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4 EVENTOS DE LETRAMENTO NA PRODUÇÃO DE TEXTOS

4.7 Produzindo legenda para uma planta

A produção da legenda de uma figura aconteceu na nossa 19ª observação, em 20 de maio de 2016, último dia de incursão no campo. Essa produção aconteceu em uma aula de Geografia em uso do LD (Projeto Buriti Geografia, da Editora Moderna, organizado por Juliana Maestu, republicado em 2014).

Os eventos de letramento observados aconteceram após o recreio da turma que foi antecedido por momentos de leitura e execução de uma receita de sabão caseiro, conforme mapa abaixo.

Quadro 13: Mapa de eventos da aula de 20 de maio de 2016

Eventos Foco nas ações dos participantes

Leitura Crianças e professora lendo uma receita de como fazer sabão artesanal impressa em papel.

Execução de receita

Crianças executando a receita junto com a professora no pátio da escola, fazendo uso da receita impressa.

Leitura Leitura de texto informativo sobre os conceitos de planta e legenda de imagens p. 34 do LD de Geografia

Produção de uma legenda para imagem

As crianças produzem uma legenda para uma imagem (atividade proposta no LD) 3ª questão da p. 35.

Fonte: Criação da pesquisadora.

Antes de descrevermos o evento de produção da legenda, se faz necessário mais uma vez revisitarmos as nossas notas etnográficas que tratam dos eventos anteriores à produção de fato, uma vez que os mesmos estão interligados.

Após o retorno do recreio, iniciou-se a aula de geografia, com a temática: A representação do município. Professora e crianças leram e dialogaram a partir das informações expostas no texto informativo da página 34 do LD:

Figura 19: Página 34 do livro de geografia

Durante a leitura, a professora solicitou a atenção das crianças dando pistas para aquelas que ainda não liam com autonomia, para que acompanhassem de algum modo a leitura. Ela chamou atenção para aspectos gráficos do texto (tamanho e cores das letras e dos títulos que apareciam o texto): “Olha só gente, eu estou lendo aqui em cima, essa parte que está escrito em azul”. “Quem quer ler? Quem pode ler? Quem ainda não consegue presta atenção eu estou aqui nessa parte do texto.”.

Enfatizou a escrita de palavras em negrito, tanto para auxiliar a leitura, como para explicar o uso desse recurso no texto:

Gente, as palavras que estão escritas mais escuras, isso é chamado de negrito são palavras importantes no texto. Esse jeito de escrever é para chamar nossa atenção, por que é algo importante do texto. Então veja, aqui nesse texto as palavras “planta” e “legenda” são importantes, elas estão em negrito.

As crianças interagiram com a professora, aquelas que ainda não liam com autonomia, aos poucos conseguiram se localizar no texto. Ela estimulou as crianças a explorarem a primeira imagem do texto, que se tratava de uma fotografia, tirada na posição vertical, do munícipio de Ribeirão Preto-SP. Perguntou se as crianças conheciam outros municípios por nome, leu a legenda da figura. Falou sobre o munícipio ao qual a escola é situada, Recife, e conversou com as crianças sobre alguns municípios vizinhos – Camaragibe, Olinda e Jaboatão dos Guararapes.

Com relação à segunda imagem do texto, a professora ajudou as crianças na percepção dos diferentes ícones que simbolizavam pontos da planta e disse que para a leitura desse texto se fazia necessário consultar alegenda da planta, dessa forma seguiu lendo com as crianças, fazendo menção ao desenho e lendo os elementos correspondentes aos ícones.

Feito isso, era hora de responder a atividade da página 35. A atividade foi realizada seguindo os comandos estabelecidos pelo LD. As quatro questões propostas foram resolvidas pelas crianças. A atividade era composta por duas sessões: Recordar e Compreender. A primeira, trazia duas questões que solicitavam das crianças a localização de informações no texto lido na página 34: o conceito de planta, na primeira questão, e a função da legenda na planta, na segunda, como registra figura abaixo.

Figura 20: Página 35 do livro de geografia

Fonte: Fotografada pela pesquisadora, com permissão da instituição.

