• Nenhum resultado encontrado

Produzindo a etiqueta de identificação do caderno de classe

4 EVENTOS DE LETRAMENTO NA PRODUÇÃO DE TEXTOS

4.3 Produzindo a etiqueta de identificação do caderno de classe

Este momento de produção se deu quando a professora no primeiro dia de aula, 15 de fevereiro de 2016, incentivou as crianças a produzirem o registro da etiqueta de identificação do caderno de classe. O caderno utilizado foi o oferecido pela

Rede Municipal de Ensino que recebeu intervenção da professora em seu layout. Ela colou uma folha de oficio na capa dos cadernos com um desenho infantil centralizado e, abaixo do desenho, um retângulo com linhas aparecia como o espaço para o registro dessa escrita. Como não dispusemos do registro fotográfico da capa do caderno construímos um esboço para ajudar a compreensão do leitor.

Figura 7: Esboço da capa construída pela professora participante

Fonte: Criação da autora

Após a exploração do calendário, a professora falou para as crianças que elas usariam naquele momento o caderno de classe como suporte para atividade que realizariam. Assim, ela os entregou para as crianças, e para nossa surpresa estavam cuidadosamente organizados (com uma folha impressa com imagem colorida colada na capa e listas a baixo da figura). Assim, a primeira atividade escrita proposta no primeiro dia de aula foi a produção do texto da etiqueta de identificação idealizada pela professora, localizada na parte inferior da folha colada na capa dos cadernos, contendo as seguintes informações: aluno, professora, turma e turno. Enquanto as crianças produziam o texto, a professora fez menção à caligrafia e funcionalidade do registro escrito. CADERNO DE CLASSE ILUSTRAÇÃO INFANTIL IMPRESSA EM COLORIDO Aluno(a):____________________________________________________________________ Professora:________________________________________________________________ Turma:___________________________________________________________________ Turno:___________________________________________________________________

P: Caprichem na letra, quero essa letra bonita. (E continuou) P: Para que vocês acham que a gente tá escrevendo isso? C: Para marcar de quem é o caderno! (Uma criança)

P: Sim, Mas a gente escreve essas informações, para que? Por que é importante preencher isso direitinho? Vejam, os cadernos são iguais se não escrevermos não saberemos de quem é o que...

Nesse momento, a professora explorou a necessidade daquele registro escrito e sua funcionalidade, reforçou a importância da escrita legível, explicou sobre a similaridade dos nomes de algumas crianças e sobre prováveis esquecimentos dos cadernos na escola. Ela frisou que a etiqueta teria grande importância para a identificação do caderno, por isso, a necessidade da legibilidade na escrita. Durante a realização da atividade ela transitou pela sala bem próximo às cadeiras das crianças e observou quem estava conseguindo realizar a atividade e ajudou algumas crianças que não conseguiam. Algumas crianças terminam atividade com bastante agilidade, outras demoraram um pouco e demonstraram bastante dificuldade. A professora ajudou aqueles que estavam com dificuldade, até que todos concluíram.

Ao analisarmos o excerto de nosso diário de campo, podemos perceber o quanto a escrita se materializa em seus contextos de produção. A produção de texto que resulta no registro da etiqueta de identificação do caderno de classe está ligada a um contexto temporal e cultural da escola. Trata-se do primeiro dia de aula, e sabemos que nas ações pedagógicas de professores dos anos iniciais, principalmente no ciclo de alfabetização é comum a orientação dada às crianças sobre os usos de objetos e artefatos originados na escola e ou para a escola.

Percebemos, também, como a cobrança da legibilidade do registro compõe o cenário escolar, algumas marcas discursivas nos comandos estabelecidos pela professora explicitam nossa constatação: “Caprichem na letra, quero essa letra bonita”. Nessa expressão podemos perceber que a professora, figura de autoridade da sala, faz uso dessa autoridade, exigindo, solicitando, demandando das crianças um registro legível. Nossa constatação também se evidencia quando ela ainda questiona as crianças: “Por que é importante preencher isso direitinho?”.

