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3 O PERCURSO METODOLÓGICO

3.2 Elementos de coleta de dados

Nesse ponto discorreremos sobre os elementos de coleta de dados usados como suporte para o alcance dos objetivos da pesquisa que se referem tanto à forma de proceder na pesquisa de campo e à organização dos dados para viabilizar a análise e produção da dissertação.

- As Observações e os Registros em Diário de Notas

Para nossa pesquisa, a observação foi um elemento central utilizado para o alcance de nossos objetivos. Mesmo sabendo que estar presente no lócus da pesquisa, por si só, não era suficiente, o uso da observação configurou-se como elemento potencializador para a compreensão da realidade. Como tematiza Minayo (2010, p. 70), a observação é “[...] um processo pelo qual um pesquisador se coloca como observador de uma situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica”. Dessa forma, acreditamos que para a realização de uma investigação científica, como expressa a autora, é necessário a preocupação do pesquisador no tocante à qualidade da observação realizada.

Em nossa atuação como pesquisadora partimos da premissa da realização de observações acurada que retratassem ao máximo a realidade na qual estivemos inseridos, esse processo tornou-se bastante desafiador, pois nossa vasta experiência como professora dos anos inicias, muitas vezes, tendia a nos afastar da expressiva necessidade de compreensão dos fenômenos ali observados nos atraindo para uma

especulação do que provavelmente faríamos caso agíssemos como professora naquele espaço.

Porém, com o passar dos dias, nos trâmites da pesquisa, na realização dos registros no diário de campo, reescrevendo, analisando os eventos oriundos das aulas observadas e nos debruçando no estudo sobre a perspectiva etnográfica, percebemos que era necessário a tomada de uma postura reflexiva, uma vez que o conhecimento a ser produzido na pesquisa partiria da compreensão dos fenômenos, das ações, do cotidiano daquele grupo observado, das relações estabelecidas entre professora e crianças imersos em um contexto produtor e reprodutor da cultura escolar.

O processo de observação, o registro no diário de campo, a reescrita cuidadosa das notas etnográficas e a transcrição de áudios, nos renderam dados que foram analisados e nos aproximaram de uma compreensão dos fenômenos ocorrentes no lócus de nossa pesquisa, a sala de aula, onde pudemos observar, registrar e interpretar diferentes segmentos da cultura escolar como um todo, porém com o foco na sala de aula, especificamente voltado aos eventos de letramento relacionados à produção de textos.

Ao concluir as observações, percebemos o redirecionamento de nosso olhar para com o objeto de pesquisa, uma vez que o contato com a realidade e as leituras teóricas nos ajudaram no desprendimento de prejulgamentos iniciais e, ao mesmo tempo, aglutinou ao nosso olhar investigador elementos por nós ainda não mobilizados, fruto de nossa aproximação com a perspectiva etnográfica de pesquisa e discussões sobre os dados coletados em reuniões sistemáticas do GPEALE.

As observações que compõem essa pesquisa tiveram início em fevereiro de 2016. Tínhamos a pretensão de permanecer no campo até o final do primeiro semestre, porém não foi possível devido ao afastamento da professora sujeito da pesquisa, que com a junção de problemas pré-existentes na coluna vertebral e uma queda em dia de muita chuva, teve seu problema de saúde agravado, precisando se submeter a licença médica, não retornando para a turma no ano de 2016. Sendo assim, nossa pesquisa foi desenvolvida a partir de dezenove observações realizadas entre os meses de fevereiro, março, abril e maio.

Vale salientar que tratamos dos eventos de letramento, com um foco direcionado a produção de textos, ocorrentes na sala de aula, e que as aulas observadas atenderam aos diversos componentes curriculares, não se restringindo às aulas de língua portuguesa. Abaixo, apresentamos um quadro representativo das

observações realizadas, que foi organizado na tentativa de expor quantitativamente as observações realizadas nos meses de incursão, os dias da semana que ocorreram as observações, os eventos de produção de textos observados e os gêneros textuais produzidos ao longo das observações que constituíram a pesquisa.

