• Nenhum resultado encontrado

Open O curso prolongado do movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra no Ceará e o processo de formação política da juventude.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Open O curso prolongado do movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra no Ceará e o processo de formação política da juventude."

Copied!
122
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

O CURSO PROLONGADO DO MOVIMENTO DOS

TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA NO CEARÁ E O

PROCESSO DE FORMAÇÃO POLÍTICA DA JUVENTUDE

CLÉDIA INÊS MATOS VERAS

(2)

CLÉDIA INÊS MATOS VERAS

O CURSO PROLONGADO DO MOVIMENTO DOS

TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA NO CEARÁ E O

PROCESSO DE FORMAÇÃO POLÍTICA DA JUVENTUDE

Dissertação orientada pela Profa. Dra. Edineide Jezine, submetida à banca de defesa como requisito para aprovação final na Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba, para obtenção do título de mestre.

(3)

V476 Veras, Clédia Inês Matos.

O curso prolongado do movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra no Ceará e o processo de formação política da juventude./ Clédia Inês Matos Veras. – João Pessoa, 2007.

120p.

Orientadora: Edineide Jezine

Dissertação (mestrado) UFPB/CCSA

1.Educação Popular 2. Formação Política 3.Movimentos Sociais 4. Juventude

(4)
(5)
(6)

AGRADECIMENTOS

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPB, na coordenação da Profª Drª Adelaide Dias, a oportunidade de pesquisar e me encontrar com a Educação Popular.

À Profª. Drª. Edineide Jezine, minha orientadora, que acreditou na realização desta dissertação e tornou o percurso um grande aprendizado. Com ela tive encontros e desencontros que formam se transformando em amizade e admiração.

Aos professores e amigos que estão compondo a minha banca, desde a qualificação, Socorro Xavier e Severino Silva, pelas contribuições na minha escrita.

À presença da Profª Drª Maria Nobre Damasceno na minha banca, a quem tenho admiração e afeto e com quem me inspiro nessa eterna artesania do saber!

Aos Professores e professoras do PPGE, a quem tive oportunidade de conhecer e conviver.

Aos colegas do Grupo de Pesquisa em Extensão Popular – Extelar, pelos diálogos que nos motiva a refletir nossas práticas de extensão e como diz Gonzaguinha: Somos “as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas.”

Aos colegas da Turma 25, para quem o valor da amizade é o melhor motivo para se encontrar. As amizades cultivadas ao longo do caminho contribuíram para a construção desse trabalho. Aos amigos e amigas que tive a oportunidade de conviver: Magérbio, Sérgio, Ernades, Oscar, Faviane, Júnior Targino, Malu, Roseana, Lucíola, Laureci, Andreza, levarei sempre no coração. As mamães Hélia, Fernanda e Fabrícia, com sua dedicação. As inesquecíveis Isabel, Zilda e Betânia, por serem as primeiras a lembrar dos aniversários da turma.

Aos amigos do MST: Erivando, Cosma, Erinaldo, Valdeci, Márcia, Valmiram, Rosmeri, Ney e Ângelo pelo apoio e incentivo da realização da pesquisa. Aos militantes e dirigentes do MST do Ceará, aos jovens do Curso Prolongado, a cada um agradeço por alimentarem meu espírito.

Às amigas Fátima, Rita Curvelo e Lucicléa Lins pelas sugestões e incentivos na pesquisa.

Outra amiga marcante na minha vida acadêmica é Celecina Veras Sales, uma pesquisadora e educadora que tenho como referência para a minha vida. Agradeço o incentivo, as palavras acolhedoras e a amizade que cultivamos.

Aos meus pais, Sérgio e Lúcia, pela dedicação, paciência e amor de uma vida inteira. A quem quero compartilhar esse momento.

Aos meus irmãos Sérgio e Júnior, com quem primeiro aprendi a compartilhar

(7)
(8)

RESUMO

A presente dissertação examina as práticas educativas de formação política de jovens do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no estado do Ceará desenvolvidas no Curso Prolongado. Com o objetivo de investigar os processos de escolarização do referido curso em seus princípios político-pedagógicos e a sua relação com a Educação Popular em uma dimensão de práxis, a pesquisa, a partir do levantamento de dados qualitativos através de entrevistas, análise de projetos e relatos de vida, buscou avaliar como o acesso à escolarização e a formação política contribui na mudança da concepção de mundo de jovens do MST. A identificação desses sujeitos demandou uma compreensão de seus condicionamentos históricos, tendo como ponto de partida a história do direito à terra e às práticas e saberes necessários à permanência nela. O decorrer das lutas camponesas que geraram o Movimento Sem Terra gestou a necessidade de uma educação específica para as condições técnicas e sócio-culturais do campo. Na formação política dos sujeitos Sem Terra que compõem o MST, as suas falas registram o curso Prolongado como um momento fundamental para toda e qualquer forma de participação política, seja ela dentro ou fora do movimento. Isso ocorre de acordo com a proposta que o movimento apresenta de agregar reflexão e ação, teoria e prática, de maneira a desenvolver uma curiosidade epistemológica para a elaboração de um saber crítico dos trabalhadores rurais.

(9)

ABSTRACT

The present dissertation examines the educational practices for the political education of the young people developed in the Long-run Course in the Landless Movement of Rural Workers (MST) of the state of Ceará. With the objective of investigating the educational process of the mentioned course in its political-pedagogic principles and its relation to the Popular Education in a praxis dimension, the research, from the qualitative data survey by the means of projects analyses and life reports, tried to evaluate how the access to education and the political formation contributed to the change of the conception of world the adolescents of the MST have. The identification of these subjects demanded an understanding of their historical conditioning, having as a starting point the history of the right of land and the necessary practices and knowledge to stay there. The course of the rural struggles which generated the Landless Movement led to the necessity of a specific education to the technical and socio-cultural conditions of the rural area. In the political formation of the Landless people who compose the Landless Movement, their speech mention the Long-run Course as a fundamental moment to every way of political participation, inside or outside the movement. It happens according to the proposal the movement presents to aggregate reflection and action, theory and practice, in a way to develop an epistemological curiosity to the elaboration of a critical knowledge of the rural workers.

Key-words: Popular Education, Political Formation, Teenagehood and Rural

(10)

SUMÁRIO

Introduzindo o debate ... 10

Capítulo 1 VIDA DE CAMPONÊS EM TERRA QUE NÃO TEM VEZ – O MST E A QUESTÃO AGRÁRIA ... 28

1.1. A questão agrária e o processo de luta pela terra ... 29

1.2. Revisitando a discussão de Movimentos Sociais ... 36

1.3. Os Sem Terra e a organização de um movimento social popular ... 42

1.3.1. Motivações eclesiais ... 43

1.3.2. Experiências da luta camponesa... 48

Capítulo 2 A EDUCAÇÃO E A SUPERAÇÃO DE SUAS CONTRADIÇÕES NA FORMAÇÃO DO SEM TERRA ... 51

2.1. Aspectos históricos da Educação Rural ... 52

2.2. A Educação no Campo sob os princípios da Educação Popular: Diretrizes por uma Educação do Campo ... 58

2.3. A Pedagogia do Movimento nos cursos de formação política de jovens ... 66

2.3.1. Princípios Filosóficos do MST ... 68

2.3.2. Princípios Pedagógicos do MST ... 69

Capítulo 3 O CURSO PROLONGADO ENQUANTO PRÁTICA EDUCATIVA DE PRODUÇÃO DE SABERES ... 76

3.1. Refletindo a intencionalidade do ato educativo do curso prolongado: Teoria – metodologia – avaliação ... 77

3.1.1. Eixo do Trabalho ... 85

3.1.2. Eixo Estudo ... 89

3.1.3. Eixo das Relações Humanas e Valores ... 92

3.2. As expectativas, os impasses e as mudanças dos sujeitos acerca do curso Prolongado ... 93

3.2.1. Expectativas, impasses e mudanças com relação à situação de vida 93 3.2.2. Expectativas, impasses e mudanças quanto à escolarização ... 102

Considerações Finais ... 1099

Referências Bibliográficas ... 114

(11)

INTRODUZINDO O DEBATE

Pretende-se, ademais, uma produção coletiva de conhecimentos, centrada nas vivências e necessidades de grupos agrários dominados, secularmente explorados e pobres, com a finalidade de conscientizá-los de sua problemática, propor e atar em vista de possíveis soluções concretas. Parte-se de uma realidade concreta – vista como totalidade – e do saber popular, em atitude de pesquisador comprometido politicamente. (Gabarrón, 2OO6, p. 106).

