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Formas de organização dos dados: os eventos de letramento

3 O PERCURSO METODOLÓGICO

3.3 Formas de organização dos dados: os eventos de letramento

Este tópico objetiva veicular uma visão geral dos eventos de letramento contemplados em nossa incursão na turma pesquisada com o total de 19 observações de aulas entre os meses de fevereiro a maio de 2016. Duas pesquisas realizadas com base na perspectiva etnográfica que tratam a sala de aula como elemento que produz e reproduz cultura – Macedo (2005) e Costa (2010) – nos ajudaram a estruturar nossas apreciações após a coleta e cruzamento de dados oriundos de nossas observações, releitura minuciosa de nosso diário de campo, análise de gravação de aulas, construção e análise dos mapas de eventos e análise pontuais das duas entrevistas realizadas.

O estudo realizado por Macedo (2005) teve como objetivo investigar como os professores do primeiro ciclo da Rede Municipal de Belo Horizonte estavam se apropriando de novas concepções de aprendizagem e de ensino da leitura e da escrita. O foco da estudiosa se deu nas interações e práticas de letramento construídas em duas turmas do primeiro ciclo. A análise dos dados do estudo inspirou- se nas concepções de Bakhtin acerca da interação verbal e nos pressupostos teóricos da etnografia interacional sobre as interações em sala de aula e sobre o letramento como uma prática sociocultural (STREET, 1984; KLEIMAN, 1995; SOARES, 1998).

A metodologia deste estudo incluiu a aplicação de um questionário a todos os professores do primeiro ciclo com o intuito de mapear o perfil dos mesmos nos aspectos socioculturais e pedagógicos de suas práticas, a exemplo, as formas de organização das interações propostas pelas professoras: o LD e de outros materiais para alfabetizar. A pesquisadora fez uso de vídeo-gravação de aulas das turmas envolvidas na pesquisa e a forma de organização dos dados por ela utilizada foi a construção de mapas de eventos.

As análises de mapas de eventos e sequências discursivas apontaram que importantes mudanças estão sendo implementadas pelos professores em relação às formas de organização das interações em sala de aula, como, por exemplo, o uso semanal de trabalhos em grupos, duplas e rodinha. No entanto, as atividades são realizadas individualmente pelos alunos, mesmo sentados em duplas ou em

grupos. As análises revelam, ainda, que as professoras usam o LD e a metodologia de projetos, [...] apropriando-se dessas propostas de acordo com as demandas de sua prática, com os dispositivos construídos cotidianamente nas interações em sala de aula. (MACEDO, 2005, p. 8).

Esse estudo também trouxe contribuições a nossa pesquisa, no tocante a nossa proximidade e compreensão do conceito de evento, principal categoria de análise de nossa dissertação. Tal conceito foi explorado pela autora a partir de estudiosos que o tematizam de diferentes formas: Spraydle (1980), Heat (1983), Mehan (1987), Bloome e Bayley (1992).

O segundo estudo aqui apontado, Costa (2010), buscou compreender as práticas de leitura em uma sala de aula de uma Escola do Assentamento de Reforma Agrária organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a partir dos aportes teóricos de Street (1984), Gnerre (1987), Kleiman (1995) Soares (1996, 1998), Brandt (2002) e Goulart (2006). A pesquisadora também discutiu sobre a escolarização das classes populares no contexto do MST e nos alertou sobre “[...] a necessidade de pesquisas que tomem como objeto a prática educativa formal, interrogando-se sobre as práticas de letramento em construção na sala de aula” (COSTA, 2010, p. 7).

O estudo foi realizado a partir de uma pesquisa de campo que tomou como referência aspectos metodológicos da etnografia em Heath (1982, 1983), perpassando também pela noção de apropriação em Chartier (1990) e de enunciação em Bakhtin (1995, 2006). A pesquisa ainda estabeleceu diálogo com estudos no campo da história da leitura na escola (CHARTIER, 2004, 2007; VIDAL, 1998) e com estudos que se debruçam nas práticas de letramento em sala de aula (ALBUQUERQUE, 2002; MACEDO, 2005). A autora retomou o conceito de evento de letramento de Heath (1982,1983) para analisar e discutir os dados coletados.

Nesse estudo, que tinha por objetivo a compreensão das práticas de leitura, para categorizar os modos de ler, as interações entre professora e alunos mediadas pelos textos e as crenças constitutivos aos eventos de leitura, a contribuições de Rockwell (2011) assumiram papel importante.

A pesquisa também apontou, por um lado, as marcas e tensões da relação estado/escolarização/cultura escolar/escrita, modelo de letramento mais universal e, de outro, a apropriação escrita/oralidade/escolarização/movimento social, enfatizando a necessidade de compreendermos o letramento em uma dimensão sociocultural.

Esses estudos nos fizeram rememorar a constatação de Brian Street, precursor dos NEL, quando evidencia que a relação entre língua escrita e língua oral difere segundo o contexto, e que isso se evidencia “[...] pelo exame das práticas sociais de leitura e escrita em contexto e da variação nos usos e significados do letramento em diversos cenários culturais” (STREET, 2014, p. 19).

A valorização do contexto nas práticas e eventos de letramento atribuída por Street, também é clara nas contribuições de Freire (2011), quando se refere à leitura e à escrita. Para esse autor, o contexto também é determinante para a compreensão das práticas da escrita. Para tanto, defende a alfabetização como ato de conhecimento, como ato de criação e ato político que demanda esforço de leitura do mundo e da palavra, e afirma que “agora já não é possível texto sem contexto” (FREIRE, 2011, p. 43). Dessa forma, mobilizaremos o conceito de contexto a partir desses autores que subsidiarão as discussões vindouras nesse capítulo.

Trataremos da análise de eventos advindos da sala de aula, que está atrelada ao “contexto”, ao cenário cultural ao qual nos referiremos logo mais, uma vez que os usos da escrita analisados emergem dos elementos da cultura escolar já materializada no cotidiano da sala de aula e externada nas ações pedagógicas da professora. Compreender esses usos significa também apreender e desvelar esse contexto.