Durante a resolução dessas questões, as crianças sentiram dificuldades em localizar no texto lido as respostas. Mais uma vez, a professora chamou atenção para os aspectos gráficos das palavras, nesse caso, o negrito. Porém, percebendo a dificuldade de algumas crianças, registrou no quadro as respostas das questões. Explicou a solicitação do LD e aguardou a conclusão da transcrição do registro do quadro no livro.

A segunda seção, denominada Compreender, também era composta por duas questões, a terceira que perpassa pela comparação de imagens e elaboração de uma legenda, apresenta-se em três alternativas (A, B e C) e a quarta, que solicita a apreciação da planta de uma cidade. As crianças precisavam perceber e registrar o que existia nessa cidade, a partir das leituras da planta e da legenda.

A professora continuou seguindo a ordem estabelecida pelo LD, sempre ajudando as crianças a responderem as questões. Na comparação das imagens solicitadas na terceira questão nas alternativas A e B, ela chamou atenção para a posição vertical como elemento importante para o conceito de planta. As crianças responderam com autonomia.

Ao analisarmos os eventos acima, percebemos os esforços da professora em auxiliar a turma na leitura de um texto informativo no livro de geografia, como apontado na figura 17 de nosso texto. O uso das marcas gráficas do texto como estratégia de localização, nos mostra sua sensibilidade à realidade de seus estudantes, que mesmo sem dominarem plenamente a leitura, foram oportunizados a participar dos momentos de leitura e, por fim, conseguiram atribuir sentido aquilo que estava sendo proposto em sala, uma vez que percebemos que ao longo da intervenção da professora que usava como forma de localização, as palavras grafadas com cores e formatação distintas, as crianças conseguiam participar de maneira efetiva do momento de leitura, inclusive, fazendo questionamentos, dando exemplos pertinentes ao que estava sendo trabalhado.

Tal estratégia didática nos remete às contribuições de autoras como Kleimam (1989) e Solé (1998), que nos fazem perceber a importância do professor como o leitor experiente que ajuda os aprendizes a anteciparem significados, identificarem elementos mais familiares e suas relações, criando estratégias de leitura que lhes permitem arriscar mais e melhor.

Percebemos que, mesmo com todos os incentivos da professora, um grupo de crianças não conseguiu localizar no texto as respostas para a questão da página 35. Nos mostrando que algumas dessas crianças tinham um nível muito elementar de leitura, uma vez que a estratégia de localização explícita para perguntas simples (questões 1 e 2 da página 35) ainda não tinham sido alcançada, sendo necessário a professora realizar o registro no quadro.

Trataremos agora do evento que veicula a produção de uma legenda para a planta.

Na alternativa C, as crianças precisam produzir uma legenda para a planta (imagem 2 da questão 3, página 35). A proposta do LD é que as crianças utilizassem o caderno para a realização dessa produção, porém a professora redirecionou o comando e pediu que as crianças realizassem o registro no próprio LD.

Antes de iniciarem a produção da legenda, a professora pediu que as crianças consultassem novamente a planta de um município exposta na página 34 do LD, verificassem o que era importante assegurar em uma legenda e preconizou os elementos importantes no registro (as cores, os desenhos e a forma de organização do texto).

“Olha só gente, os desenhos estão um abaixo do outro e tem a ver com o que está mostrando na planta, tem que ajudar alguém entender o que tem na planta. Caprichem aí! E ainda perguntou: O que vocês acham que tem que ser representado na legenda dessa imagem? Vamos dá uma olhadinha....

C1: O telhado da casa, tia.

P: Sim, muito bem e o que mais?

C: A grama, as árvores. (Algumas crianças)

P: Sim, mas ainda falta uma coisa que vocês estão esquecendo (insiste várias vezes, as crianças demoram a perceber.)

C2: A Calçada!!!!!! (Uma única criança)

P: Sim, a calçada! Pronto, então na legenda da imagem tem que ter isso que está na planta e que vocês disseram agora, o desenho do telhado, da grama, das árvores e da calçada...”.

As crianças iniciaram a produção no próprio LD seguindo a orientação dada pela professora que transitou entre as bancas da sala sempre atenta à produção das crianças, orientando-as sobre as cores a serem utilizadas, a legibilidade dos desenhos e a posição que os mesmos deveriam ser registrados, um abaixo do outro. As crianças consultaram umas às outras, se ajudaram no momento da produção e concluíram a produção do texto para resposta a alternativa.Abaixo a figura a ser representada na legenda e um dos registros de produção das crianças:

Figura 21: Imagem 2 da questão 35 – planta tomada como base para a construção da legenda

Figura 22: Produção da legenda para a planta da imagem 2 da questão da página 35 do livro de geografia

Fonte: Fotografada pela pesquisadora, com permissão da instituição.

