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1.3. Os Sem Terra e a organização de um movimento social popular

1.3.2. Experiências da luta camponesa

As experiências de organização de camponeses nos revelam que, entre os vários movimentos ocorridos no território brasileiro, estes não apresentavam “unidade na forma de sua expressão, de sua organização, de seus objetivos, eles apresentam uma certa unidade quanto à causa” (MARTINS, 1986, p. 79). A luta dos camponeses contra a grande propriedade foi se efetivando com a luta da classe trabalhadora. Os movimentos camponeses não tinham clareza de unidade na forma de expressão porque apresentavam características diferenciadas, pelo caráter da região em que atuavam e pela variedade de grupos de trabalhadores existentes como foreiros, posseiros, moradores e trabalhadores assalariados.

Segundo Silva (2000), na década de 50 os camponeses haviam se organizado enquanto classe, devido à União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB), o Movimento dos Agricultores Sem Terra (MASTER) e as Ligas Camponesas no Nordeste. Mesmo sofrendo represálias e sendo extintas pela ditadura, as Ligas ainda evoluíram no sentido de definir a reforma agrária radical, ou revolução camponesa. Para Morissawa (2001), a história das Ligas tem continuidade com o MST e Martins (1986, p. 89), justifica: “para as Ligas, a reforma somente seria radical se alcançasse em seu conjunto o direito de propriedade da terra, se acabasse com o monopólio de classe sobre a terra e desse lugar à propriedade camponesa, inclusive a estatização da propriedade.”

Mas em que o MST se diferencia dos demais movimentos camponeses, anteriores ou contemporâneos? Os estudos de pesquisadores e cientistas políticos apontam o MST como organização social de abrangência nacional, com capacidade organizativa em que se destaca a sua criatividade nas formas de manifestação pública das suas reivindicações. Outro ponto fundamental é que o MST tenha mudado a pauta das lutas dos trabalhadores brasileiros, atualizando-a ao mundo globalizado e ampliando as reivindicações clássicas dos trabalhadores do século XIX. Como ressalta GOHN (2000, p. 114-5):

O MST introduziu uma nova agenda à pauta já tradicional dos trabalhadores rurais (de acesso à terra para nela morar e produzir), composta de três novas reivindicações: acesso ao crédito, numa política de democratização da propriedade, apoio técnico aos assentamentos, e organização do trabalho em cooperativas de produção.

As estratégias de ocupação da terra foram se delineando diante da realidade de cada acampamento e assentamento, estabelecendo a idéia de que ter terra não implica em condições reais de moradia e produção. Então foram sendo pontuadas novas reivindicações que garantissem a subsistência desse novo modo de vida coletiva. Por exemplo, a necessidade da obtenção de crédito para homens e mulheres, sendo essa uma condição essencial para a permanência da terra, desde que as pessoas possuíssem documentos8. Outra demanda ocorre por apoio técnico, que precisa se efetivar com a elaboração de projetos de desenvolvimento dos assentamentos, mas que devem ser propostos por militantes capacitados em cursos técnico-agrícolas, já que muitas vezes técnicos externos e descomprometidos com o movimento elaboram propostas que resultam no endividamento das famílias e conseqüente abandono da terra.

Além de tudo isso, a produção dos assentamentos precisa se organizar em cooperativas. E quanto a isso, o movimento já conta com inúmeras experiências positivas, principalmente no sul do país, estudando maneiras de ampliação dessa prática.

Todas essas ações do MST são vivenciadas pelo movimento dialético da conjuntura política, que se pauta no cotidiano, fazendo emergir novas situações que resultam em mudança no agir das pessoas. De forma que as necessidades dos trabalhadores rurais estão se modificando na medida em que as relações sociais e de trabalho exigem novas posturas, hábitos e ações diante da realidade. Para viver hoje em um assentamento não basta só saber cultivar a terra. É preciso que os camponeses assumam a sua condição de cidadãos, sendo reconhecidos seus direitos e a sua participação no processo de organização da sociedade. Nesse processo de inserção dos camponeses na vida social, o MST trabalha na construção de uma nova cultura camponesa que realize uma reforma intelectual e moral, sendo reflexo de uma autoconsciência crítica proporcionada pela organização das massas pelos dirigentes, ou intelectuais orgânicos (SCHERER-WARREN, 1987).