A aproximação com a realidade do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra veio de minha participação no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero, Idade e Família (NEGIF), vinculado ao Departamento de Economia Doméstica da Universidade Federal do Ceará. Essa experiência incorreu na realização de estudos e práticas em assentamentos, o que possibilitou uma convivência profícua com educadores de coordenações do Movimento quando da realização de cursos de formação político-pedagógica.

Os primeiros contatos com o MST ocorreram em 2001, numa visita realizada na disciplina de Estudos da Família a um assentamento em Chorozinho-CE. Ali, tive despertado meu olhar para a realidade de vida coletiva em que as pessoas por necessidade e interesses comuns se agregavam em torno de um ideal, constituindo assim um movimento social popular.

As experiências tiveram continuidade a partir de aulas de Língua Portuguesa ministradas por meu companheiro na preparação do vestibular de alguns militantes da região de Canindé. Nessa visita, tivemos contato com lideranças locais que nos contaram um pouco da história do movimento no Ceará e como se iniciaram as primeiras ocupações de terra do estado.

(12)

Jovens do MST sobre realidade brasileira, promovido pelos cursos de Economia Doméstica e Geografia.

No âmbito da pesquisa, minha experiência se inicia a partir do projeto

Juventude e terra: permanência e recriação de novas relações de gênero e

educação-trabalho, no Assentamento Palmares-CE no período de 2003-2004. Cooperei, ainda, em pesquisa sobre assentamentos rurais no Ceará, vinculada ao CETRA (Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador). Estas pesquisas possibilitaram construir um olhar diferenciado sobre a realidade do campo, bem como conhecimentos sobre o ato de pesquisar a partir da participação em reuniões de trabalhadores rurais e da sistematização dos instrumentos da investigação.

Tendo como ponto de partida essas experiências de pesquisa e extensão na UFC, busco compreender com mais intimidade a dinâmica das práticas de educação política do MST, para a realização de uma Educação Popular. A pesquisa vem a ser uma maneira de estudar com mais profundidade essa realidade e conseqüentemente gerar contribuições no trabalho de educadores do Movimento. Além do mais, pretende dar visibilidade às práticas educativas do MST como produtoras de sujeitos e de cultura. Comungando com Freire (1996, p. 29), pesquiso para constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.

(13)

A realização de uma pesquisa com o Movimento dos Sem Terra é um grande desafio, tendo em vista o preconceito e a crítica quase sempre negativa que a mídia e a sociedade veiculam do movimento. Essa realidade provoca no MST um receio e precaução em conhecer as pessoas que se aproximam como pesquisadores e pesquisadoras, necessitando-se, para isso, identificação ideológica, trabalho em parceria e afinidade com o tema, pois se trata, acima de tudo, de relações de confiança.

Os Sem Terra estão em constante transformação na medida em que se encontram diante das práticas cotidianas da luta e da convivência nos acampamentos e assentamentos, o que exige de cada militante uma concepção de mundo mais crítica pela participação orgânica no Movimento. Daí emergem novos saberes construídos e que busca-se cultivar em vários encontros e cursos. Nesse cultivo, destaque-se a capacidade de participar de ocupações e a atitude de indignação e defesa dos interesses coletivos, além de valores como a solidariedade, o companheirismo, o respeito ao próximo e a dedicação.

Nos cursos de formação política, o MST busca principalmente incentivar a participação da juventude nas ações do movimento, por acreditar que os jovens, enquanto sujeitos políticos, contribuem na construção de uma nova sociedade. Diante da constatação do Movimento de que seus quadros estão sendo compostos predominantemente por jovens, organiza-se curso de formação política para atender a demanda de jovens com perspectivas de mudanças na sua vida, em sua família e na educação das novas gerações.

Temos percebido também que os jovens têm mais disposição para participar dessas atividades que ocorrem em tempo integral, por sua habilidade criadora de reelaborar formas de comunicação, de convivência e de animação do grupo nos momentos mais cansativos do dia. Leva-se também em consideração que jovens, para o Movimento, são aquelas pessoas que ainda não assumiram responsabilidades familiares através do casamento. As motivações dos jovens do MST surgem do espírito de aventura para conhecer o novo e se expressam através da rebeldia, por querer fazer alguma diferença frente aos padrões socialmente impostos.

(14)

da organização era inscrever cem participantes, mas, ao longo dos anos, o curso tem recebido em média sessenta jovens para concluir a educação formal e compor os quadros do Movimento. O curso vem incentivando a participação dos jovens na luta do movimento e por uma educação popular de libertação da consciência oprimida, tendo em vista que o estabelecido modelo educacional, econômico e político (marcado principalmente pela educação autoritária e a manutenção do poder da classe dominante) impede a participação do povo na sociedade.

O curso tem a concepção de formação escolar e política. Quanto à função de escolarização, há uma parceria com o CEJA (Centro de Educação de Jovens e Adultos) de Itapipoca - cidade próxima de Tururu, onde se localiza o assentamento que sediou o curso. Fomos convidados a contribuir nos conteúdos de Língua Portuguesa e Matemática. Enquanto meu companheiro trabalhava com nível de ensino médio, eu fiquei responsável pelas aulas no nível fundamental (5ª a 8ª).

Os alunos possuíam muitas limitações aos conteúdos trabalhados, pois suas preocupações concentravam-se na prova que lhes seria aplicada e iria lhes garantir o certificado de ensino fundamental e médio. Alguns chegavam mesmo a se desinteressar por debates mais próximos da sua realidade por acharem que aquilo não cairia na prova. Então nos interessamos em saber um pouco mais como seria o tal exame, quem elaborava, quais os conteúdos e quem eram os responsáveis pela correção das provas. Percebemos que o material didático oferecido era totalmente defasado, pois se tratava de apostilas da década de setenta, contexto em que o ensino técnico no país fora desvirtuado pela ditadura militar.

(15)

existente e o em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente”.

Fizemos um acordo com a direção do CEJA para assumirmos o processo de avaliação contínua, partindo do conteúdo trabalhado por nós até a elaboração e aplicação das provas, aproximando a proposta do curso das demandas do MST. Como seguimento dessas ações, participamos dos cursos Prolongados de 2003 e 2005, desde seu planejamento à execução de aulas e oficinas.

Em meio a essas relações, em que pesa o interesse pela juventude e sua formação para a participação política, tenho, como objeto de estudo para me debruçar, as práticas educativas do curso Prolongado e suas contribuições para a mudança das concepções de mundo dos jovens do MST.

O curso objetiva, entre outras coisas, contribuir para a transformação de agir e pensar criticamente a realidade camponesa, refletindo sobre suas demandas, buscando contribuir no processo de formação da consciência, visa potencializar e fortalecer a atuação política da juventude dos movimentos sociais do campo. Esse processo se dá pela instrumentalização a partir de saberes técnicos e formais, que se relacionam com os saberes da militância política, garantindo os princípios educativos do MST.

