• Nenhum resultado encontrado

2.2 Industrialização e urbanização

2.3.2 Educação: o caso de São Paulo

Como vimos no tópico anterior, após a independência, o Ato Adicional de 1834 transferiu para as províncias as responsabilidades sobre a educação. O debate em torno de uma educação primária obrigatória e gratuita aparece em São Paulo ainda no século XIX. Em 1864, um projeto, vetado pela presidência da província, visava tornar obrigatória a

instrução de indivíduos de 7 a 15 anos. O projeto foi vetado principalmente porque a província reconhecia que não tinha condições de ofertar ensino público a todos, e que seria uma violência exigir que crianças freqüentassem escolas, e mesmo multar os pais em caso de descumprimento da lei, quando na verdade não existiam escolas públicas acessíveis à comunidade. Em 1874, o ensino passa a ser obrigatório apenas nas cidades e vilas, onde se dispunha da chamada escola normal. Em São Paulo a obrigatoriedade foi desde cedo atrelada à disponibilidade de meios de promoção da educação, e assim permaneceria sendo até aproximadamente os anos 1930 (BEISIEGEL, 1974).

Deve-se mencionar ainda que a entrada de uma onda de imigração européia no Estado de São Paulo em finais do século XIX e primeiras décadas do século XX, também imprimiu marcas no processo de constituição do sistema escolar paulista. Entre os imigrantes europeus em geral, o índice de analfabetismo era muito mais baixo do que aquele encontrado no Brasil10. O background familiar nestes casos contou muito. No caso da imigração européia que se destinou para os Estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Paraná, onde se formaram colônias etnicamente mais homogêneas, foi comum a fundação de escolas comunitárias11. No caso de São Paulo, o processo migratório teve características um pouco distintas. Primeiro porque foi menos comum a formação de colônias isoladas, tais como aquelas dos Estados do sul. Existiram escolas comunitárias de origem étnica, mas estas tiveram mais espaço no interior do Estado e no meio rural. No meio urbano, mais heterogêneo do ponto de vista étnico, o imigrante europeu foi também um agente social importante, à medida que exerceu pressão sobre o Estado reivindicando escolas públicas para seus filhos.

10 Segundo Kreutz (2007), o grau de alfabetização dos imigrantes que chegaram ao porto de Santos (São

Paulo) entre 1908 e 1932 era de: 91,1% entre os imigrantes alemães; 89,9% entre os japoneses; 71,3% entre os italianos; 51,7% entre os portugueses; 46,3% entre os espanhóis. Neste mesmo período, apenas 20% dos brasileiros eram alfabetizados. Portanto, é razoável considerar que o background familiar dos filhos destes imigrantes era significativamente distinto daquele do brasileiro médio.

11 As escolas comunitárias de base étnica, com um corpo de alunos e professores etnicamente homogêneo,

foram fechadas ou incorporadas à rede pública de ensino ao longo dos anos 1940. Sobretudo no período pós- Segunda Guerra, houve grande preocupação com a questão da integração nacional e construção da identidade brasileira. Havia também o medo em relação à formação de quistos raciais e suspeita quanto a simpatia destas comunidades com o fascismo e o nazismo. Uma obra importante que retrata o embate do Estado brasileiro com a comunidade teuto-brasileira é o livro Nacionalismo e identidade étnica (1982) de Giralda Seyferth.

Desde princípios do século XX, com o aumento da população urbana em São Paulo e diante da obrigatoriedade e gratuidade da escolarização neste meio, inicia-se uma flexibilização radical com vistas a absorver a população dependente da escola primária pública. As medidas adotadas em caráter de emergência foram desde aumentar o número de alunos por classe até diminuir a carga horária escolar de 5 para 3 horas, criando assim novos turnos; improvisar salas de aula em galpões ou qualquer outro espaço disponível; e o que mais a criatividade permitisse em resposta a necessidades não satisfeitas de maior número de professores e de estabelecimentos de ensino. O argumento dos governos da época era de que se fazia necessário atender a todos e, para isso, era preciso aprender a fazer o máximo com o mínimo. O problema é que muitas dessas soluções de emergência se tornaram permanentes.

Após a revolução de 1932, que restabeleceu a centralização político-administrativa do país e culminou na constituição de 1934 (aquela que definia a gratuidade e obrigatoriedade da educação primária em todo o território nacional), o debate recobrou vigor e desta vez em um cenário social em franca mudança articulada com a rápida urbanização. À medida que a população rural se dirigia às cidades, aumentou a clientela escolar, enquanto o analfabetismo se convertia paulatinamente em característico dos rincões rurais isolados do Estado.

A antiga Consolidação das Leis do Ensino de São Paulo, de 1947, entretanto, previa situações em que a obrigatoriedade do ensino primário prescrita pela Constituição Nacional seria deliberadamente suprimida:

São obrigadas à freqüência escolar todas as crianças de 8 a 14 anos.

Parágrafo único: Ficam as crianças em idade escolar isentas da obrigatoriedade:

a) quando residem a mais de dois quilômetros da escola pública ou quando na escola não houver vaga;

b) quando sofrerem de incapacidade física ou mental, ou moléstia contagiosa ou repugnante;

c) quando forem indigentes, e não se lhes possa oferecer assistência escolar. (WEREBE, 1970: 36).

