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3.1. Refletindo a intencionalidade do ato educativo do curso prolongado:

3.1.2. Eixo Estudo

Para o movimento, estudo é tudo o que contribui para a reflexão de uma realidade, de um acontecimento, de uma ação política. Portanto, estudo é entendido como trabalho de base, como, por exemplo, a realização de uma noite cultural ou de uma mística. Estudo, então, também é luta, é organização de uma roça, são as relações que se estabelecem entre a militância. O momento estudo vem sendo compreendido como espaço de dialogicidade em sala de aula, proporcionado pelos educadores. Adota-se, como metodologia, seminários e

círculo de debate, realização de leitura coletiva nos momentos de estudo em

núcleos ou em sala, síntese dos conteúdos, reflexão escrita, estímulo a estudo independente e trabalho final em forma de projeto de pesquisa.

Nos intervalos das aulas, sempre procuram agrupar com músicas e palmas, por acreditarem na dispersão do cansaço e na descontração, além de ser uma excelente forma de receber as pessoas que retornam à aula.

A proposta dos seminários busca promover o hábito da leitura, da sistematização das idéias, além de ser uma prática da oralidade, propondo-se a apresentação de um livro por núcleo. Dos livros sugeridos, é apresentada uma contextualização da obra, a partir das idéias centrais destacadas para uma discussão coletiva e posteriormente trabalhada em mística.

Vários autores são lidos para a realização dos seminários, em que os participantes procuram abordar vida e obra de importantes pensadores e personagens históricos, como Florestan Fernandes, Josué de Castro, Paulo Freire, Olga Benário, Karl Marx, Rosa Luxemburgo, Zumbi, Antônio Conselheiro e vários outros. Provavelmente a figura mais destacada nos seminários de todas as

edições do Prolongado é Che Guevara. É como se o revolucionário argentino encarnasse um amplo modelo de ser humano, personificando valores e exemplos que merecem ser seguidos.

Quanto ao círculo de debate, a proposta também tem a finalidade de proporcionar a sistematização oral e escrita, contribuindo nos momentos de análise e discussão das obras de biografias dos lutadores e lutadoras do povo. No encaminhamento da atividade, dois núcleos apresentam uma obra e o aprofundamento se dá com a discussão entre os núcleos, mas com abertura para a participação de todos.

A leitura coletiva é outra dinâmica da proposta metodológica. Acontece nas primeiras horas da manhã de segunda a sexta, de 6h30 às 7h15, proporcionando a criação de hábitos de leitura e contribuindo na ampliação do vocabulário e compreensão de texto. Os debates acontecem nos núcleos a cada três dias para esclarecimento de dúvidas e comentários das impressões dos livros.

A síntese dos conteúdos deve estimular uma melhor organização das idéias e sistematização dos conhecimentos, contribuindo na aprendizagem e na prática da escrita. A coordenação pedagógica orienta na reflexão das temáticas apresentadas pelos educandos por síntese oral. Problematiza-se o debate dos conteúdos estudados no dia para a elaboração escrita de um roteiro com os conceitos trabalhados.

A reflexão escrita é uma forma de diário sobre as impressões individuais de cada participante, contribuindo para um melhor acompanhamento e contribuição da coordenação, que sugere temáticas semanalmente. Possibilita uma reflexão individual das vivências cotidianas dos participantes que são geradoras de diálogos com a coletividade.

Apesar de muitas vezes se sentirem forçados a escreverem nos cadernos, vários jovens vão desenvolvendo sua escrita nesse instrumento. Mas a finalidade do caderno de reflexões também contempla a dimensão da reserva pessoal. Muita coisa que o jovem não quer expor publicamente ele o faz na esfera particular e, se a coordenação sentir a necessidade de um diálogo mais próximo com a pessoa, procura realizar um aprofundamento oral nas questões mencionadas pela escrita. Muitos desentendimentos de várias ordens podem ser evitados com esse recurso. O jovem Valter relata uma situação em que seu

diálogo com a coordenação, intermediado pelas suas declarações no caderno, o que possibilitou que ele seguisse no curso e percebesse outras relações do Movimento:

A primeira semana pra mim foi um choque! “Meu irmão...” Todo dia tinha um cadernim de reflexão. Eu colocava lá: “eu quero ir me embora. Eu quero ir me embora” (risos). Até que passou a primeira semana, a mulher que dava o cadernin pra nós chegou e “Valdecir vamos conversar que o negócio num tá certo”. “E o que foi que eu fiz de errado?”. Ela disse: “você num fez nada, só que toda noite na sua reflexão você faz a reflexão do dia. Você relata o que aconteceu no dia e você coloca ‘eu quero ir s’imbora”... “Lógico! É o que eu quero. Eu quero ir embora.” E ela falou: “O que tão fazendo de errado aqui contigo?”; “Não, num tem ninguém fazendo nada de errado comigo. Eu que to no lugar errado”. Ela foi e me perguntou: “Por que tu acha que tá no lugar errado?”. Aí eu peguei e disse: “isso aqui não tem nada a ver comigo cara. O que eu era lá fora é uma coisa. O que eu sou aqui dentro, tão querendo me transformar em outra”. Aí eles falaram: “não tão querendo te transformar. Você que tá se transformando. Porque na medida que você tá aqui recebendo formação, ... alguma coisa dentro de você vai se modificando. Você vai... aos poucos você vai percebendo que a realidade que está aí à sua volta não é realmente como colocavam pra você. Você daqui pra frente, se você continuar, você é quem vai ser o sujeito, e não o objeto dessa realidade que tá acontecendo aqui”.

Essa mesma situação também será retomada mais adiante, posto que ela encerra muitos debates em torno das relações indivíduo-movimento- coletividade. Por hora, contentamo-nos em ver como ela ilustra fortemente a necessidade de um processo transparente de utilização dos recursos pedagógicos de que o Movimento dispõe.

Como trabalho final, o projeto propõe que os jovens elaborem um projeto de pesquisa ou elaborem um ensaio sobre questões de seu cotidiano e problemas do seu contexto. A idéia é estimular a produção teórica para a vida prática na organização do movimento, tentando utilizar os saberes construídos e reconstruídos no curso como solução a problemas que dificultam o desenvolvimento da comunidade. Com o incentivo à pesquisa, pretende-se estimular a sistematização e a elaboração das idéias, bem como a clareza dos objetivos. A proposta é que pesquisa seja apresentada individualmente ou em dupla para toda a turma e aberta ao debate, sendo analisada pela coordenação, por representantes dos setores estaduais e pela turma.

Trata-se de uma atividade de difícil execução, devido ao pouco tempo que os jovens têm para amadurecer as idéias provenientes da leitura das primeiras horas do dia e a rotina cansativa das aulas e tarefas coletivas. Contudo, mesmo que a inviabilidade disso seja propagada como um insucesso da proposta,

convém considerar a importância (para até mesmo qualquer realidade pedagógica) de se propor uma aplicação de saberes na composição de respostas aos problemas do meu contexto. Não é essencialmente essa a mola da ciência, ainda que a tecnologia de hoje seja desvirtuada pelo consumo?