(16)

O Curso Prolongado que ocorre no Ceará é direcionado aos jovens acampados e assentados, com escolaridade variável, podendo reunir desde analfabetos até os que cursam o ensino médio (total ou parcialmente) ou estão fazendo cursos superiores. Além de possibilitar a recuperação escolar de lideranças, atua principalmente como ponto de partida da formação dos iniciantes. Com duração de três meses e funcionando em tempo integral, o conteúdo do curso é estruturado em áreas consideradas essenciais na formação política de militantes, abrangendo: a história do movimento, bem como seus princípios e relações com a história social, política e econômica brasileira; luta pela terra; cooperação agrícola; organicidade; disciplina; educação; formação e temas complementares como gênero e valores culturais.

Observamos cada vez mais que se trata de uma juventude diferenciada de outros grupos urbanos ou mesmo rurais, pelo papel orgânico que desempenham junto ao movimento. Outro aspecto que despertou interesse ocorreu principalmente no curso Prolongado de 2005, quando encontramos muitos participantes que já moravam na região metropolitana de Fortaleza e estavam em processo de conhecimento e aproximação com o MST. Este fato evidencia a emergência de reflexões sobre o processo de formação política dos jovens do Movimento.

Diante de todos os cursos do movimento, a experiência do Prolongado no Ceará é sui generis, pois tenta agregar as práticas políticas ao desenvolvimento de saberes escolarizados. Visto que existe uma necessidade de escolarizar os trabalhadores rurais, há uma tentativa de suprir carências e incentivar o hábito da leitura e compreensão da realidade. Sendo ainda um espaço de aprendizagem dos educadores-educandos, o curso nos convida a refletir sobre nossas concepções de mundo para a participação nesse processo de possibilidades de transformação na realidade educacional do campo. Trata-se, portanto, de um espaço em que são vivenciados e trocados saberes. Desta forma, a pesquisa se orienta pelos seguintes questionamentos:

• Como o acesso ao conhecimento crítico contribui na mudança da concepção de mundo dos jovens do MST?

(17)

• A escolarização em processo no Curso Prolongado conduz à formação política?

A necessidade de formação escolar é sentida durante o curso, já que são raras as escolas nos assentamentos voltadas para o ensino médio. Assim, os jovens precisam buscar a escolarização formal nas cidades mais próximas do assentamento. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação (INEP/ MEC, 2005), o ensino fundamental de 1ª à 4ª série é o mais oferecido pelas escolas dos assentamentos cadastrados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

Os dados do INEP mostram também distorções no ensino fundamental: 95,7% das crianças entre sete e dez anos estão estudando, porém entre essas, 92,5% estão nas séries iniciais. Na faixa de 11 a 14 anos, 94% estão na escola, mas apenas 45% estão nas séries finais do ensino fundamental II, o que revela uma irregularidade da variável idade/série. Essa realidade é refletida nos educandos do Curso Prolongado de 2005, pois do total de 67 jovens inscritos, 40 tinham necessidade de concluir o ensino fundamental, estando incluídos na faixa etária de 14 a 32 anos.

Na grande maioria dos assentamentos do país, não existem salas de aula de Ensino Médio, sendo que apenas 4,3% das unidades não atingem uma demanda regular por escolarização, conforme apontam os dados da mesma pesquisa. Daí que é preciso criar estratégias para que os educandos consigam concluir o ensino fundamental e assim haja demanda na exigência de ensino médio nas escolas dos assentamentos. A situação dos assentados de 15 a 17 anos é que 76% estudam, mas apenas 17% deles estão cursando o ensino médio regular. No caso dos educandos do curso Prolongado de 2005, os dados apontam semelhanças quando encontramos 17 jovens inscritos para a conclusão do ensino médio, mas, destes, apenas 5 encontram-se na faixa etária correspondente.

(18)

Nas escolas municipais e estaduais, esses jovens são surpreendidos com a insuficiência de vagas e outras dificuldades de acessibilidade1, meios de transporte precários, currículo que não corresponde às especificidades relativas à política dos assentamentos e calendário escolar não compatível com as atividades do trabalho no campo2. Como ilustra uma educanda do curso residente em assentamento: “Faz 8 anos que eu sou assentada. Antes de virmos pra cá eu estudava na cidade de Quixeramobim. Todos os dias eu me acordava 4h30 da manhã pra poder se arrumar e esperar o ônibus.”

E se consideramos a diferenciação dos currículos escolares, as dificuldades de acesso e permanência desses jovens se agravam. Como expressa Ademar Guimarães (Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA), em depoimento à revista Sem Terra: “os atuais moldes educacionais estão colocando em risco a própria condição do camponês, forçando-o a ter hábitos urbanos, provocando conflitos culturais” (apud MURADI, 2004, p. 22).

Como podemos perceber no depoimento do camponês, as escolas do campo apresentam um currículo imposto por outro grupo social, que se encontra na gestão administrativa das secretarias de educação e das escolas, afetando diretamente os encaminhamentos metodológicos dos saberes formais, culturais e políticos do grupo que possui sua realidade vinculada ao campo.

Diante das diferenças e divergências educacionais, as propostas de educação e formação do Movimento Sem Terra concentram-se em educar conscientemente seus componentes, estimulando a permanência de filhas e filhos de camponeses no campo, pois segundo a pesquisa do MEC/INEP (2005), a maior concentração da população de assentados compreende a faixa etária de até 30 anos de idade, correspondendo a 64,4%. Portanto, depende da juventude a continuidade das lutas pelo acesso às terras, pela ampliação das tradições culturais e pela realização dos projetos sociais do movimento.

1 Quanto ao acesso e tempo que um estudante leva para chegar à escola, a pesquisa diz que 50,2% gastam

menos de meia hora, mas que 3,8% levam de uma hora e meia a duas horas.

(19)

Nesse sentido, compreendemos suas ações como práticas educativas de um processo revolucionário que possa contribuir na construção de um novo homem e uma nova mulher, visando o desenvolvimento dos assentamentos, o que estimula a autonomia pelo desenvolvimento de suas habilidades político-educativas, sempre pautando-se no trabalho como condição de existir do ser humano (MELO NETO, 2004).

Ao longo dos seus 23 anos (1984-2007) de caminhadas e lutas, o MST incorporou nas suas manifestações a necessidade de uma escolarização voltada para o desenvolvimento do campo e de sua organização. Na formação de lideranças, percebeu que ocupar a terra não era suficiente, mas que também era preciso ocupar os espaços de produção dos saberes científicos que viessem contribuir nas suas práticas sociais.

A participação de jovens nos cursos de formação não só oportuniza-os a recuperar os estudos, como também proporciona um maior envolvimento da juventude na formação de lideranças. Esta realidade vem se apresentando pelo aumento de acampados e assentados, demandando de jovens comprometidos com as práticas do Movimento, o que conseqüentemente resultará em mais organização, sistematização e formação da coletividade.

Para compreender como o processo de escolarização do Curso Prolongado conduz à formação política, a pesquisa se orienta pelas concepções epistemológicas de conhecimento e de saberes advindos das práticas do MST. No percurso de análise da pesquisa, destacamos a importância das falas dos coordenadores e dos educandos do Curso Prolongado, coletadas através de questionários, entrevistas, de documentos como o projeto político-pedagógico ou outros que embasam teoricamente o curso.

(20)

as formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas”. (SANTOS, 2005, p. 21).

