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Produzindo coletivamente um gráfico de colunas

4 EVENTOS DE LETRAMENTO NA PRODUÇÃO DE TEXTOS

4.6 Produzindo coletivamente um gráfico de colunas

A produção coletiva do gráfico de colunas aconteceu em nossa 14ª observação, em 24 de abril de 2016. A professora propôs a produção rememorando eventos referentes ao dia anterior (o trabalho com parlendas e os usos ortográficos da letra “r”). Ao analisarmos os eventos que perpassam este momento de produção coletiva, percebemos nas ações pedagógicas da professora intenções de utilizar conteúdos trabalhados em língua portuguesa e em ações pedagógicas que tratam das construções de conhecimento relativos à matemática. O mapa de eventos construído para esse dia potencializa a compreensão da relação estabelecida entre os eventos vivenciados pela turma.

Quadro 12: Mapa de eventos do dia 24 de abril de 2016

Eventos Foco das ações dos participantes Leitura Professora lendo várias parlendas para as crianças. Cópia Crianças escolhendo e escrevendo uma das parlendas

trazidas pela professora.

Desenho Crianças desenhando para representar as parlendas copiadas.

Produção de texto coletiva

Professora registrando ao lado de cada NOME da parlenda, a quantidade de crianças que realizaram a cópia.

Crianças indo ao quadro uma a uma registrando suas escolhas no gráfico de colunas, pintando quadrinhos correspondentes às quantidades.

Crianças copiando do quadro a produção coletiva do gráfico em papel quadriculado.

Fonte: Criação da autora

Ao analisarmos o mapa acima, percebemos que antes do evento de produção do gráfico, vários outros foram propostos. Apresentaremos agora um recorte de nossos registros etnográficos com o intuito de demonstrar o trajeto percorrido pela professora e crianças antes da produção do texto.

No início da aula, a professora rememorou as crianças o dia anterior, a partir da seguinte indagação:

“Vocês lembram que ontem a gente estudou com a parlenda O rato roeu a roupa do rei de Roma na tarefa para trabalhar o uso do “r”, e eu ainda pedi que vocês escrevessem uma parlenda que vocês tinham na cabeça? Então agora eu vou ler para vocês algumas parlendas que eu trouxe”.

A professora realizou a leitura das parlendas que trouxe para a sala, elas estavam impressas em papel ofício e decoradas com ilustrações que remetiam ao texto, na verdade percebemos que os textos estavam em formato de mini cartazes. Cerca de 10 parlendas foram tratadas da maneira exposta nos diálogos abaixo:

P: Vamos lá, quem conhece? P: Meio dia macaco assobia... C: Panela no fogo barriga vazia

P: Lá em cima do piano tem um copo...

C: De veneno, quem bebeu morreu o azar foi seu.... (...)

P: 1,2... (Ninguém respondeu) P: vamos lá...1,2

C 1: Feijão com arroz P e C: 3,4, feijão no prato... (...)

P: Ah e tem outra que vocês conhecem desde a educação infantil: Uni-duti-tê...” (As crianças recitam até o fim a parlenda)

Concluída a leitura e recitação da parlendas, a professora estabeleceu o seguinte comando: “Hoje nossas atividades serão todas feitas utilizando as parlendas e para começar, eu vou colar as parlendas nas paredes e vocês vão escolher uma delas para reproduzir no caderno”. Colou com fita adesiva, em locais distintos da sala, os minis cartazes das parlendas. Após a colagem dos textos, as crianças começaram a copiar a parlenda escolhida no caderno, como mostram as imagens a baixo:

Figura 12: Criança copiando a parlenda escolhida

Figura 13: Crianças registando a parlenda escolhida

Fonte: Fotografada pela pesquisadora, com permissão da instituição.

Após a cópia, as crianças são incentivadas a realizar um desenho sobre a parlenda escolhida.

