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3.1. Refletindo a intencionalidade do ato educativo do curso prolongado:

3.1.1. Eixo do Trabalho

O Movimento compreende o eixo do trabalho como um elemento pedagógico de auto-criação humana, fundador de um ser social, como processo de humanização do homem. Nessa experiência, as atividades do processo educativo, a partir da realidade concreta, são consideradas como um trabalho social que visa à formação dos membros da sociedade e como criadores de um

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Núcleos de Base são a forma como os jovens se organizam, compondo pequenos grupos. Essa estruturação permite melhor troca de opiniões, distribuição das responsabilidades e avaliação do andamento dos trabalhos e do comportamento dos participantes.

mundo. Podemos entender melhor essa concepção de trabalho social com Melo Neto (1999, p. 64):

É pelo trabalho social que vai se transformando a natureza e criando a cultura. É esta a dimensão fundamental desse tipo de educação como trabalho social, isto é, atividades educativas produtoras de cultura, buscando o conhecimento do mundo onde o humano atua. Dessa forma, expressam-se atividades concretas, cujo desempenho depende de cada situação histórica, além disso, efetuando-se em uma sociedade permeada de contradições de classe, a educação popular também se expressará de forma contraditória, trazendo consigo a conservação e criação do novo saber, de um novo conhecimento, a conservação e a crítica da existência.

Na sociedade capitalista permeada de contradições, o trabalho é tido como atividade desumanizadora e degradante das classes subalternas, mas também pode ser uma atividade humanizadora na compreensão dos teóricos socialistas. Para o MST é preciso lutar e resistir contra a escravidão e opressão que a classe trabalhadora sofre e propor a criação dos novos valores e saberes que considerem o trabalho como uma atividade que desenvolva a dimensão de

ser mais dos homens e mulheres. Entendemos a expressão utilizada por Freire

(1979, 1987) – ser mais – como a capacidade das pessoas de estar no mundo e agir sobre ele. Desta forma, a concepção de trabalho que o MST trabalha em seus cursos, segundo o Caderno do ITERRA, Métodos Pedagógicos (2004):

É a atividade específica do ser humano concreto (esforço físico e mental) orientada para transformar a natureza para que satisfaça as suas necessidades. O trabalho é o meio de suprir necessidades e só é possível com a ajuda dos instrumentos de trabalho e através de esforços coletivos. (...) E mais, o trabalho é a possibilidade de aperfeiçoamento do ser humano que se forma a partir de suas relações com o conjunto da natureza.

Os princípios do trabalho social estão diretamente vinculados à organização do trabalho agrícola, embelezamento e transformação de alimentos, ao trabalho doméstico, trabalho de base e mobilizações, além do trabalho político e organizativo. Este compreendido como o modo de ser, de produzir o militante, homem e mulher Sem Terra, ou seja, “como gera um novo ser social” (MST, 2004, p. 3).

O trabalho político e organizativo perpassa todas as atividades dos eixos políticos e pedagógicos, com a função de garantir a participação consciente da coletividade na construção do processo educativo através da organicidade. Essa dimensão da organicidade significa, na compreensão do MST, processos

coletivos que favorecem no cotidiano o fortalecimento da coletividade como

educadora de si mesma através do acompanhamento, convivência, espaços de

núcleos, setores e coordenações. Esse processo possibilita a construção de

uma nova cultura de relações interpessoais proporcionando reflexões da realidade e resoluções de problemas.

Na convivência, as aprendizagens afloram iniciando-se pela superação do individualismo, através do resgate da experiência de vivenciar as relações humanas em família e em comunidade. Aprender a viver com o outro é um exercício de auto-aprendizagem que se pratica com o compartilhar da intimidade, mexe com as relações de poder, revela preconceitos e transparece o comportamento ideológico das pessoas. A convivência torna-se o melhor meio de aprender a dividir, a cuidar e respeitar o próximo, pois no meio de tantas atividades, é preciso cumprir com tarefas domésticas corriqueiras que seguem em rodízio pelos núcleos de base.