Os efeitos desse saber absoluto na ciência, valorizado pelo seu critério de verdade, determinaram a epistemologia do conhecimento-regulação. Uma regulação generalizada do saber como poder responsável por decretar as leis que regem a forma de pensar da humanidade, conferindo privilégios sociais, políticos e culturais a uma pequena parcela da sociedade, tendo em vista que o conhecimento não é distribuído eqüitativamente.

Como toda a sociedade não tem acesso ao conhecimento, ela se dividirá entre os que têm saber e os que são desprovidos disso. Portanto, quem não tem saber também não tem poder, situando-se à margem da sociedade e refém de uma globalização reguladora das forças de produção, do consumo e da identidade do povo. Globalização esta caracterizada por Santos (2006) como um processo contraditório de confronto do capitalismo global com grupos sociais que lhe resistem.

Percebemos que as conseqüências para essa sociedade globalizada têm sido a geração de competição, individualismo e violência. As grandes cidades estão inchadas populacionalmente e as pessoas encontram-se isoladas e estressadas, diante do desenvolvimento dos interesses internacionais que têm provocado um desenraizamento da sociedade.

Por essas contradições podemos perceber indícios de uma tendência epistemológica contra-hegemônica proposta pelo conhecimento-emancipação de um paradigma emergente. Essa concepção está na luta contra a monocultura do saber3, na tentativa de promover a visibilidade dos saberes não-científicos, neutralizados pela epistemologia positivista que se consagrou no progresso tecnológico e no desenvolvimento capitalista.

Ocultar a diversidade de saberes, desconsiderando os não-científicos seria o mesmo que apagar da história todas as manifestações culturais, crenças e valores de todos os povos da humanidade. É preciso reconhecer esses saberes, pois “a ciência moderna não é a única explicação possível da realidade e não há sequer qualquer razão científica para considerar melhor que as explicações

3

(21)

alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou poesia”. (SANTOS, 2005, p. 83).

Referimo-nos aos saberes não-científicos como os saberes populares, saberes advindos do senso comum, úteis nas práticas cotidianas. Percebemos que os saberes das práticas do cotidiano nos assentamentos do MST evidenciam as relações familiares como instituição social e unidade produtiva. Essa estrutura proporciona novos saberes no seu processo de formação de valores (da ética, do trabalho e das normas sociais).

Na organização para o trabalho, a participação dos filhos contribui para atender às necessidades econômicas da família, gerando um saber prático. Este, imerso nas relações de produção pela prática política, vai gerar um saber social, que possibilita ao camponês o enfrentamento de questões vinculadas às relações de trabalho e às questões sociais mais amplas (que vão desde questões agrárias até a comercialização dos produtos, passando pela obtenção de recursos para produção). Esse saber da prática social, nas considerações de Damasceno (2005, p. 142), corresponde à expressão concreta de uma “práxis social” que pode ser observada nas dimensões produtiva, política, e educativa:

Esta abordagem que aproxima-se da concepção gramsciana que entende o homem como sujeito de relações consigo mesmo (individualidade), com o próximo (sociabilidade) e com a natureza, num processo de interação criativa e construtiva (do real), de onde emerge uma consciência individual e social, crítica e transformadora, de si e do meio, o que significa, em última análise, um processo de gestação e geração de um saber social.

Do cotidiano do trabalho e das lutas emerge um saber crítico, na construção do bom senso a partir da dimensão da prática coletiva. É a expressão da consciência deste grupo, um saber que é útil à produção e aos enfrentamentos vividos cotidianamente por estes atores sociais. Desta forma, abrange três dimensões: é um saber construído coletivamente no processo de trabalho, de prática organizativa e política; é um saber hierarquizado pela prática social do grupo; e caracteriza-se ainda como um saber em permanente elaboração, em que sua força reside em ser o mesmo instrumento da prática social.

(22)

comum, o saber popular está ainda num nível de saber natural, de um discurso ausente de curiosidade. É um conhecimento que não possibilita uma compreensão total da realidade na busca da mudança de atuação dos trabalhadores rurais, da passagem de sujeitos passivos para sujeitos participantes na história.

A necessidade de incentivar a participação política de trabalhadores rurais está acompanhada dos processos históricos e do contexto social que se encontram nas lutas sociais. Esse incentivo de participação envolve um trabalho de (trans)formar os jovens trabalhadores rurais em sujeitos políticos de um movimento social popular. Nesta tarefa, percebe-se o grande desafio de elevação da consciência dos que foram excluídos do processo de condição humana. A exclusão da escolarização, por exemplo, reflete na formação da consciência camponesa e gerou modos contraditórios de pensar a realidade. Em Gramsci (1995, p. 20-1), podemos verificar essa contradição:

Pode ocorrer, inclusive, que a sua consciência teórica esteja historicamente em contradição com o seu agir. É quase possível dizer que ele tem duas consciências teóricas (ou uma consciência contraditória): uma implícita na sua ação, e que realmente o une a todos os seus colaboradores na transformação prática da realidade; e outra, superficialmente explícita ou verbal, que ele herdou do passado e acolheu sem crítica. Todavia, essa concepção “verbal” não é inconseqüente: ela liga a um grupo social determinado, influi sobre a conduta moral, sobre a direção da vontade, de uma maneira mais ou menos intensa, que pode, inclusive, atingir um ponto no qual a contraditoriedade da consciência não permita nenhuma ação, nenhuma escolha e produza um estado de passividade moral e política.

(23)

e trabalhem no sentido de aproximá-los à proposta do curso na construção de conhecimentos e práticas de intervenção educativa.

Na dimensão da educação política, as práticas possuem a intencionalidade de formar sujeitos com capacidade de pensar sua realidade e criar condições de agir sobre ela. Tal ação é estimulada pela participação política e pelo desenvolvimento da oralidade – ampliação da capacidade de se expressar. Em se tratando de percepção da realidade, as práticas educativas são direcionadas para o desenvolvimento do processo de elevação do saber ingênuo para saber crítico, que, no entanto, não se faz automaticamente. Conforme Freire (1996, p. 31):

A superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza. (...) na verdade a curiosidade ingênua que, “desarmada”, está associada ao saber do senso comum, é a mesma curiosidade que, criticizando-se, aproximando-se de forma cada vez mais metodicamente rigorosa do objeto cognoscível, se torna curiosidade epistemológica. Muda de qualidade mas não de essência.

Temos compreendido que esse processo de superação do senso comum acontece através de procedimentos metodicamente rigorosos, entendidos neste caso, como as ações coletivas do MST e a escolarização. As ações configuram-se com práticas educativas que envolvem a coletividade, seja na marcha, nas ocupações, na mística. Portanto, tais práticas tornam-se um meio de aprendizagens sociais de uma educação informal. A escolarização assume sua função de educação formal com intencionalidade política, comprometida com o conhecimento, sendo assim o componente da teoria. O resultado desta articulação será uma práxis social geradora de um saber crítico e responsável pela (re) construção de saberes dos Sem Terra.

Para a compreensão de práxis em Marx, recorremos às considerações de Vázquez (1977, p. 129), em que:

(24)

Essa perspectiva marxista em Vázquez corrobora com Freire (1987), no sentido de que o oprimido somente libertando-se, pode libertar seu opressor. Mas para que haja libertação do oprimido é preciso que ele sinta necessidade de libertar-se. Essa necessidade se manifesta por uma luta interna por seu medo de libertar-se e não ter condições de assumir-se liberto diante de uma estrutura dominadora. Assim, a libertação só se realiza pela superação da contradição opressores-oprimidos, numa realidade concreta em que os oprimidos possam transformá-la, através da filosofia da práxis.

