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O TRABALHO DO PROFESSOR: UM OLHAR PELA HISTÓRIA

2.1 Mestre, Sofista, Professor, Educador, Tutor: Diferentes Nomes e Funções ao Longo da História

2.1.1 O Educar na Época Antiga

Refletir sobre a educação antiga é, sobretudo, trazer as idéias que foram desenvolvidas nos dois grandes impérios da época: o grego e o romano. Observa-se que a educação no mundo antigo teve seu foco voltado para uma educação de classes que se diferenciava pelos papéis e funções sociais que os indivíduos exerciam. Assim, os registros encontrados sobre a prática educativa na época antiga expressam, de maneira geral, a educação de uma classe social, qual seja, a classe hegemônica da época.

Na Grécia antiga, a educação se pautou pelos ideais de Esparta e de Atenas. Em Esparta, a educação caracterizou-se por uma concepção de ensino sem muitas exigências, no sentido de levar os estudantes a ter uma profissão, mas, voltando-se para a formação do caráter do cidadão por meio do esporte e da música (Debesse & Mialaret, 1977), numa primeira fase e, numa fase posterior, para a valorização da leitura, da escrita e da retórica. De acordo com Moroe (1978), a finalidade da educação espartana era a de propiciar a cada jovem uma educação física que gerasse um corpo perfeito, além de coragem e obediência às leis na busca de formar um soldado ideal.

Os primeiros mestres da educação antiga estavam na família. As crianças eram assistidas pelas mães, mas estas se submetiam à autoridade do pai, o qual era o responsável pela escolha de um tutor para a educação do filho (Franco, 1999). Os meninos eram retirados de casa e iam estudar para serem bons soldados em casernas públicas mantidas pelo Estado. Percebe-se, portanto, que a educação da época, além de ser dirigida a uma classe social, era voltada quase que exclusivamente ao sexo masculino. Na história humana ocidental, a mulher passou a ter vida pública somente a partir do século XX. Assim, ao apresentar neste capítulo a história da educação, em particular, como o trabalho do professor tem se organizado, o sujeito central dessa história será o homem, pois não foi encontrado registro de mulheres mestres, tutoras e/ou professoras. É possível que tenham existido mulheres que exerceram essas atividades, mas o registro da história que se tem é um registro do olhar masculino. Logo, reflete o olhar daqueles que têm dominado a sociedade ao longo dos séculos.

Segundo Debesse & Mialaret (1977), a prática educativa na época podia ser percebida por meio da arte. Os autores destacam que era comum encontrar vasos desenhados com formas que representavam o processo de ensino- aprendizagem, onde as crianças olham e escutam o mestre. Assim, o modelo de aprendizagem da época antiga era o de transmissão dos saberes pelo mestre, e a criança utilizava como recurso cognitivo principal a memória auditiva.

Para Franco (1999), a educação na cidade de Esparta se caracterizou por uma educação prática, mas sem excluir a oratória. Era destinada aos jovens aristocratas, os quais se reuniam no palácio do rei para receber treinamento por meio dos jogos e das competições. O mestre que cuidava da

educação física dos jovens, ou seja, o mestre de ginástica, era extremamente valorizado. Em contrapartida, conforme Manacorda (2004), os mestres das letras do alfabeto não tinham a mesma autoridade. Segundo esse autor, o ofício de mestre, de um modo geral, não era valorizado, pois se ensinava aos amigos e parentes por uma questão de dignidade, não sendo apropriado ensinar por dinheiro.

A educação em Atenas se baseou na “Paidéia”, conforme Franco (1999), a qual se preocupava com uma formação humana e livre e que sustentou-se pelas mais diversas experiências sociais e culturais. Os grandes mestres da educação ateniense foram os sofistas. Estes se destacaram pela capacidade de elaborar grandes discursos, ou seja, uma exemplar retórica, e, ainda, por voltar a educação para a atenção ao homem e suas questões. Isto se deu por meio de um elaborado discurso. Por conseguinte, a concepção de educar em Atenas, na época antiga, esteve relacionada à palavra e à escrita, objetivando formar o indivíduo como um grande orador.

Antes dos sofistas, quem exercia a função de educar em Atenas eram os mestres1, os quais desenvolviam as suas funções de acordo com os

mestres de Esparta, ou seja, não cobravam pelo que faziam, pois receber dinheiro por ensinar era algo indigno, segundo Debesse & Mialaret (1977). Foram os sofistas que introduziram a cobrança de honorários pelas lições que proferiam. Para os autores citados, foram os sofistas os que tiveram a capacidade de “criar uma profissão” (Debesse & Mialaret, 1977, p. 28), pois conseguiram elevar o status da atividade que realizavam ao colocá-la num nível elevado de reconhecimento social. Assim,

“A época, portanto, é a de uma tomada de consciência do papel da educação e do educador. A confiança nova dos sofistas na natureza humana, passível de aperfeiçoamento e de progresso, dá ao educador, provido dos conhecimentos necessários, o papel de cultivar as disposições brutas do indivíduo.” (Debesse & Mialaret, 1977, p. 28)

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Nas várias referências consultadas, observa-se que não há uma unanimidade na denominção dos professores da época antiga. Alguns autores chamam de mestres, outros de preceptores, outros de tutores e outros de pedagogos.

Deste modo, é possível afirmar que a profissão de professor, conforme é conhecida no atual contexto histórico, tem as suas raízes no advento dos sofistas e de toda a sua pedagogia embasada, sobremaneira, na capacidade de transmitir saberes por meio de uma notável oratória. A prática pedagógica dos sofistas, que se relaciona, essencialmente, ao paradigma pedagógico da “educação bancária”2,

conforme Freire (1983), fez escola, e, ainda hoje, é a prática pedagógica reinante nos diversos níveis de ensino. É apenas no século XX que novas idéias pedagógicas sobre o como educar começam a tomar corpo na escola formal e, de certa forma, a mudar o paradigma de uma educação centrada no professor, para uma educação voltada para a aprendizagem do aluno.

A educação romana, inicialmente, era totalmente prática, uma vez que se ensinava o que era útil para a vida. Sendo assim, a principal escola das crianças foi sua própria casa. Mais tarde, os romanos, com o avanço do império helenístico, passam a ser influenciados pela educação grega; organiza-se, dessa forma, toda uma rede de escolas que valorizam os conhecimentos de gramática e de retórica e, assim como na Grécia, a figura do mestre nasce como uma profissão servil. Para Manacorda (2004),

“(...) os depoimentos literários falam mais freqüentemente do desprezo do que da estima para com esta profissão. (...) o uso das punições corporais empregadas pelos pedagogos e pelos mestres contra os seus discípulos, como também as vinganças dos discípulos, que não hesitavam em quebrar-lhes a cabeça e chicotear seus velhos pedagogos e mestres (...).” (Manacorda, 2004, p. 90)

Com esta afirmação, pode-se evidenciar um total desprezo pelo trabalho desse profissional, apesar da sua importância na estrutura societal, tendo em vista que era por meio da educação que esses mestres propiciavam às crianças e jovens a formação dos guerreiros e dos cidadãos da aristocracia da época. De todo modo, a profissão de professor, na atualidade, advém do nascimento e

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Paulo Freire, educador que refletiu criticamente sobre a educação centrada na transmissão de conhecimentos, resumiu essa pedagogia como sendo “educação bancária”. Em seu livro Pedagogia do Oprimido (1983), compreende que na "educação bancária”, o educador não se comunica com os educandos, mas faz

“comunicados”, realiza depósitos. E os educandos se comportam como recipientes, pois pacientemente recebem os depósitos e os memorizam.

desenvolvimento do capitalismo, o qual, pela sua natureza de exploração, possibilitou a organização dos trabalhadores, os quais construíram sindicatos e realizaram grandes lutas para que pudessem se constituir enquanto categorias profissionais.

Cabe enfatizar que, na educação antiga, a didática predominante era a de transmissão de conhecimentos pelos mestres e a conseqüente repetição pelos alunos. Assim, as funções do professor da época antiga se manifestam pela capacidade do mestre em treinar os seus aprendizes nos conhecimentos necessários à manutenção da sociedade vigente. Mesmo com funções tão importantes, uma vez que era o mestre quem formava a aristocracia para a continuidade do poder dos dominantes, esse profissional não detinha valor social, não era reconhecido pela elite. Talvez esteja nesse contexto a origem da desvalorização que os professores têm vivenciado na contemporaneidade.