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Um traço essencial dos estudos recentes sobre transição para a vida adulta é a tentativa de construção de uma visão holística que contemple e integre os diferentes eventos – saída da escola, entrada no mercado de trabalho, constituição de domicílio independente da família de origem, formação do par conjugal e nascimento do primeiro filho – tal como já afirmamos no início desta tese. A finalidade principal do presente capítulo é apresentar brevemente as ferramentas metodológicas que têm sido utilizadas para tornar factível esta proposta holística, e atermo-nos mais detidamente à exposição dos procedimentos adotados especificamente neste trabalho.

Os estudos sobre a transição para a vida adulta foram beneficiados pelo desenvolvimento de inovações metodológicas que permitem um novo olhar sobre o curso da vida como um todo. Segundo Gauthier (2007), as duas principais estratégias metodológicas empregadas em estudos mais recentes apóiam-se em novas aplicações da técnica de event history analysis e análise de entropia. O primeiro procedimento, comumente utilizado na área de Sociologia do Trabalho, em estudos sobre a trajetória dos indivíduos no mercado de trabalho, foi adaptado de forma que se ampliou o seu escopo de aplicabilidade às trajetórias de vida. Utilizam-se técnicas de análise de seqüência de eventos (AASSVE, BILLARI e PICCARRETA, 2007) que fundem as trajetórias educacional, produtiva, reprodutiva e familiar dos indivíduos em um continuum, reconstruindo as trajetórias de vida dos sujeitos e tipificando-as. A opção por esta abordagem está condicionada à disponibilidade de dados longitudinais, ou surveys específicos que recuperem informação retrospectiva e captem as idades em que ocorreram os principais eventos envolvidos na transição para a vida adulta.

A Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV de 1996-97) é a única base de dados que poderia permitir uma visão integrada das transições escola-trabalho e nascimento do primeiro filho, seguindo esta perspectiva de análise de seqüência de eventos e tipologias de trajetórias

individuais. Isto, porque ela coleta informação retrospectiva sobre a idade de ocorrência de eventos pertinentes à educação e à atividade econômica de homens e mulheres; e a idade das mulheres ao ter o primeiro filho (OLIVEIRA, 2005). Mas esta base possui alguns inconvenientes. Nascimento (2008) assinala os principais limites desta base para o estudo da transição para a vida adulta: 1) ainda que muitas vezes a PPV seja utilizada em estudos que focalizam a realidade nacional, seus dados se limitam às regiões Sudeste e Nordeste com muitas restrições referentes ao nível de desagregação permitida, pois a amostra é muito pequena; 2) foi coletada a informação sobre idade ao constituir união apenas para as mulheres de 12 a 49 anos que estavam unidas, ou seja, não há como assegurar que se trata da primeira união. Também foram excluídos deste quesito todos os homens, as mulheres que não se encontravam unidas e as mulheres acima de 49 anos; 3) a idade ao nascimento do primeiro filho também foi indagada exclusivamente às mulheres de 12 a 49 anos. O recorte etário privilegiando as mulheres em idade reprodutiva denota que o histórico da fecundidade feminina, e mais especificamente a fecundidade marital, foi uma das preocupações centrais que guiou o delineamento do universo da pesquisa.

A limitada representatividade geográfica da PPV também é mencionada por Oliveira (2005), pois mesmo para as regiões Nordeste e Sudeste não é possível a desagregação dos dados por Estado da federação. A desagregação viável considera cada área metropolitana (Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo), e quatro outros blocos formados pelas áreas rurais e urbanas das duas grandes regiões Nordeste e Sudeste.

No presente trabalho não utilizamos a PPV justamente por não permitir o tratamento em separado do Estado de São Paulo. Mas o estudo de Oliveira (2005) traz conclusões importantes sobre o calendário da transição para a vida adulta no Brasil, considerando a entrada no mercado de trabalho, a saída da escola e o nascimento do primeiro filho. Em linhas gerais, quanto maior a escolaridade da jovem, mais ela adia a maternidade. No caso das mulheres, a entrada no mercado de trabalho ocorre quase simultaneamente à saída da escola. A decisão de ter um filho tende a ocorrer depois da inserção no mundo produtivo, embora a entrada na maternidade siga concentrada no grupo etário 20-24 anos. No caso dos homens jovens, costuma vigorar a simultaneidade entre escola e trabalho.

De fato, para o caso brasileiro e paulista não há fontes específicas que permitam a apreensão adequada de todos os eventos sócio-demográficos tradicionalmente presentes nos estudos internacionais da transição para a vida adulta contemporâneos. O que não nos impede de explorar ao máximo os recursos existentes.

A abordagem metodológica seguida no capítulo IV vale-se do segundo instrumental técnico mencionado por Gauthier (2007) e citado acima: a análise de entropia. Uma grande vantagem desta técnica é a possibilidade de produzir uma visão geral da transição para a vida adulta tão somente a partir de dados censitários. Trata-se de uma metodologia proposta por Fussell (2005) e posteriormente explorada em outros trabalhos (FUSSELL, 2006; FUSSELL, GAUTHIER e EVANS, 2007; GRANT e FURSTENBERG Jr., 2007; VIEIRA, 2008)

que permite descrever as mudanças na transição para a vida adulta ao longo do tempo. A partir dela, pode-se identificar se o processo de transição tem se dado mais precoce ou tardiamente em distintos momentos históricos. Contudo, a técnica de análise de entropia mostra-se mais robusta na discussão da despadronização do curso de vida e, por conseguinte, da transição para a vida adulta. Isto porque é uma medida sintética do grau de heterogeneidade das combinações de status (escolar, produtivo, residencial, marital e parental) nas diferentes idades ao longo do curso de vida.

Elegemos como fontes de dados para este estudo os censos demográficos de 1970 e 2000 retratando o caso específico do Estado de São Paulo. Como exposto no capítulo II, tratam-se de dois momentos bastante distintos da história sócio-econômica e demográfica brasileira e paulista. Uma particularidade do censo de 1970 em relação aos demais censos realizados no Brasil é o fato de ter sido levado a cabo em plena ditadura militar, em meio ao “milagre econômico” e à intensificação das migrações internas, sendo por isso mesmo uma poderosa radiografia de uma sociedade sob o impacto do êxodo rural, da concentração populacional nos grandes centros urbanos acompanhada pelo fenômeno da favelização. Um país que se maravilhava com as possibilidades abertas pela modernização, mas que também já evidenciava marcas de tensões sociais produzidas pelo acirramento das desigualdades e

da pobreza que estavam longe de serem aplacadas pelo crescimento econômico e desenvolvimento que se colocavam em marcha20.

O censo de 2000 retrata um país que ainda padece de graves problemas sociais. Porém o cenário é outro, marcado pela consolidação do regime democrático e pela maior abertura e dependência da economia nacional aos reveses da globalização. Essas linhas contextuais gerais distintas em 1970 e 2000 podem coincidir com formas de organizar e vivenciar o curso de vida diferentes, mais ou menos padronizadas, segundo as alternativas e constrangimentos de cada período.

Como veremos ao longo do capítulo IV, os resultados mais interessantes encontrados com a aplicação da análise de entropia são os que consideram o sexo e a renda domiciliar per capita dos indivíduos. Ou seja, há indícios de que as diferenças de gênero e sócio- econômicas são as que mais produzem impacto sobre o processo de transição.

Na seqüência, explicitamos passo a passo a aplicação da análise de entropia utilizando dados censitários, a forma de interpretação e análise do índice de entropia e medidas complementares.