Para Gramsci, a filosofia da práxis ocorre pela superação do senso comum, através do papel do intelectual orgânico de elevação da consciência das classes subalternas. Essa premissa confirma que os trabalhadores rurais não podem se libertar sozinhos sem uma orientação teórica que lhes permita uma reflexão com o Movimento dos Sem Terra para uma ação na sua realidade concreta.

Na relação dialética entre teoria e prática, ação e reflexão, objetividade e subjetividade, como ato político de libertação da consciência do oprimido e de recriação de saberes, buscaremos investigar a realidade dos sujeitos a partir de seu ponto de vista, propondo uma pesquisa que deixe de ser apenas instrumento de controle social. Já que “toda pesquisa em educação, incapaz de comprometer-se com escomprometer-se princípio emancipatório, ocultando-comprometer-se atrás do chamando “rigor metodológico”, é necessariamente uma pesquisa conservadora”. (GADOTTI, 2001, p. 11). A pesquisa e os processos educacionais começam a adquirir uma conotação marcadamente política, onde os métodos e técnicas permitam conhecer transformando.

(25)

Para investigar o curso de formação política Prolongado, foi necessário um acompanhamento e convivência com os educandos e as educandas da turma de 2005. Com eles, passamos 4 dias, aproximadamente na metade do período de execução do curso, no assentamento Bernardo Marin, no município de Russas, a cerca de 100 quilômetros de Fortaleza. Nesse período, realizamos uma oficina de técnicas de estudo solicitada pela coordenação, na intenção de trabalhar a compreensão e sistematização das leituras, bem como para estimular a criação de hábitos de estudo. Nos momentos em que não estava na oficina, observava a condução de outras atividades do curso, sempre interagindo, conversando e participando do cotidiano.

As primeiras conversas foram mais de aproximação, necessárias para uma apresentação pessoal que no decorrer cria uma espontaneidade no diálogo. Como nossa disponibilidade de tempo era curta e a turma de 2005 era composta de 66 participantes, resolvi aplicar um questionário com os jovens contendo as suas impressões sobre o ato de estudar e as contribuições do curso prolongado para a sua vida pessoal e política. Este também foi adequado para uma caracterização dos sujeitos, por sexo, escolaridade, idade, localidade (se mora em acampamento, assentamento ou na cidade). O questionário havia sido elaborado na expectativa de posteriormente selecionar alguns jovens para entrevistar. A intenção era de realizar a pesquisa acompanhando os três meses de curso da turma de 2006, porém este foi impossibilitado de acontecer e os questionários de 2005 tiveram que compor os primeiros dados.

Diante desses fatos, fiz um levantamento bibliográfico que reunisse a temática de Educação Popular no Campo, Educação socialista, Movimentos sociais e lutas camponesas para realizar um estudo das práticas educativas do curso Prolongado. Esses referenciais teóricos orientaram na compreensão das categorias que emergiram no processo da pesquisa: práxis, contradição, movimento e formação política da juventude.

(26)

propostas de atividades que propõem a criação de saberes na produção do conhecimento da juventude do MST.

Para investigar as práticas educativas de produção de saberes, foi adotada a observação participante de cursos e eventos do MST, conceituada por Lüdke (1986) como um método que permite um contato pessoal do pesquisador com o fenômeno pesquisado, apresentando as vantagens de: acompanhamento das experiências diárias dos sujeitos, podendo apreender a sua visão de mundo e os significados que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas próprias ações; descobrimento de aspectos novos de um problema; possibilidade da coleta de dados em situações em que são impossíveis outras formas de comunicação.

Desta maneira, estive convivendo também em outros espaços educativos do Movimento, em busca de encontrar lideranças nesses eventos que fizeram parte do Curso Prolongado de 2005. No período da pesquisa participei de Encontro Estadual do MST-Ceará em 2006, quando reencontrei muitos jovens que fizeram os prolongados anteriores e que estão integrados às atividades orgânicas do Movimento. Na mesma perspectiva, participei ainda do V Congresso Nacional do MST, realizado em junho de 2007 em Brasília, envolvendo-me nas atividades. Fiz muitas observações desse cotidiano, tendo em vista, que a proposta metodológica dos eventos do Movimento é bem semelhante aos cursos de formação política. Na convivência, conversei com muitos jovens militantes, compartilhei do alojamento, das filas das refeições, da marcha, da emoção de cada mística e da construção desse projeto pela Reforma Agrária.

Outro procedimento da pesquisa foi a entrevista semi-estruturada, que se orienta por um esquema básico, flexível, que permite um diálogo entre entrevistador e entrevistado. O uso dessa técnica permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos (Lüdke e André, 1986, p. 34).

(27)

As entrevistas foram realizadas com lideranças do MST que possuem ligação direta com a organização do Prolongado e com ex-participantes do curso. Vale destacar a dificuldade para realizar as entrevistas fora do Curso, seja porque essas pessoas estão sempre com muitos compromissos, como também percebi um receio por parte de alguns entrevistados em falar. Foram entrevistadas duas pessoas do Ceará que trabalharam na organização de vários Prolongados (desde o primeiro), incluindo participação no planejamento das atividades do curso: ‘Cíntia’4, do setor de formação e aluna do Curso de Ciências Agrárias em Bananeiras/UFPB; e ‘Edson’, coordenador do setor de educação do Ceará e aluno do Curso de História na UFPB.

Em visita ao Curso de Ciências Agrárias tive a oportunidade de conhecer um educando que fez parte da primeira turma do Prolongado no Ceará e contribuiu na coordenação do segundo: ‘Vinícius’ foi o terceiro entrevistado, é do estado do Piauí e atualmente faz parte do setor de formação do seu Estado. O quarto entrevistado foi ‘Élder’, aluno do Curso de História na UFPB e que coordena o curso prolongado no Maranhão. A quinta entrevistada foi ‘Mirtes’ (aluna do Magistério no Ceará) e o sexto foi ‘Valter’ (aluno do Curso Pedagogia da Terra na UFC), ambos foram educandos do Curso Prolongado. Em todas as oportunidades, busquei compreender de forma ampla as concepções e propostas da formação política de jovens do MST, informações que contribuirão para compreender o Curso Prolongado na sua totalidade, verificando se, durante o processo, se observou ou não alguma transformação do seu modo de perceber a realidade (FREIRE, 1987, p. 99).

A análise dos dados deu-se a partir de um movimento dialético, partindo de concepção científica da realidade e das práticas sociais. Como base da filosofia marxista, esse método “busca explicações coerentes, lógicas e racionais para os fenômenos da natureza, da sociedade e do pensamento. (...) na concepção das evoluções das idéias, baseia-se numa interpretação dialética do mundo” (TRIVIÑOS, 1987, p.51).

Tendo em vista as modificações nos projetos político-pedagógicos em seu processo de construção com educadores e educandos, a pesquisa se concretizou nas experiências passadas, nas sugestões coletivas e nas reais

(28)

condições de realização que possibilitaram uma atuação dos jovens no processo político do Movimento. Partiu, conseqüentemente, do pressuposto de que o curso Prolongado do MST se configura como um espaço político-educativo de produção de saberes e de mudança da concepção de mundo dos seus sujeitos, enquanto “educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, que implica um constante ato de desvelamento da realidade” (FREIRE, 1987, p. 70).

Assim, a pesquisa está estruturada em três capítulos. No primeiro apresento a problemática da questão agrária e as lutas travadas pelos camponeses que deram origem à sua organização em Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O contexto histórico apresenta as bases da formação política camponesa e como os saberes pertencentes às práticas dos trabalhadores rurais se articulam com a teoria dos Movimentos Sociais para a realização de uma práxis.

