• Nenhum resultado encontrado

2.3. A Pedagogia do Movimento nos cursos de formação política de jovens

2.3.2. Princípios Pedagógicos do MST

O método pedagógico da educação do MST que embasa as atividades está em permanente construção, a partir das experiências e das matrizes pedagógicas dos educadores socialistas Makarenko e Pistrak, para uma formação político-ideológica de educação pelo trabalho coletivo.

Na relação dos objetivos de seu método educativo, Makarenko nos convida a pensar as práticas educativas de uma educação comunista, de forma que as pessoas atuem na sociedade e para serem úteis às causas da classe trabalhadora:

Devemos educar um tal indivíduo de que a nossa sociedade precise. (...) Não devemos falar apenas da formação profissional, da nova geração, mas também sobre a educação e um novo tipo de comportamento, de caracteres e de conjuntos, de traços da personalidade que são necessários, precisamente no Estado soviético (2002, p. 271).

Dessa orientação foi se elaborando, ao longo da história do movimento, uma pedagogia própria que, de acordo com Caldart (1999), não cabe na escola,

mas que a escola cabe na Pedagogia do Movimento. Nestes termos, significa

dizer que o MST tem uma pedagogia que forma o sujeito social Sem Terra, que se educa através de suas práticas, com uma identidade historicamente construída em sua luta pela terra. Ou seja, o MST tem a preocupação com a formação humana e com o movimento da história. Partindo desse princípio, tentaremos compreender os significados da Pedagogia do Movimento, dentro de suas práticas educativas, políticas e sociais.

Os princípios pedagógicos, segundo o setor de educação do MST, se referem ao jeito de fazer e de pensar a educação, para concretizar os próprios princípios filosóficos. Dizem dos elementos que são essenciais e gerais na nossa proposta de educação, incluindo especialmente a reflexão metodológica dos processos educativos, chamando a atenção de que podem haver práticas diferenciadas a partir dos mesmos princípios pedagógicos e filosóficos (MST, 1999, p. 4).

Para o MST, a educação é um processo que deverá compreender todas as dimensões da formação humana, estando ligada a um projeto político e

a uma concepção de mundo em que o homem é um sujeito de relações consigo mesmo, com os outros seres humanos e com a natureza, num processo de interação criativa e construtiva, em que, na concepção de Gramsci, emerge uma consciência individual e social, crítica e transformadora de si mesmo e do meio (DAMASCENO, 2005).

É através da concepção de mundo crítica e transformadora que o MST ergue sua bandeira de luta. Portanto, seu projeto político se orienta para a formação de dirigentes com abordagem crítica e problematizadora da realidade, que deverão, por meio da organicidade, criar meios de fortalecimento do coletivo nas lutas pela Reforma Agrária e pela ampliação e sustentação do movimento em âmbito nacional.

A proposta educacional do MST está além da escola porque não se resume a conteúdos decorativos, numa reprodução da escola urbana que escolariza para o mercado de trabalho. Na verdade, a proposta sintetiza-se: na formação de um novo jeito de ser humano e de participação diante das questões de seu tempo; na construção de valores que fortalecem e afirmam a identidade “Sem Terra” ao seu povo, o que torna esta uma organização duradoura e para a vida inteira, com uma herança de luta deixada de geração para geração (CALDART, 1999).

Mas então, como inserir nas escolas de acampamentos e assentamentos a pedagogia do movimento? Primeiramente, como reflexão das discussões do setor de educação nacional, não existe um modelo de escola próprio do MST, existe uma postura diante da tarefa de educar, um processo pedagógico onde todos são estimulados a aprender e a ensinar. Assim vão se percebendo como sujeitos educativos, onde se respeita o tempo de aprendizagem de cada um, o que gera uma reflexão sobre a ação e possibilita a transformação da história do movimento.

O movimento também percebe a importância da escolarização formal e luta pelo acesso e qualidade da escola pública nos assentamentos, com a meta de não deixar nenhuma criança fora dela. Porém, embora em grande parte dos assentamentos já existam escolas de ensino fundamental, os dados da pesquisa do INEP(2005), indicam que as escolas existentes nos assentamentos apresentam muitas deficiências, já que os alunos não conseguem sair das séries iniciais do ensino fundamental. Quanto ao ensino médio, este é praticamente

inexistente, e os estudantes acabam dependendo da escola da cidade. No entanto, na visão do movimento, “a educação do meio urbano prepara o filho do agricultor para sair do assentamento. O ensino nas escolas dos assentamentos e acampamentos deve preparar os estudantes para ficar e transformar o meio rural” (Dossiê MST ESCOLA, 2005).