Finalizado o momento de ilustrações, as crianças seguiram para o recreio. Assim que retornaram, a professora chamou a atenção das mesmas: “Pessoal, vamos concluir nossa a atividade. Olhem para cá, olha aqui para mim!”. Ela pediu para as crianças nomearem as parlendas, e foi registrando no quadro esses “nomes”: “Me digam aí as parlendas que a gente trabalhou hoje, que eu vou escrevendo aqui”. Ao lado de cada “nome de parlenda” foi registrando a quantidade de crianças que escolheu copiar cada uma delas, seguiu perguntando individualmente a cada criança qual foi a parlenda escolhida e registrou tracinhos para quantificar as escolhas. Como ilustra o diálogo.

P: C1, qual foi sua escolha? C1: Pede Cachimbo.

P: Certo, vou colocar um tracinho aqui ao lado do nome da parlenda! P: C2, copiou qual?

Após consultar as crianças, obteve-se o seguinte registro no quadro:

Figura 14: Registro das escolhas das parlendas

Fonte: Fotografada pela pesquisadora, com permissão da instituição.

Ao analisarmos a sequência estabelecida, percebemos que a professora criou algumas estratégias para atender seu objetivo: organizar as “escolhas” das crianças em um gráfico de colunas, a ser produzido coletivamente.

“Escolhas” essas que partiram da apreciação do gênero lido por ela, “Parlendas”, que no dia anterior, como demonstra o registro etnográfico acima, foram utilizadas como recurso para trabalhar questões ortográficas relativas aos usos da letra “r”. Percebemos que as ações pedagógicas da professora buscavam “unir”, “relacionar” elementos já trabalhados com as crianças, como registra o excerto da entrevista com ela realizada:

P: Então, eu queria trabalhar o som de R, os "erres" duplo, o "erre" intercalado, "erres" iniciais, "erres" finais, e nada melhor do que essa parlenda né? (Aqui a professora se refere parlenda o rato roeu a roupa...)

P: Então, aparece na parlenda do rei, vamos aprofundar parlendas, aí os conteúdos de matemática eu tinha que dar gráficos, aí eu selecionei várias parlendas. Em cima daquelas parlendas a gente foi montar o gráfico, “quem foi que escreveu? Quantos escreveram, escolheram essa parlenda?", que eu acho que eu distribuir na sala não foi? E: Foi

P: E aí eles foram copiar no caderno e cada um foi dizer a parlenda que tinha escolhido

E: Isso

P: E, ler a parlenda... E: Isso

P: Fazer a leitura e depois cada um deles ia marcar

E: Foi, foi aumentando, fizeram a produção coletiva de um gráfico, o esboço do gráfico, depois eles foram pintando

P: Cada um foi pintando E: Cada tipo

P: Cada um foi botando E: Isso

P: É, se encontrando no que é que tinha, é, na sua escolha E: Na sua escolha, foi uma representação das escolhas né

P: Das escolhas das parlendas, que eles escolheram, então, eu trabalhei aí a língua portuguesa, tava trabalhando "erres"

E: Humhum

P: Aí, do "erre" já fui vupt! Trabalhar gráfico. Como é que a gente fazer essa ligação de uma coisa à outra? Quer dizer você trabalhou, saiu de língua portuguesa e foi lá para matemática fazer pela consciência fonológica produção textual, gênero textual e a gente terminou na matemática eles construindo gráficos. (Entrevista com a professora, 24 de outubro de 2016, Recife-PE).

O Excerto da entrevista ratifica nossas impressões ao indicar o desejo da professora de retomar, relembrar e ressignificar o que já foi trabalhado com as crianças, unindo conhecimentos relativos aos diversos componentes curriculares – no caso em tela, Língua Portuguesa e Matemática.