Quadro 1: observações realizadas

Meses Datas/dias da semana Gêneros produzidos Quantidade de observações realizadas a cada mês Eventos produção de textos Observados Fevereiro 1ª observação- 15- segunda-feira Etiqueta de identificação para o caderno de classe 2 1 2ª observação- 17- quarta-feira - Março 3ª observação- 03- quinta-feira - 6 2 4ª observação- 04- sexta-feira Bilhete 5ª observação- 08- terça-feira - 6ª observação- 09- quarta-feira - 7ª observação-10- quinta-feira - 8ª observação-28- segunda-feira Paródia Abril 9ª observação- 04- segunda-feira - 10ª observação- 11- segunda-feira -

Fonte: Criação da autora

Após a conclusão das observações e dos registros de diário de campo, realizamos um mapeamento dos eventos observados. Para cada dia de observação, os dados advindos da incursão foram tabulados em mapas de eventos que expõem sucintamente os eventos de letramento vivenciados pela turma ao longo das 19

7 1 11ª observação- 18- segunda-feira - 12ªobservação- 19- terça-feira - 13ª observação-20- quarta-feira - 14ª observação-25- segunda-feira Gráfico de Colunas 15ª observação-26- terça-feira - Maio 16ª observação-12- quinta-feira - 4 1 17ª observação-13- sexta-feira - 18ª observação-17- terça-feira - - 19ª observação- 20- sexta-feira Legenda para figura Total: 4 meses 19 observações 5 gêneros produzidos 19 observações 5 Eventos de letramento no ensino produção de textos.

observações realizadas. A elaboração dos mapas nos auxiliou na construção de uma visão geral dos eventos de letramento ocorridos, relacionando-os à forma com a qual a professora organizava e priorizava o que era proposto para as crianças.

Para tanto, os cinco eventos de letramento mencionados no quadro ilustrativo das observações realizadas serão discutidos na seção que trata da análise dos dados de nossa pesquisa.

- O Uso de Entrevistas Semiestruturadas

Um dos elementos de coleta que se apresentou como viável e compatível com a nossa proposta de pesquisa foram as entrevistas do tipo semiestruturadas, pois elas “[...] combinam perguntas fechadas e abertas, em que o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada” (MINAYO, 2010, p. 64). Dialogamos também com Ludke e André (1986), quando afirmam que a entrevista deve se constituir a partir de um esquema básico e não ser aplicada rigidamente, permitindo que o entrevistador possa fazer as adaptações necessárias às questões e questionamentos que orientam a pesquisa.

Como já afirmado em momentos anteriores desse texto, nossas intenções de pesquisa perpassaram pelo esforço de dar voz ao sujeito dela participante, uma professora do 3ª ano do Ensino Fundamental, na tentativa de compreender as práticas de produção de textos por ela propostas. Dessa forma, as entrevistas tiveram papel significativo no auxílio do cumprimento de mais essa aspiração de pesquisa.

Ao apontarmos a entrevista como elemento de coleta, rememoramos a preocupação de Bourdieu (2003) quando ultrapassa o plano de construção técnica do texto que a registra e antecipa uma reflexão sobre o momento de acontecimento da mesma. No argumento do autor, é preconizada a importância do posicionamento do pesquisador ao assumir o papel de entrevistador: a forma de posicionar-se, os gestos corporais, a imposição inconsciente do capital cultural e do capital linguístico podem comprometer todo o momento outrora planejado. De forma veemente, Bourdieu (2003) enfatiza o zelo no que tange à proposição inconsciente da violência simbólica e discorre sobre a necessidade de que no momento da entrevista seja evidenciado uma tentativa de minimizar a relação assimétrica com o entrevistado.

Para o autor, a maneira como é estabelecido o contato inicial do pesquisador com o sujeito a ser entrevistado, e a relação proveniente desse encontro, estão

completamente imbricadas na fidelidade das informações colhidas na entrevista. Sabendo da importância desse elemento, todas as fases que o constituíram foram rigorosamente planejadas, desde a construção técnica, a maneira como foi conduzida e o tratamento dos dados obtidos.

Dessa maneira, observando a sala de aula, questionamentos surgiram advindos da necessidade de compreender os fenômenos observados e transformaram-se em perguntas a serem tratadas na entrevista com a professora. Neste tocante, tomamos como referência as explicitações de Rosa e Arnoldi (2008) quando explicitam suas contribuições acerca da organização e construção das questões que compõem uma entrevista e que podem ser estabelecidas a partir de uma relação harmoniosa e de confiança entre o pesquisador e o sujeito participante:

As questões, nesse caso, deverão ser formuladas de forma a permitir que o sujeito discorra e verbalize seus pensamentos, tendências e reflexões sobre os temas apresentados. O questionamento é mais profundo e, também, mais subjetivo, levando ambos a um relacionamento recíproco, muitas vezes, de confiabilidade. Frequentemente elas dizem respeito a uma avaliação de crenças, sentimentos, valores, atitudes, razões e motivos acompanhados de fatos e comportamentos. (ROSA; ARNOLDI, 2008, p. 30-31).