Para o MST, o movimento é a própria escola, pois as práticas cotidianas são ações educativas de formação de um novo jeito de ser na construção da identidade Sem Terra, ou seja, nesse processo de humanização, o MST vem produzindo uma nova educação chamada de Pedagogia do Movimento, que compreende as ações pedagógicas que se entrelaçam em ações sociais e constituem pedagogias. São elas (MST, 2002):

1. A pedagogia da luta social, que é fruto de um aprendizado próprio do movimento e da luta, em suas contradições, enfrentamentos, conquistas e derrotas. Afirma uma postura de que nada é impossível de mudar e quanto mais inconformada diante da realidade, mais humana a pessoa se torna. Esta pedagogia como conteúdo de estudo na escola, pretende pensar e fortalecer nos educandos uma postura humana dos valores aprendidos na luta, como: inconformismo, contestação, sensibilidade e esperança...

A luta possibilita a produção de saberes quando os trabalhadores rurais se organizam para ocupar. Descobrem motivações dentro de si quando são orientados por intelectuais orgânicos do movimento a discutirem seus problemas em comum. Nessas discussões percebem que a terra é um direito de todos e começam a fazer o diferente. Nesta fala, do coordenador do Prolongado, Élder, percebemos que o sentimento de contestação da realidade de exploração, alimenta a vontade de conquistar uma liberdade, seja esta das condições de opressão e de posicionamento no mundo:

A realidade da ocupação da terra já coloca uma realidade diferente. A ruptura de uma vida submissa ao latifundiário onde de tudo que se produz paga. Então parte da produção vai para o proprietário, então além de ser uma exploração vive também uma submissão às regras, às normas dos proprietários. Isso coloca as pessoas que vivem dentro da fazenda numa realidade muito fechada que faz com que as pessoas não tenham liberdade de fazer determinadas coisas e até mesmo de fazer dentro da terra certas atividades da agricultura, como plantar algumas coisas, que são proibidas pra não ter patrimônio. Porque se tiver patrimônio ao sair da terra isso possa comprometer o fazendeiro. Então a ocupação é o rompimento com isso tudo pra gente, quem tá na

terra é quem dela precisa pra produzir tirar seu alimento e sua auto- sustentação, desenvolvida a partir do contato de uma nova realidade. Então minha participação no movimento se deu a partir da ocupação.

2. A pedagogia da organização coletiva, que estimula a interação de pessoas com histórias de vida comuns e cria alguma idealização para um futuro. O sem terra é um desenraizado que começa a criar raízes na conquista da terra. Na experiência de acampado, exercita a vivência da organização e a percepção da necessidade do movimento. Uma vez na terra, estimula em si mesmo a dimensão da pedagogia da cooperação. No ambiente escolar, essa pedagogia promove novas relações sociais quando todos são responsáveis pela aprendizagem e dificuldades que o companheiro tenha, em elaboração do seu comportamento no compromisso de pensar coletivamente.

Essa pedagogia da organização coletiva tem seus fundamentos na educação comunista de Pistrak (2003), para quem os princípios do trabalho pedagógico estão nas relações com a realidade atual e na auto-organização dos alunos. Por realidade atual, o educador se refere a tudo o que está em torno da vida social cotidiana que contribui na organização de uma nova vida. Para desenvolver o trabalho de auto-organização dos alunos, considera importante desenvolver qualidades, entre elas: a aptidão para trabalhar coletivamente e encontrar espaço nesse trabalho coletivo; habilidade para analisar um problema novo como organizador; e capacidade para criar as formas eficazes de organização. Em relato de um jovem acampado, destaca-se que sua participação no curso Prolongado, possibilitou mudanças em sua vida no sentido: “de aprender a se relacionar melhor com as pessoas e viver em coletividade, cultivando o respeito, a união e superando os individualismos.”

3. A pedagogia da terra, que estimula uma sensibilidade para com o trabalho e com o cuidar da terra, pois esta é, ao mesmo tempo, lugar de morar, trabalhar, de produzir, de viver, de morrer e cultuar os mortos. Na escola, pode contribuir na historicidade do cultivo da terra e da sociedade, despertando para uma educação ambiental.

4. Pedagogia do trabalho e da produção, que busca criar um novo sentido para o trabalho do campo, novas relações de produção e de apropriação dos resultados do trabalho, o que já começa nos assentamentos que vão sendo conquistados. O trabalho tem uma potencialidade pedagógica e a escola pode

torná-lo mais plenamente educativo, na medida em que contribui para que as pessoas percebam seu vínculo com as demais dimensões da vida humana.