Após ter concluído o registro com a participação de todos, a professora desenhou no quadro um diagrama com quadrinhos, e solicitou das crianças que pintassem um quadrinho para cada indicação da parlenda escolhida, assim as crianças construíram coletivamente um gráfico de colunas. Cada criança foi até ao quadro e pintou o quadrinho que correspondia a parlenda escolhida. As imagens abaixo documentam o momento:

Figura 15: Crianças indo ao quadro para marcar suas escolhas no gráfico (1)

Fonte: Fotografada pela pesquisadora, com permissão da instituição.

Figura 16: Crianças indo ao quadro para marcar suas escolhas no gráfico (2)

Fonte: Fotografada pela pesquisadora, com permissão da instituição.

Concluída a produção do gráfico, a professora retomou aspectos quantitativos desse texto fazendo os seguintes questionamentos:

Qual foi a preferência da turma da gente? Qual a parlenda que menos foi escolhida? Vocês acham que a gente conseguiu organizar as escolhas da gente nesse gráfico? Se alguém chegar aqui na sala vai conseguir entender nossas preferências? O que vocês acham?

Feito isso, dirigiu-se ao quadro e questionou: “Gente, então nós construímos o que mesmo? Vou botar aqui o nome desse texto vamos ler aqui comigo (registrou no quadro acima da produção a palavra Gráfico) e fala: Grá-fi-co”.

Como momento final da aula, a professora solicitou que as crianças registrassem o gráfico: entregou uma folha de papel quadriculado a cada criança e orientou como deveria ser feito o registro, mencionou que o fato do papel ser quadriculado ajudaria as crianças na organização do espaço a ser delimitado para cada quadrinho. As crianças realizaram o registro com atenção, demonstraram participação e concentração no momento da atividade. Também percebemos bastante engajamento no momento do registro, como mostram as imagens a baixo:

Figura 17: Crianças registrando o gráfico produzido coletivamente em papel quadriculado (1)

Figura 18: Crianças registrando gráfico produzido coletivamente em papel quadriculado (2)

Fonte: Fotografada pela pesquisadora, com permissão da instituição.

Ao analisarmos a construção coletiva do gráfico, percebemos que o foco da professora é o trabalho com o componente curricular Matemática voltado para um dos eixos temáticos da disciplina: Tratamento da informação. O fato de as crianças terem a oportunidade de realizar coletivamente a produção e terem espaço para sua escolha ser materializada nesse gênero, percebemos que o “dizer das crianças” foi privilegiado. E, mesmo o gráfico de colunas sendo um texto visual, visualizamos em algumas ações pedagógicas da professora a tentativa de assegurar algumas condições de produção defendidas por Geraldi (1997), quando percebemos que ao criar estratégias para que as crianças tenham o que dizer, a professora propõe o registro da parlenda, que se configura como a escolha a ser registrada no gênero gráfico que se estabelece como forma de organização dessas escolhas.

O processo de produção coletiva do gráfico foi marcado por questionamentos da professora que ajudaram as crianças a compreenderem a finalidade do gênero:

Qual foi a preferência da turma da gente? Qual a parlenda que menos foi escolhida? Vocês acham que a gente conseguiu organizar as escolhas da gente nesse gráfico? Se alguém chegar aqui na sala vai conseguir entender nossas preferências? O que vocês acham?”. Porém, não percebemos a definição de interlocutores específicos, além dos alunos, para o gênero trabalhado. A ação comunicativa do mesmo findou-se no registro escrito no papel quadriculado. Também

não houve uma discussão ampla sobre as finalidades desse texto nos contextos os quais o mesmo se materializa.

Os eventos analisados, correspondentes a uma manhã letiva, com o foco no trabalho voltado para o ensino de matemática, nos mostrou que para se produzir textos na escola o espaço pedagógico não é exclusivamente o das aulas de Língua Portuguesa. A produção de texto, como nos adverte Geraldi (1997), deve ser considerada como de partida e de chegada como dos processos de ensino e aprendizagem. A aula descrita e analisada evidencia a interface entre linguagem verbal e linguagem matemática na construção de determinados textos socialmente utilizados, como o gráfico de colunas.