A democratização efetiva da educação em São Paulo pode ser divida em duas fases. A primeira abrange dos anos 1930 até meados dos anos 1960 (BEISIEGEL, 1974), quando a ação pública na área educacional esteve centrada, sobretudo, na construção de prédios

destinados a abrigar instituições escolares. Inicialmente, a prioridade eram as unidades de ensino de nível primário e depois as de níveis mais elevados. Isso foi ocorrendo conforme a própria nova população urbana assimilou a educação formal como uma estratégia de conquista de melhores postos de trabalho técnico-industrial ou nas carreiras liberais e públicas, aumentando a pressão política exercida através do voto em favor dos políticos com algum comprometimento com a área educacional. Vale lembrar que este foi o momento de nascimento e ascensão do populismo, quando as necessidades e aspirações populares se revestiram de maior importância política. A expansão da rede escolar nessa fase se reverteu em importante moeda de barganha eleitoral.

A segunda fase – que se estende a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961 e formação do Conselho Estadual de Educação (1963) – é marcada pela democratização do ensino médio, que na época estava composto de dois ciclos: ginasial (quinta a oitava série) e colegial (os últimos 3 anos do ensino médio de acordo com a LDB de 1961). A expansão dos ginásios foi a maior conquista do período, que posteriormente, em 1971, passaram a compor juntamente com o ensino primário, o chamado primeiro grau. Nesta segunda fase, a educação se reestruturaria propriamente como um sistema que aspira ser igualitário e virtualmente acessível a todos.

Em 1967, no Estado de São Paulo, as crianças em idade escolar nas áreas urbanas já estavam praticamente todas matriculadas nas escolas primárias (WEREBE, 1970). Em situações ideais de correspondência idade-série, o indivíduo que iniciasse os estudos na idade recomendada, 7 ou 8 anos, tinha condições de completar a escolaridade primária por volta dos 11-12 anos. É certo que muitos não cumpriam esta expectativa, mas ainda assim, mesmo nas circunstâncias ideais da época, saía-se da escola e estava-se apto para a inserção no mundo adulto em idades muito aquém dos 20 anos. No período anterior a 1971, ainda que os críticos vissem o ensino médio propedêutico separado do ensino médio profissionalizante como um traço contrário à democracia – pois uns eram preparados para desempenhar funções próprias da elite e outros, para ocupar o chão de fábrica – é fato que para as novas classes populares urbanas, quando os próprios pais vinham do campo, cursar o ginásio, sob uma ou outra condição, representava avançar um degrau a mais na escala social.

Deve-se destacar que a democratização do ciclo ginasial foi tão criticada quanto é hoje a democratização do ensino médio, tal como definido na LDB de 1996. Como hoje, a expansão em massa do ginásio fez com que colar grau deixasse de ser um diferencial, bem como se argumentou que a qualidade da escola pública declinou. Ao receber uma clientela maior e com características sócio-culturais que desafiavam os projetos pedagógicos de professores e gestores, certamente o ginásio já não era mais o mesmo.

Sposito (1984), em seu livro “O povo vai à escola: a luta popular pela expansão do ensino público em São Paulo” retrata detidamente o período compreendido entre os anos 1940 e a LDB de 1971, justamente o período em que se deu a expansão dos ginásios em São Paulo, sobretudo na capital. Para se ter uma dimensão da mudança, em 1940 havia apenas três ginásios em toda capital paulista. Em 1970, contava-se com mais de quatrocentos. A autora descreve o papel ativo dos movimentos sociais organizados em torno das associações de bairro (as Sociedades Amigos de Bairros) na reivindicação de escolas de ensino médio ginasial. Destaca, portanto, a expansão do ensino para oito anos em São Paulo como resultado não apenas do marketing político eleitoreiro do populismo, mas sim como uma conquista das camadas populares capazes de exercer pressão sobre os demais agentes políticos.

Segundo Sposito (1984), com a expansão dos ginásios em meados dos anos 1950 e 1960, São Paulo antecipou o oferecimento de ensino público gratuito de oito anos (os 4 anos do primário mais outros 4 de ginásio). A LDB de 1971, no caso de São Paulo, teria apenas:

[Instituído] no plano jurídico-formal orientações que já estavam sendo empreendidas aqui no Estado há alguns anos, transformando a educação secundária ginasial em escola de 1º Grau tendencialmente aberta à maioria da população, sob a forma de escola única, obrigatória e com oito anos de duração (SPOSITO, 1984: 78).

Portanto, em síntese, a expansão da educação no Estado de São Paulo e a progressiva extensão dos níveis educacionais para além da educação primária, acompanharam: 1) a demanda por mão-de-obra qualificada em um momento de diferenciação das atividades econômicas; 2) o crescimento da urbanização do Estado e a difusão da escola como um valor, especialmente para as camadas populares, pois os pais sem escolaridade e migrantes

das áreas rurais baseando-se na própria experiência vivida, sabiam das dificuldades de inserção de analfabetos e semi-analfabetos na estrutura social urbana.