessa maneira que a reflexão na ação pode se revelar transformadora a partir de situações inesperadas produzidas pelo exercício da prática.

4.2.2.3 Provocando a tempestade – O desenvolvimento da aula

Para o desenvolvimento da aula, o professor precisa dar subsídios, elementos, provocar a tempestade para que o tema aconteça. Nessa parte da aula são trabalhadas as

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Temáticas da Dança (corpo, fundamentos da dança, criação em dança)210, por meio do experimentar, experienciar e do criar.

As crianças podem ser motivadas a investigar, por exemplo o corpo a fim de estimular a busca pelo seu vocabulário de movimento. Os fundamentos da dança podem ser trabalhados por meio de jogos direcionados a cada um deles, que podem desafiar a gravidade, utilizar as relações espaciais, o ritmo e as relações de tempo na Dança. Esse material posteriormente pode ser utilizado nos jogos de criação211, em que as crianças podem ter a oportunidade de escolher a ordem dos movimentos que irão compor suas Danças, bem como criar combinações de movimento212. Nesse processo.

A criança é encorajada a brincar com o próprio corpo bem como a perceber o que acontece no momento presente. Não se busca o gesto belo, os passos certos nem tampouco o movimento habilidoso de uma futura bailarina(o). Os alunos vivenciam o movimento tal qual o ato de brincar, em que a prioridade é o ato em si e não o resultado do ato executado, ou seja, a experiência do próprio corpo ancora todo o processo do corpo em movimento (MILLER, 2010, p. 79).

A sugestão para esse momento é que as Temáticas da Dança sejam realizadas por meio do fantasiar, imaginar, representar, que fazem parte do universo infantil a fim de que as propostas sejam envolventes e interessantes para as crianças e, dessa maneira, façam sentido, sejam significativas e que proporcionem experiência.

Para isso, é preciso atenção ao se comunicar com as crianças, levando em consideração que o corpo do professor também é um veículo expressivo e que mesmo sem intenção fornece um repertório gestual aos pequenos.

Nesse aspecto, destaco a importância de o professor conhecer seu corpo a fim de auxiliar as crianças no processo de ensino e aprendizado em Dança.

Consciente de seu corpo, o professor precisa estar atento às posturas, aos gestos, às expressões das crianças e preparado para potencializar a capacidade expressiva e comunicativa dos pequenos. Tais aspectos são determinantes na estruturação da identidade, autonomia e descoberta dos movimentos intencionais infantis, possibilitando o desenvolvimento da Dança por meio do pensar no movimento, da consciência de si, do outro e do meio.

Para que a dança constitua um meio de expressão para a criança, é importante que ela tenha a oportunidade de criar movimentos livremente.

Entretanto, a liberdade precisa ser ―alimentada‖ pelo professor, para que a

210 Item 4.3.

211

Item 4.3.2.

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criança não se restrinja ao repertório de movimentos que já conheça e os repita mecanicamente (SÃO PAULO, 2009, p. 71).

Vale destacar que não há uma única forma de abordar o desenvolvimento da aula, existem caminhos que serão construídos e repensados a todo o momento pelo professor reflexivo em Dança.

Para o momento reflexão sobre a ação dessa parte da aula, destaco as perguntas: As crianças participaram ativamente das propostas? A proposta abrangeu os interesses delas? As ideias discutidas na roda de conversa apareceram no corpo? As Temáticas da Dança foram trabalhadas de maneira satisfatória? O faz de conta permeou as atividades de Dança? As crianças responderam as propostas da maneira que foram planejadas?

4.2.2.4 Depois da tempestade – Desaquecer

Essa parte da aula tem a intenção de ―amarrar‖ alguns pontos e encerrar as atividades

de Dança do dia. Momento de refletir e pensar: O que trabalhamos (professor e crianças) que precisa ser destacado? Para o fechamento, pode ser utilizado um jogo, uma roda de conversa, uma música cantada, uma dinâmica de desaquecimento.

Para o momento Depois da tempestade o professor pode ter diversos objetivos, entre eles desacelerar o corpo depois de uma atividade agitada, preparar para uma atividade que as crianças farão na sequência, conversar sobre os acontecimentos na aula, sobre as aulas seguintes ou retomar a roda de conversa inicial.

Para a reflexão na ação, destaco as perguntas: O que foi planejado para esse momento é relevante ou precisa ser modificado? Se ocorreu um fechamento com conversa: A Dança apareceu no discurso das crianças? E no corpo?

4.2.2.5 A hora de semear ou aproveitando o que a chuva trouxe

Após as aulas, destaco a importância de realizar uma reflexão sobre a ação. Ao anotar o que aconteceu nos diários de bordo é possível avaliar o trabalho realizado e refletir, identificar e tomar consciência do conhecimento tácito e dos fatos advindos da prática.

Esta etapa se complementa com a reflexão sobre a reflexão na ação, olhar retrospectivamente sobre os fatos.Schön (2000) acredita que ao se distanciar, verbalizar ou escrever sobre o ocorrido o professor pode perceber seu processo de construção dos conhecimentos.

Nesse momento é hora de retomar as anotações, rever o planejamento, em busca de entender quais atividades foram bem recebidas pelas crianças, quais não foram e procurar

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descobrir o porquê de determinadas passagens da aula se desenvolverem dessa ou daquela maneira.

Isso porque os saberes em dança têm uma particularidade: carregam em si a dimensão essencialmente da prática, como abordei anteriormente. Ou seja, são conhecimentos sensíveis que precisam ser vivenciados pelo aluno e pelo professor para que o processo de ensino e aprendizado se efetive. Somente por meio da prática, do fazer em Dança, o professor é capaz de saber se uma atividade foi (in)corporada pelas crianças. Vale ressaltar que não se trata de valorizar o conhecimento tácito em detrimento de outros conhecimentos escolares, mas de colocar a importância dos saberes advindos da prática para os conteúdos escolares fazerem sentido.

Desta maneira, articular o conhecimento na ação com o saberes em dança são caminhos possíveis para um professor reflexivo em dança, capaz de fazer com que a Dança seja experienciada enquanto linguagem artística e área de conhecimento (GODOY, 2013).

Para auxiliar o ensino e aprendizado da Dança para a criança, é necessário esse olhar retrospectivo do professor, do modo como ele estabelece as relações, como aborda as propostas e faz suas observações. Isso faz parte de um ―processo pedagógico crítico e reflexivo que propõe um caminho rumo ao futuro para a construção de um corpo cênico

coerente com a nossa contemporaneidade‖ (MILLER, 2010, p. 93).

Para isso, os três processos de reflexão (a reflexão na ação, a reflexão sobre a ação e a reflexão sobre a reflexão na ação) acontecem de modo complementar (SCHÖN, 1992; 2000). A partir desses processos, espera-se que o professor possa observar quais aspectos estão contribuindo ou dificultando o aprendizado e o desenvolvimento das crianças com o intuito de transformar a sua prática em uma prática reflexiva em Dança.