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A educação nas matizes da inclusão escolar: do que é de quem falamos?

2. CIDADANIA E INCLUSÃO ESCOLAR: REFLEXÕES SOBRE A PROPOSTA DE

2.2 A educação nas matizes da inclusão escolar: do que é de quem falamos?

item, o significado de inclusão escolar e de pessoas com deficiência, visto que na perspectiva de cidadania que discutimos pessoas com NEE constantemente estão em luta para terem seus direitos de cidadãos garantidos22.

2.2 A educação nas matizes da inclusão escolar: do que é de quem falamos?

O princípio da educação para todos com vistas a qualidade do ensino implica atualização, reestruturação e transformação das condições físicas, pedagógicas e organizacional das escolas. Segundo Pletsch; Braun (2008, p.1) uma proposta de educação que se pretenda inclusiva deve ser entendida como,

[...] um processo amplo, no qual a escola deve ter condições estruturais (físicas, de recursos humanos qualificados e financeiros) para acolher e promover condições democráticas de participação dos alunos com necessidades educacionais especiais no processo de ensino-aprendizagem.

A inclusão escolar só é possível se forem dadas condições para que todos os alunos possam avançar na sua aprendizagem e se desenvolver dentro de suas possibilidades. Em outras palavras, a escola deve se adaptar as necessidades dos alunos (BAPTISTA 2003, FIGUEIREDO 2000, MITTER, 2003) e abandonar práticas apenas de socialização para aqueles com limitações orgânicas que, na maioria das vezes, os discriminam e excluem de ter acesso a uma cultura socialmente valorizada. Para tanto, todo sistema de ensino precisa se preparar para atender aos diferentes ritmos de aprendizagem, no sentido de remoção de barreiras e “assegurando uma educação de qualidade a todos através de um currículo apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parceria com as comunidades” (UNESCO, 1994, p. 4).

Para Martins (2006, p.19) a inclusão escolar “É um movimento que busca repensar a escola, para que a escola da discriminação dê lugar à escola aberta a todos”. Glat (2007, p. 16) nesta mesma direção postula que:

22 No mês de junho de 2016 o Supremo Tribunal Federal negou o pedido da Confederação Nacional

dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) para derrubar a obrigação das escolas privadas se organizarem para atender estudantes com deficiência. O STF proibiu, também que tais estabelecimentos cobrem mensalidades mais altas para estes estudantes. Os direitos estão garantidos pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI) Lei 13.146/2015( MOTA, 2016).

A Educação Inclusiva significa um novo modelo de escola em que é possível o acesso e a permanência de todos os alunos, e onde os mecanismos de seleção e discriminação, até então utilizados, são substituídos por procedimentos de identificação e remoção das barreiras para a aprendizagem. Para tornar-se inclusiva a escola precisa formar seus professores e equipe de gestão, a rever as formas de interação vigentes entre todos os segmentos que a compõem e que em nada interferem. Precisa realimentar sua estrutura, organização, seu projeto-pedagógico, seus recursos didáticos, metodologias e estratégias de ensino, bem como suas práticas avaliativas. Para acolher todos os alunos, a escola precisa, sobretudo, transformar suas intenções e escolhas curriculares, oferecendo um ensino diferenciado que favoreça o desenvolvimento e a inclusão social.

A inclusão escolar significa que todos os alunos que estão matriculados na instituição escolar, participam das atividades didáticas de acordo com seu ritmo de aprendizagem e, dessa forma, desenvolvem suas potencialidades. Sendo assim, a inclusão escolar só ocorre se houver respeito às diferenças, reconhecimento e valorização dos conhecimentos que esses alunos podem desenvolver dentro de suas possibilidades (SANTORETTO, 2013).

Para Ainscow (2004) a inclusão escolar se baseia em três princípios: primeiro é necessário a presença do aluno na escola; segundo a participação nas atividades e terceiro a aquisição de conhecimentos, isto é garantir que todos os alunos tenham acesso e aprendam os conteúdos da escolarização e, assim, desenvolvam suas potencialidades.

Nesse sentido, a escola inclusiva respeita os ritmos de aprendizagens, acredita na capacidade dos alunos, busca eliminar as barreiras que podem impedi- los de avançarem na aprendizagem como forma de promover uma educação pautada no respeito à diversidade e comprometida com a aprendizagem de cada aluno. Escolas que desenvolvem práticas com esse viés tendem a romper com o modelo de educação tradicional de métodos homogeneizadores, no qual os procedimentos de ensino focam, primordialmente, a transmissão de conteúdos e a individualização das tarefas de aprendizagem.