A organização em núcleos dos educandos do Prolongado é orientada pelos critérios de gênero, escolaridade, localidade, tempo no movimento e características da personalidade que são observadas pela coordenação durante os primeiros dias do curso. O processo consiste em entrevista com cada participante, na intenção de conhecer melhor sua história de vida e quais as perspectivas que possui do movimento, considerando também as avaliações que vêm das Direções Estaduais.

Na composição do núcleo deverá haver um coordenador e uma coordenadora definidos em rodízio, para que todos exercitem essas funções. Assim, os participantes estão sempre assumindo tarefas no curso e são responsáveis por setores. Além disso, devem se reunir por uma hora, três dias por semana, com caráter de estudo orientado e de organicidade, e dois dias para reuniões dos setores.

Os setores são divididos conforme as atribuições das atividades de organicidade e necessidades do curso, para uma vivência da percepção da dinâmica do MST no seu cotidiano dos assentamentos, mobilizações, cursos e atividades culturais. Tudo é produzido por eles e para eles.

Destacamos os setores de produção (compreendendo as atividades de produção de hortaliças, lavoura; embelezamento produtivo e artesanatos; entre outros), comunicação (com atividades de TV, vídeo e som; jornalismo e rádio),

saúde (com responsabilidade de acompanhar algum problema de saúde e

responsável por atividades de cuidados com a água e higiene, esporte e lazer),

cultura e mística (com atividades dos momentos místicos e de integração cultural), alimentação (responsáveis pela cozinha, controle e execução das refeições), relações humanas (com atividades de incentivos e integração da coletividade;

disciplina e segurança e o trabalho da Ciranda infantil), secretaria e biblioteca (controle de empréstimos de livros e pela memória dos relatos dos núcleos) (MST, 2004).

Os setores são formados por um componente de cada núcleo, que por sua vez acompanha o conjunto das atividades do curso e o desenvolvimento dos núcleos e dos militantes. Compõe-se também por uma coordenação político- pedagógica que considera a realidade onde os eventos se concretizam e cumpre tarefas que compreendem: a avaliação de cada educando para ser repassada às direções do MST; atuação para garantir a implementação das linhas políticas e princípios organizativos do movimento; a busca da unidade interna do grupo; favorecimento do processo de reflexão com a turma; garantia da execução do programa do curso; planejamento e acompanhamento dos momentos de estudo; avaliação e discussão do processo pedagógico com a turma; tentativa de acompanhamento pedagógico em todas as dimensões do ser humano; e reconhecimento dos educandos e educandas como sujeitos do processo, interagindo e estimulando a coletividade. Esta coordenação, juntamente com a coordenação dos núcleos compõe a coordenação do Prolongado.

As tarefas avaliativas são dividas em avaliação do processo coletivo e

avaliação individual. No processo coletivo, a reflexão se dá pelo teatro do

oprimido, com a técnica do teatro imagem, em que um tema ou um fato ocorrido nos últimos quinze dias é escolhido pelos núcleos e levada à discussão pela representação. Na encenação do fato as imagens são congeladas no momento do conflito, para que um coordenador juntamente com a turma interfira na mudança do ocorrido. Deve ser um momento de formação dos militantes que exige concentração e coerência de todos na busca de soluções dos conflitos e contradições do coletivo.

A avaliação individual é realizada durante todo o processo, através dos avanços no exercício da crítica e autocrítica junto à coordenação político- pedagógica, que faz uma reflexão dialógica com os educandos em torno de seus

desejos e desgostos. Embora diariamente seja feito um relato do dia pelos educandos, ainda são realizados dois momentos de avaliação individual, na metade e no final do curso, para ser elaborada uma carta de avaliação de cada jovem. Esta mesma é enviada às direções estaduais que aproveitarão os potenciais e desejos dos jovens, solicitando sua participação nas várias atividades do Movimento, que podem ser trabalhos de base nos assentamentos ou acampamentos, convites para outros cursos ou trabalhos de coordenação das regionais, etc.