A produção textual proposta pela professora atendeu a uma das necessidades da própria turma: a identificação de um dos materiais que tem grande relevância no contexto por nós observado, o caderno. Porém, o incentivo da professora em fazer

com que as crianças percebam a funcionalidade do texto fica explicita quando em seu discurso chamou atenção para as necessidades e funcionalidades do registro escrito: “Para que vocês acham que a gente tá escrevendo isso?”.

O uso da expressão “a gente” no discurso da professora, parece nos evidenciar o envolvimento da mesma na ação de produção e uma estratégia usada por ela para estabelecer uma proximidade maior com as crianças.

O “para que?” e o “por que”? presentes no discurso da professora em dois momentos distintos do diálogo nos mostra a sua preocupação em assegurar uma das condições de produção do texto definidas por Geraldi (1997), onde a função do texto produzido precisa ser explicitada para que se estabeleça a sua função comunicativa.

Ainda no diálogo, também podemos perceber que umas das crianças da sala expõe sua compreensão acerca da funcionalidade daquele texto, ao afirmar que: “Para marcar de quem é o caderno”.

As ações pedagógicas da professora ao solicitar a produção desse gênero e na discussão promovida com as crianças, ilustra nosso pensamento ao tratarmos “[...] o letramento como um processo dinâmico em que o significado da ação letrada é continuamente construído e reconstruído por participantes, quando se tornam membros de um grupo social” (CASTANHEIRA; et al., 2007, p. 9). Para a turma, o texto produzido tinha um significado relacionado a utilização dos cadernos das crianças inseridas em grupo social, a sala de aula. O texto produzido, atendia às necessidades específicas desse grupo, podendo ser ampliado para um contexto macro, a escola como um todo, devido às informações que compuseram a etiqueta: turma e turno que serviriam de marcas de identificação para toda a escola, caso algum caderno fosse esquecido e ou extraviado.

Os eventos descritos em nosso registro também nos mostram que a professora transforma em objeto de estudo da língua um artefato por ela produzido, a capa ilustrativa do caderno de classe. Essa constatação nos fez lembrar o estudo desenvolvido por Gomes et al. (2009) que observaram como os participantes de uma sala de aula (professora e estudantes) construíram por meio de suas interações, oportunidades de aprendizagens da escrita à medida que interagiam e discutiam sobre o registro da rotina diária da sala, o que nos mostra que as ações pedagógicas dos professores podem transformar elementos comuns ao cotidiano escolar em elementos desencadeadores de produção de sentido às crianças, no caso em tela a produção da etiqueta de identificação.

Discutir sobre os eventos acima descritos em nosso registro etnográfico nos instiga a mobilizar o conceito de letramento escolar: pensando na escola como uma esfera/agência social que produz e reproduz gêneros que nela circulam no intuito de atender suas necessidades. Kleiman (1995), Bunzen (2010) e Macedo (2010) contribuem para a compreensão das práticas escolarizadas como um tipo de prática social de letramento que são construídas nas interações discursivas em sala de aula, e que o engajamento decorrente dessas práticas são atos sociais.

As contribuições desses autores alinham-se ao pensamento de Street (2003, p. 78), quando afirma que “[...] engajar-se em práticas de letramento é sempre um ato social, [...]”. Pois, “as formas nas quais professores e estudantes interagem já são uma prática social que afeta a natureza do letramento que está sendo aprendido, as ideias de letramento apropriadas pelos participantes e sua posição nas relações de poder” (STREET, 2003, p. 78).

Os eventos de letramento acima descritos nos mostram que professora e alunos realizaram uma prática de uso social escolar a partir de um artefato produzido pela professora, que se tornou objeto de estudo estritamente ligado ao uso da escrita voltado para as necessidades da turma.