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Eficácia da norma constitucional

1. os servidores estatutários, sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de cargos públicos; 2 os empregados públicos, contratados sob o regime

2.6 A NORMA-MATRIZ DA CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA: O ARTIGO 37, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

2.6.1 Eficácia da norma constitucional

Relembrando a clássica lição de José Afonso da Silva, não há norma constitucional alguma destituída de eficácia. Todas as normas constitucionais têm eficácia, a diferença está no grau de seus efeitos jurídicos. O referido autor discrimina três categorias: a) normas

constitucionais de eficácia plena; b) normas constitucionais de eficácia contida; c) normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida:

Na primeira categoria incluem-se todas as normas que, desde a entrada em vigor da constituição, produzem todos os seus efeitos essenciais (ou têm a possibilidade de produzi-los), todos os objetivos visados pelo legislador constituinte, porque este criou, desde logo, uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto. O segundo grupo também se constitui de normas que incidem imediatamente e produzem (ou podem produzir) todos os efeitos queridos, mas prevêem meios ou conceitos que permitem manter sua eficácia contida em certos limites, dadas certas circunstâncias. Ao contrário, as normas do terceiro grupo são todas as que não produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado150.

As normas de eficácia plena possuem aplicabilidade direta, imediata, integral. As normas de eficácia limitada são de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida. As normas de eficácia contida também são de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, porque estão sujeitas a restrições previstas legalmente ou dependentes de regulamentação que limite sua eficácia e sua aplicabilidade.

Segundo os ensinamentos de José Afonso da Silva, as normas de eficácia limitada são todas as que “dependem de outras providências para que possam surtir os efeitos essenciais colimados pelo legislador constituinte”151. Podem ser de dois tipos: a) as

definidoras de princípio institutivo ou organizativo; b) as definidoras de princípio programático.

Assim, as normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que dependem da edição de lei que venha a complementar sua eficácia. Somente quando for editada essa lei, terão eficácia plena. Exemplos: artigo 20, § 2.º, da Constituição Federal (“A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei”); artigo 33 da Constituição Federal (“A lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos Territórios”).

Abraça-se aqui a definição de normas de eficácia de José Afonso da Silva:

são aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos

150 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.

81-83.

termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados152.

As normas constitucionais de eficácia contida são aquelas que não dependem de lei para sua aplicabilidade plena. São de aplicabilidade imediata e direta. A lei apenas conterá seu alcance. Enquanto essa lei não for editada, a norma pode ser aplicada integralmente. Como exemplos: artigo 5.º, VIII, da Constituição Federal (“ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”); artigo 5.º, XIII, da Constituição Federal (“É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”).

Como se enquadra a norma objeto de estudo, insculpida no artigo 37, IX, da Constituição Federal, que dispõe que “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”, na classificação proposta?

Depreende-se que a lei deverá indicar as situações incomuns ou urgentes que permitem a contratação temporária sem concurso, bem como o prazo de duração, sem esquecer a excepcionalidade da medida e a impossibilidade de que os contratos se eternizem no tempo.

Cabe à lei definir o tipo de situação ensejadora dessa contratação por tempo determinado. Portanto, não haverá como supor que a lei em apreço deva indicar cargos ou empregos a que se possa chegar, sem concurso, por meio dos contratos temporários aludidos. Não há como arrolá-los ou qualificá-los, pois o que a Constituição certamente quis obviar foi o enfrentamento de situações anômalas, de exceção, logo, de repercussões imprevisíveis. Daí a impossibilidade de antecipar quais as funções e quantas demandariam provisório preenchimento para atender as contingências suscitadas por eventos invulgares153.

No âmbito federal, foi editada a Lei n.º 8.745, de 9 de dezembro de 1993, que sofreu inúmeras alterações pelas seguintes leis: Lei n.º 9.849/99, Lei n.º 10.667/2003, Lei n.º 11.123/2005, Lei n.º 11.204/2005, Lei n.º 11.784/2008, Lei n.º lei 12.314/2010, Lei n.º 12.425/2011, Lei n.º 12.772/2012, Lei n.º 12.871/2013 e Lei n.º 12.998/2014.

