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As mudanças demográficas no Brasil e em São Paulo na segunda metade do século

Os primeiros indícios da transição demográfica no Brasil costumam ser situados no período pós-Primeira Guerra Mundial, quando as taxas de mortalidade começam a declinar substancialmente (PATARRA e OLIVEIRA, 1988; MEDICI e BELTRÃO, 1995; BRITO et al., 2008c).

A transição demográfica é comumente descrita como sendo composta por quatro fases. Na primeira fase, caracterizada por altas taxas de fecundidade e de mortalidade, a população apresenta baixo crescimento vegetativo. Na segunda fase, marcada pelo declínio

das taxas de mortalidade e conservação das taxas de fecundidade em patamares elevados, o crescimento vegetativo aumenta consideravelmente. Na terceira fase, as taxas de mortalidade se conservam baixas e as taxas de fecundidade já apresentam um substancial declínio, é o momento em que a estrutura etária da população se transforma. A base da pirâmide etária se estreita, e progressivamente perde o formato piramidal, assumindo lentamente um aspecto retangular. Nesta fase, o crescimento vegetativo vai se desacelerando gradativamente. Contudo, isso não impede que haja ainda um incremento populacional significativo em termos absolutos, dada a inércia populacional. Ou seja, analogamente, é como um carro que está sendo freado, mas logicamente não interrompe seu movimento abruptamente. Na quarta fase, as taxas de fecundidade e mortalidade se estabilizariam em níveis muito baixos, a população encontra-se bastante envelhecida e o crescimento populacional é nulo ou negativo (ALVES e BRUNO, 2006; BRITO et al., 2008c). Dentro deste esquema bastante geral da transição demográfica, o Brasil estaria na terceira fase deste processo (BRITO et al., 2008b e 2008c).

Tabela 1

Indicadores sócio-demográficos selecionados, Brasil (1940-2000)

Ano Taxa de fecundidade total Taxa de analfabetismo (15 anos e mais) Esperança de vida (em anos) 1940 6,16 54,50 42,74 1950 6,21 50,30 45,90 1960 6,28 39,50 52,37 1970 5,76 32,94 52,49 1980 4,35 25,41 61,74 1991 2,85 20,07 66,03 2000 2,38 13,63 68,55

Fonte: IBGE, Séries Estatísticas & Séries Históricas. Diversas tabelas.

http://www.ibge.gov.br/series_estatisticas/

Na segunda metade do século XX, ocorre um notável crescimento da população brasileira. Em 1940, a população do país não atingia sequer a marca de 50 milhões de habitantes. A maior taxa de crescimento populacional se registrou entre os anos 1950 e 1970, quando esteve por volta de 2,5 a 3% ao ano. O resultado disso é que houve um acréscimo de 35 milhões de pessoas em apenas vinte anos. Ou seja, entre 1950 e 1970, a população total do país passa de aproximadamente 60 milhões para 95 milhões de

habitantes. Entretanto, a partir dos anos 1970, observa-se uma tendência consistente de declínio da fecundidade, desencadeando a desaceleração do crescimento populacional. Em 2000, a população recenseada foi de aproximadamente 170 milhões de habitantes. Mesmo tendo uma taxa de fecundidade próxima do nível da reposição populacional (2,1 filhos por mulher) em 2000, estimativas apontam que a população continuará a crescer até a década de 2030. As últimas projeções divulgadas pelo IBGE (2008) indicam que, baseado no declínio da taxa de crescimento da população brasileira observado desde os anos 1970, atingiremos a taxa de crescimento zero por volta de 2039. A partir de então, se confirmadas as projeções de que a taxa de crescimento populacional manterá seu ritmo de declínio, tornando-se negativa, a população brasileira começará a diminuir em números absolutos.

A melhora de alguns indicadores sócio-demográficos, como a diminuição da mortalidade infantil e o aumento da esperança de vida, ganha paulatinamente maior importância para explicar o crescimento populacional que o próprio nível da fecundidade. Em 1940, a mortalidade infantil no Brasil era de 140 óbitos por mil nascidos vivos. Em 2000, esse índice cai para 30 por mil (BRITO et al., 2008a). Simultaneamente, entre 1940 e 2000, houve um acréscimo de expressivos vinte e seis anos na esperança de vida do brasileiro (Tabela 1). Dados mais atuais indicam que em 2008 a mortalidade infantil declinou ao patamar de 23,3 óbitos por mil nascidos vivos e a esperança de vida do brasileiro de ambos os sexos atinge sua melhor marca já registrada, 72,78 anos (IBGE, 2008).