No curso Prolongado o trabalho é desenvolvido de forma que todos sejam responsáveis por ele. Seja no trabalho doméstico, onde os jovens dividem as tarefas e passam a assumir funções que, em alguns casos, não tinham o hábito de fazer em casa. Como exemplo, temos o relato da experiência do jovem Santana, do Acampamento Olga Benário, com relação à organização do trabalho doméstico no curso: “Aprendi a lavar roupa, coisa que nunca tinha feito antes, além de cozinhar e lavar louça”. A fala a seguir, da coordenadora Cíntia, complementa:

São saberes assim, que a gente vai assimilando né? Simples, mas a própria forma de saber que é o estudo, que é o trabalho, que tenho que manter o espaço limpo, o espaço que eu mesmo sujo. E que se alguém deixar sujo vai precisar de alguém pra fazer por ele, aí tem que questionar quem foi que deixou sujo, tem que limpar, porque você também tem que ser sujeito. E isso já são saberes fundamentais.

5. Pedagogia da cultura, que tem como uma de suas dimensões fortes a pedagogia do gesto, e que é também a pedagogia do símbolo. O ser humano se educa vivendo, sentindo e aprendendo. Na relação com a escola é importante resgatar o símbolo, as ferramentas de trabalho e de luta, a mística do movimento, aprendendo com as experiências e exemplos dos outros e permitindo reflexões e construções coletivas.

O cultivo da Pedagogia da Cultura é bem representado em todos os espaços educativos do Movimento, e mais intensificados nos espaços de eventos e cursos. Na vida cotidiana, identificamos que um acampamento ou assentamento é do MST pela sua bandeira. Quando as lideranças vão participar de reuniões no INCRA, na universidade, ou com outras autoridades, cuidam de sua aparência e levam consigo sempre o boné do MST. Nos eventos e cursos, existe o cuidado com o embelezamento do local das aulas e onde serão realizadas as místicas, para que o cultivo comece pela admiração.

6. A Pedagogia da escolha permite aprimorar as tantas decisões que se precisa encaminhar na vida. Ao ter que assumir responsabilidades pelas próprias decisões, as pessoas aprendem a dominar impulsos, influências, e aprendem também que a coerência entre os valores se defende com palavras e os valores que efetivamente se vive. Isso é um desafio sempre em construção.

7. Pedagogia da história, que cultiva a memória e a compreensão, no sujeito, de que este faz parte da história, mas como algo cultivado e construído. “A memória coletiva é fundamental para a construção de uma identidade coletiva” (MST, 2002). Através da mística, o MST celebra a sua própria memória. Na dimensão escolar, pretende cultivar a história como parte do processo educativo. Fazendo o resgate permanente da história do MST e da luta coletiva dos trabalhadores, os educandos percebem nessa memória as suas raízes, se descobrindo como sujeitos da história.

Para incentivar essa pedagogia no curso Prolongado, uma estratégia metodológica é de trabalhar a história de vida dos educandos. No processo, eles se apresentam à turma a partir da sua história e assim as pessoas passam a se conhecer e a se identificar uns com os outros, a partir das vivências de cada um. A coordenadora Cíntia comenta:

Porque geralmente na escola não se estuda a história de vida do educando. Não quer saber porque você tá educando, tem tal comportamento. Qual foi sua história? O que você vive? Como que era sua família? Quais são seus principais problemas? Qual é seu grito maior? Mas também o que é que lhe faz mais feliz? E a partir do momento que nos cursos você trabalha a história de vida, uma das coisas que trabalha partindo da história de vida, a gente começa a conhecer e respeitar cada um. Porque que cada um é desse jeito? Bom, agora eu conheço e sei porque ele é desse jeito. Realmente porque tem razão e motivo pra ser desse jeito.

8. Pedagogia da alternância, que é fruto de experiências da escola do campo que busca integrar a escola com a família e a comunidade do educando. Ela permite uma troca de conhecimentos e o fortalecimento dos laços familiares e do vínculo dos educandos com o assentamento ou acampamento. No tempo escola os educandos têm aulas teóricas e práticas, participam de inúmeros aprendizados, se auto-organizam na realização de tarefas, avaliam o processo e participam do planejamento das atividades. No tempo comunidade os educandos realizam atividades de pesquisa da sua realidade, de registro das experiências, de práticas que permitam a troca de conhecimentos com acompanhamento da comunidade.

Essa pedagogia se traduz pela unidade entre teoria e prática. No tempo escola, os educandos estão estudando as teorias para fundamentar os seus projetos de monografia para atuação nos assentamentos. No caso do curso prolongado, eles não chegam a utilizar a pedagogia da alternância retornando à

sua localidade, mas os trabalhos práticos são realizados na própria comunidade em que se realiza o curso.

CAPÍTULO 3

O CURSO PROLONGADO ENQUANTO PRÁTICA EDUCATIVA DE PRODUÇÃO DE SABERES % ) ! ' & ' % & ! ! * % * + ! * ! ! % * % ' % , % - , % % ! . % / % ' , , , ! % ) ! ' & ' % 000 & ! ' ( %

3.1. Refletindo a intencionalidade do ato educativo do curso prolongado: