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O TRABALHO DO PROFESSOR: UM OLHAR PELA HISTÓRIA

2.1 Mestre, Sofista, Professor, Educador, Tutor: Diferentes Nomes e Funções ao Longo da História

2.1.3 O Educar na Modernidade

A retomada do comércio ainda na Idade Média possibilitou o desenvolvimento de uma economia baseada na mercadoria e no dinheiro. O mercador, que já existia em algumas regiões da Europa, generaliza-se e torna-se figura central no início da modernidade. Outro fato relevante que marcou o nascimento da Era Moderna foi a laicização da política ao surgirem os Estados Nacionais, os quais passaram a controlar toda a vida em sociedade, afastando, portanto, a Igreja da gestão da sociedade. O aparecimento da burguesia como uma nova classe social que passa a promover o novo processo econômico em andamento foi, também, um elemento central para o desenvolvimento da Era Moderna.

Toda essa transformação histórica conduziu a uma educação totalmente diferenciada da Idade Média. O Renascimento retoma a educação liberal difundida pelos gregos, a qual sustentava o ideal do desenvolvimento do indivíduo por meio da educação. O modelo de homem que começa a ser difundindo é o do

homo faber, e para isso, a escola passa a ser cada vez mais importante para o

desenvolvimento da sociedade moderna, pois torna-se o grande aparelho de formação desse novo homem.

A educação renascentista baseia-se numa concepção que, segundo Franco (1999), é a de conformação e emancipação. A conformação dá ênfase à socialização do homem na sociedade e a emancipação corresponde aos espaços de liberdade que a nova sociedade deve propiciar para que os indivíduos possam se movimentar (Franco, 1999). Neste sentido, o conteúdo da escola passa a ser o de desenvolver os princípios de emancipação e conformação, com vistas à formação do homem com capacidade de transformar a sociedade, e que, além do mais, seja autônomo e participativo.

Na perspectiva de emancipação e conformação, a educação renascentista se volta para a formação do indivíduo na tentativa de torná-lo um “(..) sujeito livre, autônomo e responsável (...)” (Franco, 1999, p. 218), com vistas a uma atuação ativa na construção da sociedade. Essa visão tem como finalidade se contrapor à educação centrada nas doutrinas da Igreja, a qual se pautou pela negação do indivíduo e o cultivo da busca pela salvação.

Conforme Moroe (1978, p. 153), “A finalidade da educação era concebida como a de formar o homem perfeito, apto a participar das atividades das instituições sociais dominantes”. Desta forma, nota-se que a educação reproduz a sociedade de determinada época com a finalidade de perpetuar uma visão de mundo e garantir a sua continuidade.

Para a realização desse ideal, a escola torna-se o principal instrumento e por, isso, passa a ser tão fundamental. Em decorrência dessa centralidade da escola, o professor ganha outro olhar, uma vez que é este profissional que irá “reproduzir” os interesses da sociedade da época. O professor passa a ser valorizado e reconhecido socialmente. Assim, é na modernidade que se inicia o processo de configuração da profissão de professor conforme está desenhado na atualidade.

Segundo Debesse & Mialaret (1977), o aluno deve ser guiado pelo professor ou mestre, e todo o ensino constitui uma direção que o mestre elabora para o aluno. Para os autores, a relação entre mestre e alunos é de autoridade do mestre, a qual é sentida pelos alunos “(...) como força, longe de esmagar, libera e dá impulso (...)” (Debesse & Mialaret 1977, p. 315). Isto exemplifica a prática pedagógica desse período, marcada pelo papel do mestre e pela repetição automática pelos alunos dos ensinamentos que o mestre transmite.

Apesar da valorização que o professor passa a usufruir com a modernidade, tendo em vista os interesses da nova sociedade, o processo educativo continua centrado na transmissão de informação, ou seja, o professor é o grande conhecedor dos conteúdos a serem desenvolvidos e, para que estes sejam repassados, o mestre os sistematiza e escolhe os recursos pedagógicos a serem utilizados. O aluno recebe os ensinamentos do professor e é considerado, portanto, mero receptor passivo das informações. Desta forma, a atividade pedagógica acontece por meio da organização de estímulos adequados em busca de respostas

aceitáveis. A base dessa concepção é a visão empirista do conhecimento, a qual compreende que o indivíduo é uma tabula rasa e que o processo de aprendizagem se desenvolve em função dos estímulos que este recebe do ambiente. Em contrapartida, encontra-se a perspectiva construtivista de ensino-aprendizagem, a qual valoriza a construção do conhecimento pelo aluno. Nesta concepção, o papel do professor é o de fazer a mediação entre o aluno e o conhecimento. Entretanto, tal concepção só toma corpo na segunda metade do século XX.