No segundo capítulo, proponho uma discussão histórica da educação rural e como esta ainda se reflete na cultura popular. Destacam-se as conquistas dos movimentos sociais do campo, pela aprovação das diretrizes Operacionais pela Educação Básica no Campo, como garantia para as escolas dos assentamentos, discutindo a concepção dialética da educação, o que aponta para a intencionalidade política dos projetos pedagógicos. Discuto ainda a Pedagogia do Movimento como proposta político-pedagógica para as atividades educativas do movimento.

(29)

CAPÍTULO 1

VIDA DE CAMPONÊS EM TERRA QUE NÃO TEM VEZ – O MST E A QUESTÃO AGRÁRIA

! "

#

$ %

& % ' ( " " !

(30)

Neste capítulo discutiremos a problemática da exclusão dos trabalhadores rurais à terra, em intrínseca relação com os saberes sociais construídos historicamente com a exclusão do trabalho, da educação e, conseqüentemente, de todo processo de participação política. A história da (não-) permanência do trabalhador do campo tem sido marcada por lutas desde o período colonial, em que o camponês foi originalmente excluído da possibilidade de ser proprietário de terra. Desprovidos da propriedade, também o seriam da participação política e da condição de cidadãos.

Desta forma a história dos trabalhadores rurais é determinada pelos saberes da classe dominante, que introjeta na consciência camponesa uma cultura que se absorve sem refletir. Em contraposição, percebemos ao longo da história que muitos camponeses não se deixaram intimidar e foram à luta. Essa luta, em que a terra foi um dos objetivos centrais, mas não único, conduziu o camponês à aprendizagem de novas estratégias de morar e trabalhar. De escravos, passaram a trabalhadores assalariados, e depois a pequenos proprietários ou a operários nas cidades.

Mais recentemente, a trajetória das lutas camponesas pela permanência na terra teve a contribuição da ala libertadora da igreja, além dos movimentos populares em luta pela reforma agrária, resultando nas raízes da formação do MST. Este movimento, hoje organizado em todo território nacional, nos faz compreender na história da luta pela terra as dificuldades inerentes à formação política do povo camponês. Neste capítulo, contextualizamos o processo histórico da luta camponesa pela terra para entendermos as ações do MST na atualidade.

1. A questão agrária e o processo de luta pela terra

(31)

A questão agrária5 ainda é um problema social em pleno ano de 2007,

mesmo com o Brasil sendo governado por um presidente oriundo da classe trabalhadora. Enquanto a luta pela terra está na dimensão da estrutura social, a Reforma Agrária, para ser solução, necessita o firmar de acordos entre as classes para modificar o direito de propriedade, de forma que este seja reconhecido constitucionalmente e não abale o poder dominante.

A temática é pertinente no cenário nacional e vem se intensificando com as ações dos trabalhadores rurais. Essas ações vão assumindo uma dimensão política desde os anos 1950 e começo dos 1960, com as organizações das lutas camponesas, das associações de lavradores e com a formação de ligas camponesas no Nordeste. Nos anos 1970, a temática esteve na pauta das reivindicações do sindicalismo rural e, mais recentemente, nas décadas de 1980 e 1990, assumiu mais repercussão devido às ações de ocupação de terras improdutivas pelo MST, como forma de protesto e de garantia da desapropriação da terra.

Para João Pedro Stédile (1997 p. 101), o problema agrário, na América Latina e no Terceiro Mundo, “somente poderá ser resolvido agora pelas forças populares”, pois, segundo Martins (1993, p. 88), o momento de acontecer a reforma agrária foi quando o Estado militar percebe que a propriedade da terra representava um obstáculo ao desenvolvimento do capital na agricultura. Decidiu então por subsidiar a transformação dos grandes capitalistas em proprietários de terra. E acrescenta: “Eles recebem uma compensação paga pelo Estado, a sociedade inteira paga pela renda da terra, a sociedade inteira socializa o pagamento da terra para beneficiar esses capitalistas que se tornaram proprietários”.

A exploração da terra e os interesses internacionais pela modernização configuram os modos de produção exclusivamente pelos modelos econômicos. O primeiro foi o agro-exportador, que predominou nos séculos XVI a XX. “O modo de produzir era baseado na chamada “Plantation”, ou seja, a necessidade de grandes extensões de terra, especializando-se num só produto para exportação e com utilização do trabalho escravo” (MST, 2006a, p. 10).

5 De acordo com Martins (1997), estamos nos referindo à questão agrária como o problema social de terra

(32)

Com o fim da escravidão, extinta por interesses de expansão do mercado das elites brasileiras do século XIX, surge a figura do trabalhador livre no Brasil. Um fato a se considerar é que, na sociedade escravista brasileira, o acesso à terra era “livre” porque as terras só eram concedidas aos brancos, “puros de sangue” (ou seja, não-mestiços) e católicos. Com isso, podemos dizer que o marco do problema agrário brasileiro teve início com o fim da escravidão e com a criação da Lei de Terras de 1850, concebida “como obstáculo ao livre acesso à terra por parte da massa da população pobre, inclusive por parte daqueles que viessem a ser libertados da escravidão” (Martins, 1997, p. 14).

Com a crise do modelo econômico agro-exportador, o aumento das demandas internas por alimentos, principalmente nas áreas de café, tornou a mão-de-obra insuficiente com o fim do trabalho escravo. A solução encontrada pela classe dominante foi trazer para o país mais de 1,6 milhões de camponeses pobres da Europa, que haviam se tornado excedentes populacionais em decorrência da expulsão de suas terras pela expansão capitalista.

Passado o período de longa transição (1870-1914), inicia-se a organização de um novo modelo econômico, o modelo de industrialização dependente. Desta forma, de 1930 a 1980, a agricultura brasileira funcionava da seguinte forma: a grande propriedade manteve-se dedicada à exportação de matérias-primas, na garantia de financiar a importação de máquinas, e organizou um setor camponês, para atender ao mercado interno e às necessidades de acumulação da indústria. “A agricultura camponesa se constituiu dos imigrantes da Europa e por um enorme contingente de trabalhadores de origem mestiça e mulatos da região Nordeste, que formaram o campesinato sertanejo” (MST, 2006a, p. 10-1).

(33)

Nessa medida, ainda que, por um lado, o neoliberalismo aumentou os problemas econômicos e sociais dos países dependentes, por outro lado, aprofundou as contradições de classe, que nos levarão a que a proposta de reforma agrária é na realidade uma proposta de mudança da economia, de rompimento dos laços de dependência. Uma proposta de soberania nacional de nossos povos (STÉDILE, 1997, p. 101-2).

Assim, o modelo neoliberal amplia os contextos de dependência econômica e mecanização do campo, intensificando a exclusão dos excedentes populacionais, cada vez mais expulsos do trabalho e da permanência na terra. Mas isso torna visíveis as contradições das classes que compõem o jogo social, o que abre as possibilidades de ação política para a reforma agrária. E identifica-se o Movimento Sem Terra como ator central nessa luta a partir dos anos 90.

Como a urbanização brasileira se deu de forma vertiginosa e inconseqüente, o regime de propriedade se tornou especulativo e expulsou as famílias do campo. A concentração fundiária passou a ser um grande problema social e o desafio constituiu-se em alterar o direito de propriedade, visto que a terra é fonte de poder econômico e poder político. Portanto, a distribuição de terra não é necessária para a atual organização política brasileira. Segundo José de Sousa Martins, a questão agrária é essencialmente uma questão política que surgiu com o desenvolvimento do capitalismo. Segundo o mesmo: “Surge a questão agrária quando a propriedade da terra, ao invés de ser atenuada para viabilizar o livre fluxo e reprodução do capital é enrijecida para viabilizar a sujeição do trabalhador livre ao capital proprietário de terra” (1997, p. 12).

