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Mudanças na transição para a vida adulta e suas ambigüidades

Um dos autores mais proeminentes dos estudos sobre o desenvolvimento humano definiria o indivíduo adulto jovem como alguém que:

Está preparado para a intimidade, isto é, a capacidade de se confiar a filiações e associações concretas e de desenvolver a força ética necessária para ser fiel a essas ligações, mesmo que elas imponham sacrifícios e compromissos significativos (ERIKSON, 1976: 242).

Mas, para além de criar e manter vínculos de intimidade, o que para Erikson é próprio do adulto é a “generatividade”, entendida como:

(...) a preocupação relativa a firmar e guiar a nova geração, embora haja indivíduos que, por falta de sorte ou porque tenham aptidões especiais e genuínas em outras direções, não aplicam essa orientação a seus próprios filhos. E, na realidade, o conceito de generatividade abrange sinônimos mais populares como produtividade e criatividade, que, entretanto, não podem substituí-lo (...). Se este livro [Infância e Sociedade] fosse sobre a idade adulta, seria

indispensável e proveitoso comparar agora as teorias econômicas e psicológicas (começando com as estranhas convergências e divergências de Marx e Freud), e proceder a uma análise da relação do homem com sua produção assim como com a sua progênie (ERIKSON, 1976: 246-247).

Nesta visão, a generatividade é a essência da vida adulta. O indivíduo adulto é aquele que realiza, constrói, produz e reproduz. Quando se discute o alongamento da juventude, ou de modo mais amplo, o prolongamento de períodos transitórios – a ponto de alguns defenderem que já não se tratam de transições, mas de novas fases em si, ou “novas idades da vida” (RAMOS, 2006) – de uma perspectiva coletiva, o que está em xeque é quem produz e se reproduz. A resposta à questão de quem produz e se reproduz lentamente se modifica, seja pelo fato de os jovens se manterem por mais tempo dependentes de seus pais e sem prole, ou em razão de os mais velhos se manterem ativos e muitas vezes integrados ao mundo produtivo por mais tempo.

Em carta endereçada à Associação Brasileira de Estudos Populacionais, Livi-Bacci (2006) chama a atenção para uma faceta ainda pouco explorada do adiamento da entrada dos jovens na idade adulta ou, como ele denomina: a “síndrome do adiamento”. Ele vê esse retardamento da entrada na vida adulta como um “gradual desempoderamento dos jovens”. Na prática, isso significa que, no contexto europeu, os jovens de hoje têm menor importância social, política e econômica do que já tiveram em décadas anteriores. Isto porque, atualmente:

Os jovens saem do sistema educacional mais tarde, entram no mercado de trabalho mais tarde, deixam a casa dos pais e constituem sua própria família também mais tarde. A transição deles tem sido mais lenta e sua completa autonomia – incluindo independência econômica – é alcançada em idade mais alta quando comparado à geração de seus pais. Isso tem importantes conseqüências sociais e econômicas: os jovens estão sendo “desempoderados” social, política e economicamente. Eles estão constrangidos a permanecerem nos níveis mais baixos da escala social por mais tempo, na política eles contam menos do que antes, e seus salários e rendimentos têm declinado proporcionalmente em relação à renda das pessoas com idade acima de 40 anos (LIVI-BACCI, 2006: s.n.) [tradução livre].

Ainda acompanhando este raciocínio, do ponto de vista demográfico, o “desempoderamento” dos jovens favorece o declínio da fecundidade por dois motivos: 1) Por razões biológicas. Pois com o adiamento em massa da constituição de prole para depois dos 35 anos – quando a capacidade de procriação começa a declinar – aumenta o risco real de que muitas pessoas tenham um número de filhos menor do que gostariam ou

simplesmente não consigam ter filhos por conta da baixa fertilidade ou infertilidade; 2) Por razões econômicas. As necessidades educacionais e de formação são numerosas e caras. Somado a isso, mantidas as condições atuais, pode-se prever que o sustento dos filhos onerará os pais por muito mais tempo, aproximadamente por três décadas. Conseqüentemente, à medida que os custos de ter e criar filhos crescem, a fecundidade tende a se manter em patamares bastante baixos, se de antemão os pais calculam que terão de se preocupar com o sustento de seus filhos por quase três décadas.

É certo que, como afirma Livi-Bacci, no caso brasileiro, a formação de uniões conjugais e a reprodução seguem sendo prerrogativas dos jovens6. Mas, se por um lado, as atuais mudanças no processo de transição para a vida adulta não chegam a ser uma ameaça direta à fecundidade nacional, como, ao que parece, pode estar ocorrendo na Europa, elas repercutem diretamente em outro debate bastante caro à demografia brasileira: a chamada “janela de oportunidades”.

Há no processo de transição demográfica um período mais ou menos longo no qual as populações concentram maiores proporções de indivíduos jovens e adultos e, portanto, em idade produtiva. É o que se convenciona chamar de “janela de oportunidades” (CARVALHO e WONG, 1998). A suposição básica postulada por essa noção é de que, havendo mais gente apta a produzir e menor número de crianças precisando de serviços básicos de saúde e educação (bem como uma proporção ainda reduzida de idosos), há a possibilidade de

6 De acordo com Mensh (1998: 64), a idade média ao formar a primeira união conjugal tem se mantido

praticamente constante não só no Brasil como em boa parte da América Latina. Dados da DHS (Demographic

Health Survey) datados da década de 1990 para países latino-americanos selecionados (Bolívia, Brasil,

Colômbia, República Dominicana, Guatemala, Haiti, Paraguai e Peru) revelam que mulheres de diferentes coortes de nascimento (com idades entre 25 e 44 anos ao responder o questionário), tinham invariavelmente formado par conjugal em idades praticamente idênticas. No caso do Brasil, a idade média ao formar o primeiro par conjugal foi de 21 anos em todos os grupos etários considerados (25-29 anos; 30-34 anos; 35-39 anos e 40-44 anos). Porém, o tempo transcorrido entre o casamento e o nascimento do primeiro filhos, aumentou. Enquanto entre as mais velhas o nascimento do primeiro filho ocorreu em média 17 meses após o estabelecimento da união, esse intervalo de tempo foi gradativamente aumentando, de forma que entre as mulheres do grupo etário mais jovem o primeiro filho nasceu em média 21 meses após a união. Nugent (2006), afirma que em todo o mundo tanto os homens quanto as mulheres têm se casado mais tarde à exceção da América do Sul. Vale sublinhar que esta visão que tende a ver a realidade latino-americana como praticamente estática ao longo do tempo é proveniente da literatura estrangeira. Filgueira e Peri (2004), entretanto, afirmam que nos países do Cone Sul (Argentina, Chile e Uruguai) – pioneiros no que se refere à primeira transição demográfica, no contexto latino-americano – já é possível identificar características que seguem a tendência de convergência com as linhas gerais da segunda transição demográfica, como por exemplo, o aumento da idade ao casar.

menores gastos sociais, aumento da renda per capita e maior poupança. No entanto, muito se tem salientado que a equação não pode ser tomada de forma tão direta, uma vez que a janela de oportunidades pode se “estreitar”, ou ainda se “fechar” à medida que o processo de transição demográfica avança desvinculado de um crescimento econômico satisfatório. Trata-se de um daqueles casos já clássicos onde o comportamento demográfico pode facilitar, mas nunca determinar ganhos sociais. Para que a fase favorável ao desenvolvimento passe de uma possibilidade à realidade, tanto a economia quanto as políticas públicas precisam agir em sintonia com o momento demográfico. Em parte, os desafios e os limites da janela de oportunidades, se estamos aproveitando-a ou não, depende de como nossos adolescentes e jovens fazem a transição para a vida adulta hoje, e sob quais condições.