Em suma, o advento da modernidade representou para a história da humanidade um processo de transformação que alterou todos os aspectos da vida humana no que tange à política, à cultura, à economia e à educação. É nessa época que muda a compreensão do papel do professor. Esse profissional passa a ter outro significado para a sociedade moderna, pois torna-se elemento fundamental para o desenvolvimento da nova sociedade. Além disso, o professor começa a se constituir como categoria profissional, pois é nesse período da história que surgem os sindicatos, os quais passam a lutar para construir uma identidade própria da profissão, no sentido de fazer com que os professores não sejam meros reprodutores da cultura dominante. Busca-se edificar uma prática oposta aos valores difundidos pela classe social hegemônica, a burguesia. Isto se torna possível, apenas, com a Revolução Industrial, a qual transforma a modernidade no que diz respeito ao sistema produtivo, sobretudo no processo de organização do trabalho.

Observa-se que, na primeira fase da modernidade, período anterior à Revolução Industrial, no campo educacional há um movimento de valorização do professor, tendo em vista a importância desse ator social para a disseminação do ideal da época moderna. Contudo, não existia uma ação articulada desses profissionais com vistas a interferir no processo de construção da sua identidade e, ainda, agir organizadamente na sociedade.

A Revolução Industrial produziu uma nova classe social, o operariado. O processo de exploração a que os operários foram submetidos na nova sociedade industrial, por meio da utilização do trabalho de crianças e mulheres, jornadas de mais dez horas de trabalho e outras formas de exploração, levou ao surgimento dos sindicatos no século XIX, com o objetivo de defesa dos trabalhadores diante das condições de opressão a que estavam submetidos.

O nascimento dos sindicatos possibilitou que os trabalhadores se unissem e, de alguma maneira, se apresentassem em pé de igualdade diante dos patrões, à medida que, ao negociar salários, redução de jornada de trabalho e outras reivindicações, não se é obrigado a aceitar as imposições dos patrões. Assim, o sindicato tornou-se o representante dos interesses de toda a classe trabalhadora, organizando os assalariados e evitando que continuassem na luta isolada junto aos patrões.

A Revolução Industrial motivou a existência de modelos ideológicos que se contrapõem: o burguês, inspirado no positivismo; e o proletariado, ligado ao socialismo. Essas duas visões sobre como a sociedade deve ser organizada influenciaram o debate pedagógico, e duas concepções de educação passaram a dominar o debate sobre como a educação deve ser conduzida. O projeto pedagógico positivista, que tem dominado a sociedade, coloca a ciência como centro, e esta é vista como o conhecimento fundamental do mundo moderno, o qual tem como base a indústria. Para isto, a educação se organiza por meio de disciplinas (herança das empresas capitalistas) e o foco do ensino é na instrução. A perspectiva pedagógica socialista, que se contrapõe ao positivismo, defende uma pedagogia que busque desenvolver uma mentalidade igualitária , não individualista, e que todos os homens devem ter acesso ao desenvolvimento integral da sua personalidade (Franco, 1999, p.p. 468, 477).

O debate que se produziu em torno dessas duas concepções de educação fortaleceu os diversos sindicatos de professores, de modo a elaborarem uma visão sobre que educação a sociedade deve construir e sobre qual papel o professor deve ter na escola. Em geral, as entidades sindicais estiveram mais ligadas à concepção socialista. Ao desenvolver no seio dos professores, em particular dos que atuam nos sistemas públicos de ensino – considerando aqui a realidade brasileira – uma concepção de educação baseada nos princípios socialistas, os sindicatos conseguiram colocar em questão a concepção positivista de educação e proporcionaram, muito timidamente, é claro, o debate e a construção de novas perspectivas pedagógicas. Isto foi importante para que os professores, enquanto categoria profissional organizada em sindicatos, conseguissem direitos trabalhistas, antes impossíveis de serem efetivados.

Os sindicatos, sobretudo no século XX, foram se disseminando por diversas categorias profissionais e passaram a ter um papel muito mais amplo do que lutar por melhores salários. Conseguiram, no caso dos professores, lutar para garantir em leis a sua valorização enquanto profissionais. No Brasil, na Constituição de 1988, Art. 206, Inciso V, está prevista

“valorização dos profissionais do ensino, garantindo, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela união.”

Em que pese tal garantia ser apenas para os professores da educação pública, pois na educação privada as condições de trabalho dos professores não são as melhores, este artigo é um avanço, pois esta garantia só se materializou na Lei maior em função da luta organizada dos professores por meio dos seus sindicatos.

Portanto, a luta dos professores tem possibilitado que as suas funções não sejam apenas determinadas pelos interesses pedagógicos de quem historicamente tem dominado a sociedade, mas também pelas demandas que esses profissionais têm conseguido apresentar no processo político de construção da educação.