Nos processos de inclusão escolar abandonamos a ideia de “aluno ideal” aquele que aprende dentro de um ritmo estabelecido como adequado. A perspectiva é empreender uma prática inovadora que considere as necessidades de aprendizagens dos alunos e invista em suas potencialidades através de práticas significativas. Em resumo: criar condições para que todos os alunos vivenciem as

mesmas experiências e possam progredir nas aprendizagens de acordo com seu ritmo e modo (MACHADO, 2013).

Nesse trabalho, o conceito de inclusão escolar está relacionado a educação de/para todos, e não apenas as crianças que apresentam alguma deficiência. Nesse sentido, Santiago (2004, p. 20) expõe que

Inclusão escolar é, [...], mais do que colocar alunos com deficiência nas escolas, situa-se muito além da atitude de acabar com o atendimento especializado em ambientes segregados, não se limita à formulação de leis e decretos. [...], inclusão é um instrumento importante para assegurar a construção de um modelo educacional que venha a atender todos, e não somente os alunos com deficiência.

A inclusão escolar ao qual teorizamos se aproxima dos processos de cidadania sob a perspectiva de educação para todos. Quando nos referimos a todos estamos querendo dizer que é uma prática educativa direcionada para além das crianças que possuem deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação previstas pela Política Nacional de Educação Especial como público alvo da Educação Especial (2008). Desta forma nos reportamos a Stainbach e Stainback (1999, p.21) quando eles afirmam que a educação inclusiva é “a prática da inclusão de todos - independente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou cultural – em escolas e salas de aula provedoras onde as necessidades desses alunos sejam satisfeitas”. Assim sendo, adotamos uma concepção ampla sobre inclusão escolar e consideramos que

[...] o conceito de educação inclusiva abrange crianças deficientes e superdotadas, bem como aquelas pertencentes a grupos marginalizados ou em situação de desvantagem, tais como as crianças de rua, as que trabalham as que pertencem a minorias linguísticas, étnicas ou culturais etc. Em última instância, trata-se da educação de qualidade para todas as crianças e jovens. (OMOTE, 2003, p. 154)

Os sujeitos da inclusão escolar, na nossa pesquisa de doutorado, são intitulados de pessoas/alunos/crianças com deficiência, pois as professoras participantes da pesquisa não tinham em suas turmas alunos com transtornos global do desenvolvimento ou com altas habilidades inseridos. Conquanto, a Escola

Florescer, no período da construção dos dados, tinham matriculados em suas turmas crianças com deficiência, com transtornos globais de desenvolvimento, além de distúrbios de aprendizagem, sendo denominados de alunos com Necessidades Educacionais Especiais por demandar respostas pedagógicas para atender as peculiaridades destes alunos. O uso da terminologia alunos com Necessidades Educacionais Especiais na Escola Florescer estava embasado na Resolução 005/2009 do município de Natal (anexo 1) ao indicar no Art. 3º que “os educandos atendidos pela Educação Especial são os que apresentam Necessidades Educacionais Especiais (NEESP)”.

As expressões utilizadas para se referirem às pessoas que apresentavam alguma limitação física sensorial ou cognitiva evoluíram ao longo da história e em cada sociedade buscando superar os sentidos negativos que tais termos indicavam. Segundo Carvalho (2008), algumas terminologias como, retardado, aleijado, idiota anormal, entre outros, enfatizavam a limitação da pessoa dando a ideia de que era incapaz e doente.

Nos últimos 50 anos, surgiram outros termos, tais como, excepcional, portador de deficiência, portador de necessidade educacional especial, pessoa com necessidade educacional especial, com objetivo de diminuir e/ou atenuar o preconceito que subjaz aos indivíduos que em suas singularidades apresentam limitações (BRASIL, 1998).

O termo Necessidades Educacionais Especiais foi usado pela primeira vez, no Informe Warnock23 (1978) na Inglaterra, e passou a ser referência em vários países com objetivo de atribuir uma conotação menos depreciativa que não favorecesse a segregação das pessoas que apresentavam algum déficit. A expressão tinha como propósito transferir o foco da deficiência para o processo de ensino e aprendizagem, evitando enfatizar condições pessoais que interferiam na aprendizagem (GONZALEZ, 2002, COLL; PALACIOS; MARCHESI, 2002).

Segundo Gonzalez (2002), a terminologia Necessidades Educacionais Especiais inclui todas as pessoas que apresentam dificuldades da aprendizagem devido a “problemas de maturidade, a procedência de ambientes com privações socioculturais, ou como consequência de intervenções metodológica inadequada da

23 Este informe foi o resultado do 1º comitê britânico constituído para reavaliar o atendimento as pessoas com deficiência, presidido por Mary Warnock. As conclusões do relatório demonstraram que vinte por cento das crianças apresenta NEE em algum período da sua vida escolar.

escola” (GONZALEZ, 2002, p. 113). Coll; Palacios; Marchesi (2002) destacam que o conceito de Necessidades Educacionais Especiais é um conceito-chave, pois abarca outros conceitos como o de dificuldade de aprendizagem, e de provisão de recursos suplementares para atender as necessidades dos alunos e de meios específicos para acesso ao currículo.

O termo Necessidades Educativas Especiais foi adotado em alguns marcos legais para indicar o contingente de alunos da Educação Especial. A Declaração de Salamanca (1994), considerada uma das mais importantes referências internacionais no campo da Educação Especial, utilizou essa conceptualização ao se referir “a todas as crianças e jovens cujas necessidades decorrem de sua capacidade ou de suas dificuldades de aprendizagem” (UNESCO, 1994, p.3).

No Brasil, o uso desta terminologia aparece no âmbito legal em documentos oficiais que estabelecem as diretrizes para a organização da Educação Especial no país. Citamos a Resolução CNE/CBE nº 2/2001 que é decorrente do Parecer CNE/CEB nº 17/2001, no qual estabeleceu as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001) determinando no Art. 2 º que

Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo aas escolas organiza-se para o atendimento aos educando com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos (BRASIL, 2001, p. 1).

Segundo Glat; Blanco (2007), apesar dos alunos com deficiência possuírem características que podem incluí-los no universo dos alunos com necessidades educacionais especiais é preciso destacar que deficiência não é sinônimo de necessidades educacionais especiais. Ou seja, a pessoa que tem uma deficiência pode apresentar uma necessidade educacional especial, mas não necessariamente. Explicando de outro modo, um aluno com deficiência física que tiver na escola boas condições de acessibilidade poderá apresentar um bom desenvolvimento não apresentando uma necessidade educacional especial. Nesse sentido, a resposta pedagógica pode estar no cerne das necessidades educacionais especiais apresentadas pelos alunos com deficiência, haja vista, que a presença de barreiras arquitetônicas, conceituais, atitudinais e pedagógicas podem levar muitos alunos a não aprendizagem.

Quanto à discussão sobre deficiência, Vigotsky postula a concepção de deficiência primária e secundária. A primária é a deficiência propriamente dita, identificada biologicamente através de restrição, disfunção ou sequela (modelo médico). A deficiência secundária diz respeito às desvantagens ou restrições enfrentadas pelas pessoas com deficiência provocadas pela estrutura social, ou seja, a leitura social num esquema comparativo entre a pessoa com deficiência e seu grupo (modelo social). A chamada deficiência secundária é, muitas vezes, mais prejudicial para o sujeito porque está ligada às barreiras atitudinais e pedagógicas que limitam suas possibilidades de inserção social e cultural (MAGALHÃES, 2011).

Diniz (2012) discute o modelo médico e o modelo social de deficiência. No modelo médico a causa da desigualdade social e das desvantagens enfrentadas pelas pessoas com deficiência está na lesão dos corpos e na limitação que produz. Com base nesse entendimento, a pessoa com deficiência era/ é vista como alguém precisando ser curada, tratada e reabilitada.

No modelo social da deficiência “são os contextos sociais pouco sensíveis à compreensão da diversidade” (DINIZ 2012, p.8) que conduzem a pessoa com deficiência a incapacidade, ou seja, as condições socioambientais é que produz situações de deficiência tornando a pessoa incapacitada. Nesse sentido a concepção de deficiência não se refere mais ao corpo com impedimentos ou lesões, e sim, a experiência de restrições sociais vividas por este em uma condição de opressão.

Com esse viés social sobre a deficiência, Omote (1994, p.69) defende:

[...] a deficiência não é algo que emerge com o nascimento de alguém ou com a enfermidade que alguém contrai, mas é produzida e mantida por um grupo social na medida em que interpreta e trata como desvantagens certas diferenças. Assim, as deficiências devem, a nosso ver, ser encaradas como decorrentes dos modos de funcionamento do próprio grupo social e não apenas como atributos inerentes às pessoas identificadas como deficientes.

Essa concepção de cunho cultural e social de compreensão da deficiência orientou as discussões sobre a deficiência com as professoras participantes da investigação na Escola Florescer. Comumente nos encontros de intervenção realizados, como também nas entrevistas, identificamos nos discursos das professoras, a deficiência como um impedimento (modelo médico) das

possibilidades de aprendizagem dos alunos com deficiência. No caminhar da investigação as professoras foram percebendo que as organizações escolares, também, poderiam criar barreiras para aprendizagem desses alunos.

Cabe, portanto, à sociedade, nesse sentido, a escola, eliminar as barreiras físicas, de comunicação, programáticas e atitudinais para que as pessoas com deficiência possam ter acesso a currículos flexíveis e adequação das práticas