A realidade apresentava uma incompatibilidade das condições de trabalho e de produção, pois da exploração do trabalho do agricultor predominava a hegemonia do grande proprietário. Essa exploração vem ocorrendo como conseqüência da concentração da terra, que submete o camponês ao trabalho de posseiro e/ou parceiro (conhecido também como trabalhador de meia), e ao assalariamento temporário.

Tornar o trabalho em terra alheia, em terra dos grandes proprietários, o único meio de sobrevivência dos pobres. Trata-se, portanto, num país que tem vastas extensões de terras subutilizadas em mãos de proprietários particulares, de criar um meio artificial de forçar quem não tem terra a servir quem tem (Martins, 1997, p. 16).

(34)

Destaca-se que, no Nordeste, utiliza-se uma grande oferta de mão-de-obra por baixo custo na agricultura. A prática dos proprietários de terras tem sido, em geral, não arriscar investimentos numa área em que as perdas são freqüentes. Quando estabelecem a parceria da plantação com o posseiro, exigem 50% da produção, enquanto que o máximo permitido pela Lei é 30% e, quando a plantação é perdida, provoca-se o endividamento dos trabalhadores e até mesmo sua conseqüente expulsão da terra. Ressalte-se, ainda, que é prática entre os proprietários o não respeito à Lei, que reforça a exploração do camponês, contrariando o artigo 96 do Estatuto da Terra, que dita o seguinte:

Na participação dos frutos da parceria, a quota do proprietário não poderá ser superior a 10%, quando concorrer apenas com a terra nua; 20%, quando concorrer com a terra preparada e moradia e 30%, caso concorra com o conjunto básico de benfeitorias enumeradas na alínea “b” e mais fornecimento de máquinas e implementos agrícolas, para atender aos tratos culturais, bem como as sementes e animal de tração.

Como conseqüência do poder gerado pela propriedade da terra, estava assegurada a proteção aos grandes proprietários, tornando os trabalhadores rurais dependentes e vulneráveis a uma realidade de total exclusão social. Isso contribuía para que os seus direitos fossem sempre vistos como extensão dos direitos dos fazendeiros e evidenciava a cultura da dádiva como um dos mais fortes traços de continuidade da cultura política brasileira. “O mundo do trabalho rural formou-se marcado pela regulação privada, e a noção da existência de direitos pouco se desenvolveu” (MEDEIROS, 1997, p. 79).

Lutando contra essa ausência de direitos, a maior bandeira do Movimento Sem Terra é contra a grande propriedade, que por sua vez está atrelada a uma estrutura de poder antidemocrática. Sendo assim, configura-se a questão agrária como um problema político. Neste contexto, o MST vem promovendo uma democratização no campo, através de suas ocupações, o que tem proporcionado uma ressocialização dos trabalhadores rurais pela experiência dos assentamentos.

(35)

A luta pela terra, que sempre esteve tratada em âmbito privado, passa a tomar lugar na esfera pública, permitindo uma divulgação do direito, concretizado pela possibilidade de desapropriação de áreas de conflito, tal como regulamentado no Estatuto da Terra de 1964. Isso torna as ocupações de terra uma expressão das demandas dos trabalhadores rurais. Mesmo dez anos antes do estatuto, o partido comunista já havia lançado uma campanha nacional pela reforma agrária, e a apresentava como “condição básica para o progresso da economia nacional e medida de justiça social. Desta forma, a reforma agrária não apareceria como uma questão do meio rural, mas sim como um tema que tocava a sociedade brasileira” (MEDEIROS, 1997, p. 83).

Como são insuficientes as ações que vêm sendo encaminhadas para a solução da questão agrária brasileira, podemos afirmar que a “imparcialidade” que em muitos meios se prega é a fonte básica dos problemas sociais que estamos enfrentando, como desabafa, em uma entrevista, José de Souza Martins:

Quando penso em problema social, penso na deterioração das condições de vida, não só na deterioração material, mas também na deterioração moral que a acompanha. Não pode haver cidadão, não pode haver civilização, numa sociedade que tem uma massa tão grande de gente sem nenhuma oportunidade de se inserir na única via que nela há para gestar e sustentar a cidadania, que é o mercado de trabalho. Só quando você está no mercado é que você pode ser cidadão, você pode ter direitos, etc. Fora disso, você não existe, você não é ninguém. Tratar a cidadania como coisa abstrata, como mera palavra, já é, em si mesmo, um ato de omissão em relação a ela. Cidadão excluído de relações sociais concretas mediadas pela igualdade e pelo direito não é cidadão nem aqui nem em lugar nenhum (MARTINS, 1997, p. 26, grifo nosso).

(36)

seus locais de moradia original, se é que seria possível recuperar a origem perdida.

A condição de vida do camponês se reproduz no contexto social evolutivo de uma sociedade classista, revela a reprodução da força de trabalho capitalista e a expansão do modo de produção. Segundo Damasceno (1990, p. 66):

As relações que se estabelecem entre capital e campesinato adquirem formas diferentes daquelas que ocorrem entre o operariado e o capital. O fundamental é reconhecer que tanto o operariado quanto o camponês são violentamente antagonizados pelo capital.

As lutas que tivemos e se afirmam com o MST são tentativas de criar alternativas de vida no campo, de combater a existência de grandes áreas de terra subutilizada ou não utilizada, e ainda de boa parte empregada de modo impróprio ou especulativo. Diante da realidade, a luta do MST propõe a produção nos assentamentos, assegurando a permanência das famílias no campo para a realização da soberania alimentar, garantindo alimentos para o consumo e a venda do excedente de produção.

Como condição para a organização dessas famílias, é preciso negar a cultura da submissão, absorvida pelo camponês em sua formação histórica, que reforçava as concepções de que os trabalhadores do campo não tinham capacidade de assumir responsabilidades pela produção e nem de se organizar, por suas carências e falta de formação escolar. Na verdade, as inúmeras práticas dos assentamentos em todas as regiões do país nos revelam que as necessidades vão surgindo no cotidiano e apontando novas demandas e desafios a serem superados.

Discutir a questão agrária neste capítulo implica compreender a formação política e social do povo brasileiro, no processo de transição à modernização capitalista. Isso reflete as problemáticas sociais que afetam os contextos rural e urbano do Brasil em 2007. Tal debate ainda precisa ser aprofundado, para que a sociedade deixe de reproduzir o preconceito de que a reforma agrária é “coisa de sem terra”.

(37)

o alargamento das visões pode promover o desenvolvimento do e no campo, incentivando assentamentos auto-sustentáveis, em que a agricultura familiar gera uma produção de subsistência e de comercialização. Conseqüentemente, isso pode acarretar numa maior movimentação da economia local e gerar mais emprego e renda para a região.

A temática da questão agrária deve se expandir, não se restringindo às pesquisas acadêmicas nem aos interesses dos movimentos sociais. É importante a evidência da discussão, pois ela deve estimular o interesse da sociedade em criar argumentos coerentes para a justiça social no campo e para termos condições de perceber a dialética da luta de classes. Estamos vivenciando um governo de esquerda “democrática” que era a grande esperança dos movimentos sociais do campo de uma nova conjuntura política de caráter popular. Expressando na certeza que o momento histórico é propício para realizar a tão sonhada reforma agrária.

1.2. Revisitando a discussão de Movimentos Sociais

Em busca de compreender as formas de ação coletiva do MST, recorro a teorias marxistas por estas serem as que melhor contribuem nos estudos dos movimentos sociais. Elas se destacam por apresentar categorias filosóficas de compreensão da realidade, tais como: movimento, contradição, conflito de classe, conscientização e a práxis, categorias determinantes de uma dialética de opressão e de libertação, para atuar na produção de uma sociedade modificada pela dimensão educativa dos movimentos sociais (JEZINE, 2006).