152 SILVA, 2008, p. 116. 153 MELLO, 1991, p. 80.

Sobre o artigo 37, IX, da Constituição Federal, são válidos os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em circunstâncias incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos). A razão do dispositivo constitucional em apreço, obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimos importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma

necessidade (neste sentido, “necessidade temporária”), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem

insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar154.

E se não houver lei? Concorda-se com a posição de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem é possível efetuar contratações baseadas no artigo 37, IX, da Constituição Federal antes de editada a lei futura, pois, em razão da dinâmica do mundo, podem surgir necessidades, situações urgentes que não admitem a inércia legislativa.

É que as necessidades que vêm suprir não aguardam o surgimento da lei em apreço para, só então, disciplinadamente irromperem. Visto que a Constituição as considerou de relevo suficiente para lhes dedicar uma atenção peculiar, seria incabível admitir que a inércia legislativa paralisasse a operatividade imediata do preceito, inibindo se extraísse dele tudo que fosse, desde logo, aproveitável155.

Em algumas decisões, o Supremo Tribunal Federal tem exigido a previsão em lei dos casos possíveis de contratação temporária156.

Ao comentar o voto do relator, Ministro Maurício Correa, proferido na ADI n.º 2.125-7 – “No mínimo a norma atacada teria que ser específica, designando as atividades a serem ocupadas por contratação temporária e não genérica e abrangente como acabou por ser redigida [...]”–, Florivaldo Dutra de Araújo afirma tratar-se de interpretação equivocada do Texto Constitucional, que prejudica sua adequada aplicação: “Por mais que o legislador queira, não é capaz de imaginar, a priori, todos os casos específicos em que, no futuro, poderão surgir necessidades temporárias de excepcional interesse público”157.

154 MELLO, 2013, p. 290, grifos do autor. 155 MELLO, 1991, p. 83.

156 ADI n.º 2.125-7, RE 168.566; ADI-MC 890; ADI-MC 1.219; ADI 1.500; TRF3 – AI

01050946820074030000 – Sexta Turma – Relator Desembargador Federal Mairan Maia – Decisão: 15 dez. 2011 – Publicação: 12 jan. 2012.

157 ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Requisitos constitucionais para a contratação temporária de servidores

públicos. In: FORTINI, Cristiana (Org.). Servidor público: estudos em homenagem ao professor Pedro Paulo de Almeida Dutra. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 124-126.

Segundo Florivaldo Dutra de Araújo, o entendimento de que todos os casos de contratação temporária devam estar previstos em lei tem gerado, no âmbito federal, um acentuado casuísmo legislativo, quase sempre por meio de medidas provisórias, editadas toda vez que o Executivo encontra-se diante de nova situação considerada de excepcional interesse público. Completa o autor: “Bem melhor que esse casuísmo legislativo seria a edição de leis que trouxessem previsões de contratação mediante conceitos abertos158, a serem aplicados pelo administrador, em cada caso, pela emissão de atos administrativos motivados”159.

Ivan Barbosa Rigolin entende que a norma do artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal, a um só tempo, é de eficácia contida e de eficácia plena. Explica:

Contida quanto à necessidade de que a lei seja editada para disciplinar o regime especial; plena quanto à limitação de competência, ratione

materiae, a que se deve sujeitar aquela lei, ou seja: ela só poderá

disciplinar – e poderá fazê-lo desde já – “casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”. Quanto ao trecho entre aspas o comando constitucional é inequívoco e dá todos os elementos essenciais à sua inteligência e à edição da lei, a qual, portanto, já pode, dentro daquelas limitações, ser editada; quanto a isso é, então, de eficácia plena160.

Defende-se que o comando constitucional do artigo 37, IX, exige a edição de uma lei que venha completá-lo e conferir-lhe possibilidade de aplicação. Trata-se, pois, de típica norma de eficácia limitada, pois precisa de uma legislação futura, observados os casos de necessidade temporária de excepcional interesse público.

E surge a seguinte questão: qual será o regime jurídico aplicado quando não houver lei disciplinando? Entende-se que poderia haver remissão ao regime estatutário a que pertence a unidade da Federação, seja federal, estadual ou municipal, aplicando os dispositivos no que couber aos servidores temporários.

2.6.2 Competência legislativa concorrente: legislação no âmbito federal, estadual,

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