Um dos maiores efeitos da dinâmica demográfica dessas últimas décadas – sob impacto da diminuição da mortalidade (especialmente infantil), declínio da fecundidade e aumento da esperança de vida – tem sido a transformação da estrutura etária da população. Duas características básicas desse processo são: o crescimento da população em idade ativa e o paulatino envelhecimento populacional.

Embora muito se discuta sobre as conseqüências do envelhecimento populacional em longo prazo, a população brasileira é ainda fundamentalmente jovem. Mais da metade da população tinha menos de 30 anos em 2000, enquanto em países que já sofrem os efeitos do envelhecimento populacional (Japão, Itália ou mesmo França), a idade mediana da população rondava os 40 anos (BRITO et al., 2008a).

Carvalho (1993) ressalta que a estrutura etária de uma população é produto da fecundidade e da mortalidade do passado, de sete ou oito décadas anteriores. Os altos níveis de fecundidade registrados em décadas anteriores à propagação dos métodos anticoncepcionais, que só se difundiram a partir dos anos 1960, associados à queda da mortalidade observada no país desde os anos 1950, explicam a elevada proporção de mulheres em idade fértil no Brasil de finais dos anos 1970 e início dos anos 1980

(BERCOVICH e VELLÔZO, 1985). Assim, mesmo com o declínio rápido e generalizado da fecundidade, o volume de crianças nascidas nos anos 1980 foi muito grande, por conta do número de mulheres tendo filhos naquele período.

Cunhou-se em Demografia o conceito de descontinuidade etária para dar conta dessas situações nas quais:

(...) por alterações dos fatores que intervêm na dinâmica demográfica – fecundidade, mortalidade e migrações – a pirâmide etária pode sofrer alargamentos ou estreitamentos na sua base, ou seja, aumento ou diminuição do número de nascimentos. (...) Chamamos de onda o momento de alargamento de uma determinada faixa etária (SEADE, 1998: 3).

As ondas jovens8 ocorrem no Brasil nos períodos 1965-1980 e 1990-2000. A década de 1980 foi, por conseguinte, o momento da retração das coortes jovens (BERCOVICH e MADEIRA, 1990).

Tabela 2

Evolução das taxas de fecundidade total, no Brasil e no Estado de São Paulo (1950-2000)

Ano Brasil São Paulo

1950 6,21 4,56 1960 6,28 4,48 1970 5,76 4,10 1980 4,35 3,20 1991 2,85 2,28 2000 2,38 2,05

Fonte: Para Brasil, IBGE, Séries Estatísticas & Séries Históricas (disponível on line no site do IBGE). Para São Paulo, de 1950 a 1980, Berquó (1986). Para São Paulo 1991 e 2000, IBGE/Resultados definitivos do Censo 2000, disponível on line.

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Termo usado para se referir ao fenômeno em que uma coorte larga, comparada às coortes adjacentes, ascende ao grupo etário 15-24 anos, conforme a definição de juventude empregada por Bercovich e Madeira (1990).

Pode-se afirmar que as mudanças demográficas descritas acima foram vivenciadas ora mais cedo, ora mais intensamente, no Estado de São Paulo. É notório que o declínio da fecundidade em São Paulo precede o declínio observado para o país (Tabela 2). Da mesma maneira, Bercovich e Madeira (1993: 6) qualificam a onda jovem como mais “sinuosa” e “com maior vigor” neste Estado se comparado ao quadro nacional. Isto é devido à combinação de uma variação mais abrupta na fecundidade e na mortalidade, e também à migração, que tradicionalmente atrai jovens para o Estado.

O Brasil e o Estado de São Paulo possuíam nesse início de século a maior população jovem de sua história demográfica. Segundo publicação da Fundação SEADE (1998) – Sistema Estadual de Análise de Dados de São Paulo – já se previa que, em 2000, haveria no Brasil 15,7 milhões de jovens entre 20 e 24 anos, representando 10,5% da população total. Já se previa também que, em 2005, eles ultrapassassem a marca dos 17 milhões. Especialistas em descontinuidades demográficas alertavam que na virada do milênio teríamos uma onda jovem (BERCOVICH e MADEIRA, 1992) de proporções notáveis, com demandas crescentes por educação e trabalho, que travaria competição acirrada em um contexto social onde as oportunidades seriam restritas.

Como veremos a seguir, o contexto sócio-econômico em que boa parte da primeira onda jovem atinge a idade adulta é significativamente diferente daquele que marcaria a transição da segunda onda, sendo esta última justamente a de maior volume.