(38)

Movimentos Sociais são ações sócio-políticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes classes e camadas sociais, articulados em certos cenários da conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo político de força social na sociedade civil. As ações se estruturam a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em conflitos, litígios e disputas vivenciadas pelo grupo na sociedade. As ações desenvolvem um processo social e político cultural que cria uma identidade coletiva para o movimento, a partir dos interesses comuns. Esta identidade é amalgamada pela força do princípio da solidariedade e construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo em espaços coletivos não institucionalizados. Os movimentos geram uma série de inovações nas esferas pública (estatal e não estatal) e privada; participam direta ou indiretamente da luta política de um país, e contribuem para o desenvolvimento e a transformação da sociedade civil e política. Estas contribuições são observadas quando se realizam análises de períodos de média ou longa duração histórica, nos quais se observam os ciclos de protestos delineados. Os movimentos participam, portanto da mudança social histórica de um país e o caráter das transformações geradas poderá ser tanto progressista como conservador ou reacionário, dependendo das forças sócio-políticas que estão articuladas, em suas densas redes: e dos projetos políticos que constroem com suas ações. Eles têm como base de suporte entidades e organizações da sociedade civil e política, com agendas de atuação construídas ao redor de demandas socioeconômicas ou político-culturais que abrangem problemáticas conflituosas da sociedade onde atuam.

De maneira geral, uma conceituação de movimentos sociais deve atender a vários contextos sócio-históricos. Em nossa realidade de pesquisa, consideramos que as raízes do MST encontram-se em um movimento social popular de organização de massa, idealizado pelos próprios trabalhadores rurais. Utilizamos aqui o termo “de massa” porque as próprias lideranças entendem que o movimento ainda não formou conscientemente todos os seus membros, mas ele busca mobilizar uma grande quantidade de pessoas para que possa realizar com elas uma formação contínua e prolongada.

Para tanto, Ribeiro (2004), a partir da discussão da práxis do MST caracteriza o movimento como sindical, popular e político.

Como movimento sindical, ele representa a luta pela conquista da terra, por infra-estrutura e assistência técnica. “Essa característica se fundamenta no entendimento de que as transformações objetivas e subjetivas da sociedade se dão sob bases concretas, sob mudanças efetivas nas condições materiais de produção” (ibidem, p. 24).

(39)

jovens e crianças. Também podem fazer parte dela todos/as que defendem e apóiam a luta pelos impasses da questão agrária, fortalecendo ainda o MST como uma organização social.

Já como movimento político, compreende que as lutas pela terra e reforma agrária só podem avançar como parte essencial da luta de classes, na qual se percebe o pressuposto da divisão de classe e a luta entre elas como princípio de desenvolvimento histórico. Acredita-se, então, na unificação da classe trabalhadora e na conquista da hegemonia popular, como revelado no grito de guerra: “quando campo e cidade se unir, a burguesia não vai resistir”.

Ainda segundo Ribeiro (2004), muitas são as pesquisas sobre movimentos sociais que se concentram em descrever suas características e ainda não realizam uma análise que reflita coerentemente a sua dinâmica interna. Isso reforça a necessidade de estudar os movimentos sociais à luz de teorias que lhes observem dentro do movimento geral da sociedade. E não vemos uma abordagem mais adequada a isso do que o marxismo, que vê a luta de classes como o grande motor da história da humanidade. Melhor dizendo, pelas palavras de Engels, em prefácio ao Manifesto Comunista:

toda a história (desde a dissolução da posse comunitária primordial das terras) tem sido uma história de lutas de classes, lutas entre classes exploradas e exploradoras, dominadas e dominantes, em diferentes etapas do desenvolvimento social; que esta luta, porém atingiu agora uma etapa em que a classe explorada e oprimida (o proletariado) já não se pode libertar da classe exploradora e opressora (a burguesia) sem ao mesmo tempo libertar para sempre toda a sociedade da exploração, da opressão e das lutas de classes - este pensamento basilar pertence única e exclusivamente a Marx (1987, p. 13).

Segundo Gonh (1997), enquanto teoria dos movimentos sociais, o marxismo é entendido como um paradigma europeu. Outra abordagem paradigmática da Europa é conhecida como teoria dos Novos Movimentos Sociais, que se consagraram nos anos 80 e tentam explicações mais conjunturais da ação social, localizada em âmbito político ou concentrada nos microprocessos da vida cotidiana, fazendo recortes na realidade para observar a política dos novos atores sociais. Como se vê, os novos movimentos sociais são vistos sob um olhar culturalista-acionalista e, em conseqüência, não procuram aprofundar as relações históricas e dialéticas das condições da opressão.

(40)

à terra já adquiriu a consciência de que, com a terra, vem uma série conjuntural de demandas que o sistema capitalista de dominação burguesa não é capaz de satisfazer. Além disso, o indivíduo em tomada de consciência é aquele que sabe da sua situação dentro da luta de classes, ou seja, busca compreender em profundidade a sua conjuntura. A esse respeito, Marx e Engels (1987, p. 52) são taxativos:

Será necessária uma inteligência profunda para compreender que ao mudarem as relações de vida dos homens, as suas relações sociais, a sua existência social, mudam também as suas representações, as suas concepções e os seus conceitos, numa palavra, a sua consciência?

A trajetória histórica de formação do MST teve características bem particulares com relação a outros movimentos sociais. Inclusive incorpora contribuições da teoria dos Novos Movimentos Sociais quanto aos temas específicos centrados nas questões culturais, de etnias, de gênero, de identidades raciais ou culturais, que foram acrescidos às lutas. Isto destaca o MST “como um dos herdeiros de um processo histórico de resistência e luta do campesinato brasileiro” (BATISTA, 2006, p. 107).

A própria formação do movimento indica suas particularidades, já que se distingue em três momentos na história. Inicialmente houve a articulação e organização da luta pela terra na concepção de sua unidade nacional. Foi na segunda fase de sua história, que o MST definiu sua estrutura como movimento de massa. E é mais atualmente que tem ocorrido a percepção conjuntural da Reforma Agrária dentro de um projeto de desenvolvimento para o Brasil (CALDART, 2004).

Imagem

Foto do Assentamento Bernardo Marin – Local onde foi realizado o Curso Prolongado de 2005

Referências

Documentos relacionados

A dispensa de medicamentos é a função primordial do Farmacêutico e deve ser feita unicamente em Farmácia, por Farmacêuticos ou técnicos devidamente habilitados, sempre sob

Todas as outras estações registaram valores muito abaixo dos registados no Instituto Geofísico de Coimbra e de Paços de Ferreira e a totalidade dos registos

Reforçando esta idéia, Fama e French (1992) observam a incapacidade do CAPM estático de explicar satisfatoriamente o cross-section do retorno médio. Eles usaram todas as

Vários fatores podem contribuir para a qua- lidade final dos painéis aglomerados, dentre eles, podem ser destacados os inerentes à ma- deira, tais como: espécies, características

Considerando a importância dos tratores agrícolas e características dos seus rodados pneumáticos em desenvolver força de tração e flutuação no solo, o presente trabalho

A simple experimental arrangement consisting of a mechanical system of colliding balls and an electrical circuit containing a crystal oscillator and an electronic counter is used

Entende-se que os objetivos desta pesquisa foram alcançados, uma vez que a medida de polaridade conseguiu captar espaços com maiores potenciais de copresença (espaços

escrupulos. que até aqui podiaõ embarasar a alguns, para crer que os Cometas saõ Astros creados no principio do mundo ; pois já se podem calcu l ar os seos movi·