8 Vale lembrar que documentação, mesmo sendo uma exigência para a participação cidadã, era e talvez ainda seja, uma coisa rara entre muitos camponeses.

Desta forma, a práxis que o MST se constitui é tanto objetivação do homem e domínio da natureza quanto realização da liberdade humana. Nessa compreensão, destacamos o pensamento filosófico acerca da práxis com Kosik

(1976, p. 225):

Na práxis se realiza a abertura do homem para a realidade em geral. No processo ontocriativo da práxis humana se baseiam as possibilidades de uma ontologia, isto é, de uma compreensão do ser. A criação da realidade (humano-social) constitui o pressuposto da abertura e da compreensão da realidade em geral. A práxis como criação da realidade humana é ao mesmo tempo o processo no qual se revelaram em sua essência, o universo e a realidade.

A realização de uma práxis do sujeito Sem Terra, se efetiva pela ampliação do seu olhar sobre a realidade e das suas reais condições de existência. Está organicamente na luta, é uma opção política diante de tantas exclusões que os trabalhadores rurais passaram no seu processo de formação histórico-política, para a organização de um movimento de luta de classes. Através da organização da coletividade, os sujeitos se fortalecem e se recriam para a sua emancipação.

A conquista de uma autonomia política vem ocorrendo pela aprendizagem ao longo das experiências das lutas e pela capacidade de reelaborar práticas. No exercício de construir saberes, princípios e valores, o MST elaborou uma Pedagogia do Movimento, um jeito próprio de dar visibilidade aos problemas sociais e de propor a superação das contradições de classe.

CAPÍTULO 2

A EDUCAÇÃO E A SUPERAÇÃO DE SUAS CONTRADIÇÕES NA FORMAÇÃO DO SEM TERRA ! " ! ! " # $ % & # $ ! % ! ! $ ! ' ( ) *+,- & .,/+%&

Este capítulo tem o objetivo de discutir a necessidade de construção e sistematização de práticas da Educação Popular no processo de formação política da juventude do MST. Essa formação se confronta com a precariedade da educação no meio rural, o que dificulta o despertar das consciências e a construção de um olhar voltado para a superação das relações de opressão. Isso somente é possível através da construção de uma educação do campo, que articule teorias e práticas na transformação do cotidiano das pessoas.

Isso nos remete à práxis de toda a organicidade do movimento em cujas atividades, que são inerentemente educativas, manifestam-se saberes populares que tendem a se re-elaborar a cada instante. Entendemos por práticas

educativas do MST toda ação que envolve a coletividade no sentido da sua

formação humana, social, econômica e política. Mas para apreender o processo pedagógico dessa formação política, é preciso compreender: Que saberes permeiam a Pedagogia do Movimento? Essa questão nos permitirá compreender mais adiante os fundamentos que permeiam a proposta pedagógica do curso Prolongado.

Partindo do princípio de que o MST vem estimulando nas suas práticas educativas uma educação de cunho socialista de resistência à educação domesticadora, através da ampliação de espaços e tempos educativos, queremos identificar que estratégias de Educação Popular estão sendo desenvolvidas para a mudança da concepção de mundo dos jovens.

Na escola tradicional você é jogado a ser qualquer coisa, e ao contrário a gente tem que dar essa orientação política por parte do movimento, partindo desde a base, desde os cursos prolongados, assim por diante a gente vai tendo essa condição de se afirmar como sujeito, como pessoa, parte de um processo orgânico, que no caso, a serviço da classe trabalhadora, que é o movimento sem terra. (Vinícius – Participante do Curso Prolongado)