Nos anos 1970, muito se especulou sobre a relação entre crescimento demográfico e desenvolvimento econômico. Havia os pessimistas, que viam a eminência de uma explosão demográfica e com ela o aumento da pobreza. Havia os otimistas, para quem o crescimento demográfico deveria ser visto como um estímulo ao crescimento econômico; e havia ainda os neutralistas, defensores da tese de que o crescimento populacional não tem efeito significativo sobre o crescimento econômico. Hoje ainda permanece em alta o debate sobre a relação entre população e desenvolvimento econômico, mas houve uma importante mudança de foco. Como afirmam Bloom, Canning e Sevilla, (2003), há uma dimensão crítica da dinâmica populacional que hoje não pode mais ser ignorada. Trata-se da evolução da estrutura etária da população. O significado prático disso é que a questão não é mais apenas o ritmo do crescimento populacional, mas as mudanças operadas na distribuição etária da população enquanto ela cresce (BLOOM, CANNING e SEVILLA, 2003). A mudança na estrutura etária é um processo que necessariamente acompanha a transição demográfica

(MALMBERG e LINDH, 2004).

Percebe-se empiricamente que o crescimento populacional durante a transição demográfica não é uniformemente distribuído ao longo dos diferentes grupos etários. Ao contrário, as taxas de crescimento de diferentes grupos etários seguem um padrão desigual. No início da transição demográfica, o crescimento populacional é concentrado na porção mais jovem da população. Em um segundo momento, cresce a participação dos jovens

adultos e, na seqüência, aquela da população de meia-idade e do segmento composto pelos idosos, em sintonia com o envelhecimento populacional. A partir desta constatação, multiplicam-se os estudos que buscam encontrar uma correlação entre estrutura etária e crescimento econômico, tendo como proxy o aumento da renda per capita (LINDH e MALMBERG, 1999; MACUNOVICH, 1998; BLOOM, CANNING e SEVILLA, 2003; LIDDLE, 2003; MALMBERG e LINDH, 2004).

Um dos argumentos mais utilizados na defesa de políticas de intervenção buscando baixar a fecundidade em países em desenvolvimento era de que os pobres eram pobres porque tinham muitos filhos. Assumia-se o pressuposto de que o aumento da fecundidade ou dos nascimentos tem um impacto imediato negativo sobre a economia, embora o eventual aumento da população economicamente ativa em longo prazo tenha impacto positivo. Alta fecundidade gera alta taxa de dependência infantil, é mais gente inativa (0-14 anos) dependendo de um número muito menor de pessoas em idade ativa (15 a 64 anos). Isso fez muitos especialistas suporem que o aumento percentual da população em idade ativa seria um fator que contribuiria para o aumento da renda per capita. Entretanto, estudos internacionais recentes mostram que um aumento da proporção de indivíduos jovens de 15 a 29 anos na população tem efeito ambíguo, ou mesmo negativo, sobre o aumento da renda per capita (LINDH e MALMBERG, 1999; LIDDLE, 2003; MALMBERG e LINDH, 2004).

Para Malmberg e Lindh (2004), o aumento da proporção de jovens de 15 a 29 anos é particularmente negativo para o crescimento da renda per capita em populações nas quais a esperança de vida é superior a 70 anos. Quando a esperança de vida é superior a 70 anos, os melhores prospectos de geração de renda parecem se concentrar entre as pessoas de 30 a 64 anos. Portanto, espera-se um aumento da renda per capita se a população alcança uma elevada proporção de pessoas nessas idades. Cogita-se que o aumento da proporção de jovens de 15 a 29 anos não tem produzido o aumento da renda per capita esperado, em virtude do aumento da duração da educação e até da provável reestruturação do curso da vida afetado pelo aumento da esperança de vida.

Pode-se dizer que se as expectativas referentes às diferentes fases da vida mudam, o balanço entre idades consideradas dependentes e idades produtivas também pode ser em

jovens estão de fato se qualificando, podem estar adiando sua contribuição social, mas futuramente ela será dada à altura do investimento feito. Por outro lado, se a dependência se prolonga por ausência de alternativa, como resultado de uma simples exclusão social, quer do sistema produtivo ou educacional, a idéia de um bônus demográfico cai por terra.