No contínuo da pesquisa, foram realizadas duas entrevistas: a primeira ocorreu em nosso segundo encontro com a professora, em sua própria sala de aula, bem no início do ano letivo em 11 de fevereiro de 2016. Nossa incursão no campo coincidiu com a proximidade da defesa de qualificação da versão inicial desse texto, quando ainda se tratava de um projeto de pesquisa. No primeiro contato com a professora a percebemos bastante entusiasmada com sua participação na pesquisa, adiantando em uma conversa informal informações que consideramos importantes para a ampliação e escrita de nosso projeto. Decidimos, então, retomar nosso diálogo, gravando-o no aparelho celular, com a permissão da professora. Esse momento durou cerca de quarenta minutos. As informações coletadas endossaram nosso registro inicial de pesquisa, e alguns pontos elucidados na entrevista foram levados em consideração no momento da defesa do projeto de qualificação de nosso texto.

Já o segundo momento foi planejado após a conclusão das observações, reescrita do diário de campo, transcrição de áudios e construção dos mapas de eventos, com a intenção de clarear nossas considerações sobre os eventos de letramento observados de maneira geral e especificamente no ensino de produção de textos mediados pela professora.

Findada a interpretação e aglutinação inicial dos dados coletados, a entrevista aconteceu na sala de leitura da escola, em 24 de outubro de 2016, tendo duração aproximada de uma hora e trinta e minutos. Seguimos um roteiro organizado em três blocos que foram discutidos no decorrer do diálogo.

No bloco 1, foram abordados os seguintes tópicos: informações gerais sobre a professora, sua apreciação sobre o 3º ano do Ensino Fundamental como etapa final do ciclo de alfabetização, principais objetivos para a turma ao longo dos meses de fevereiro, março, abril e maio (meses de nossa incursão no campo), a heterogeneidade da turma, o diálogo estabelecido entre a professora e as crianças, a participação da turma, a disciplina na sala de aula/a autoridade da professora, o incentivo dado às crianças por parte da professora, o elogio às atividades realizadas pelas crianças, a participação da família na vida escolar das crianças, a relação da professora com a coordenação e gestão escolar, a organização dos materiais preparados pela professora para as aulas observadas, o diário de classe on-line e a matriz curricular do município.

No bloco 2, os tópicos perpassaram pelos eventos de letramento observados ao longo das observações já tabuladas nos mapas de eventos. Conversamos sobre: a seleção dos textos e atividades xerocadas propostas em sala, a “cobrança da letra bonita e do caderno arrumado”, o “Parabéns” escrito por ela no caderno após a correção das atividades, a escrita constante do cabeçalho escolar na maioria das atividades propostas, o uso contínuo do calendário, o uso do Livro Didático (LD) como ferramenta na sala de aula, o projeto sobre a cultura indígena vivenciado em sala com uso de diversos gêneros textuais, a exploração dos conceitos de verso, estrofe e rima a cada leitura de poema realizada em sala, a contagem de letras e sílabas das palavras em algumas atividades, o uso das marcas gráficas dos textos na orientação de leituras realizadas (o negrito, o sublinhado, a identificação do parágrafo, as cores das palavras), a escuta da leitura individual das crianças no birô e a percepção da professora sobre o avanço das crianças no que diz respeito a leitura e a escrita.

O bloco três teve como foco uma conversa sobre os eventos de letramento de produção textos vivenciados pela turma, no total de cinco, aqui expostos no quadro ilustrativo das observações realizadas. Dialogamos sobre a importância desses eventos para a crianças, o que elas aprenderam a partir deles, sobre o porquê da escrita coletiva em detrimento da produção individual, a autoria das crianças. Ainda nesse processo, conversamos sobre o que determinou a escolha dos gêneros

produzidos: etiqueta de identificação para o caderno de classe, bilhete, paródia, gráfico de colunas e legenda de imagem. Conversamos paulatinamente sobre cada evento de letramento vivenciado na produção desses gêneros.