Em análise do evento descrito acima, percebemos nas ações pedagógicas da professora o uso de sua autonomia docente quanto ao uso do livro didático, uma vez que redirecionou a solicitação do mesmo que orientava a produção da legenda para figura, no caderno, porém a professora achou por bem orientar a realização do registro, no próprio LD.

Percebemos o incentivo da professora junto às crianças, na compreensão da composição do texto a ser construído, tanto é que ela solicitou que as crianças consultassem novamente a página anterior do livro para que retomassem alguns elementos que o compunha. Essa ação pedagógica docente nos evidencia que nesta produção, que se tratava de um texto não muito familiar às crianças, ler, retomar conhecimentos acerca dele era importante e poderia repercutir no registro, era necessário aproximar-se para “entender a forma de escrever.”

Quando orientou as crianças falando que o texto: “[...] tem que ajudar alguém entender o que tem na planta”. Percebemos que a sua finalidade e a preocupação com um possível interlocutor foram frisadas nas ações pedagógicas da professora,

que também tentou fazer com que as crianças percebessem a estrutura do texto e seus elementos (cores e desenhos a seres grafados) quando chamou atenção para os elementos que precisavam ser representados na legenda (a grama, as árvores, o telhado e a calçada).

A produção da legenda foi realizada como atendimento a uma questão da atividade proposta do LD. Dessa forma, perguntamos a professora se caso a proposta não houvesse surgido no livro, se os alunos seriam ou não incentivados a pensar nesse gênero. Ela nos respondeu que sim, pois já havia iniciado um trabalho, também no componente curricular geografia, que tratava da leitura e compreensão de mapas e que a produção de legendas seria proposta como um elemento importante para a aprendizagem desses conteúdos.

Um fato que nos chamou atenção é que as crianças produziram alguns textos ao longo do período em que estivemos imersos no campo de pesquisa, porém, assim como na produção da legenda, não percebemos a leitura prévia dos gêneros trabalhados como estratégia de orientação das crianças para que se apropriassem de elementos estruturantes que possibilitassem, como nos orienta Goulart (2007), um maior conhecimento textual, para apropriação do modo como cada tipo de texto se organiza entendendo as diferentes características dos diversos tipos de texto, como informações relevantes, a maneira de iniciá-los, e findá-los-, entre tantas outras coisas.

Quando questionamos sobre a necessidade da leitura prévia dos gêneros como condição à produção proposta – a exemplo, a legenda para a figura – a professora afirmou que esse momento de leitura poderia intervir de forma negativa na produção das crianças, que tenderiam a imitar o texto lido, o que descaracterizaria a autoria da produção. Nossas constatações alicerçam-se no excerto a baixo, onde dialogamos sobre a produção da legenda e da paródia, também tratada em nosso estudo.

E: A legenda? Você fez a produção e eles não tinham tido assim, o contato sistematizado com esse texto antes. Tu achas que se eles tivessem lido antes, se tivessem tido esse contato antes, se isso tinha interferido na produção?

P: Com certeza! E: Teria interferido?

P: Com certeza! A gente quer dizer, quando eu olho uma coisa eu vou ser levada a imitar, a fazer aquilo talvez até mais bonito do que eles fizeram, mas com certeza eu não teria essa marca de que "fui eu que fiz, eu fiz"

E: Eu tô entendendo

E: Então se eles tivessem por exemplo...

P: Eu sabia o que eu queria, só não queria dar conta de que eles fizessem

E: E se de repente eles tivessem lido outras paródias antes de construir aquela, ou tivessem visto outros gráficos, ou outras legendas tu acha que assim, a produção deles seria impactada eles compreenderiam mais? Eles teriam avançado mais?

P: Hum

E: Quer dizer que tu acha que essa leitura não fez falta?

P: Não, eu acho que não, eu acho que, depois que você constrói e se a gente pegar outras paródias, ele vai ver aquilo e vai dizer " poxa, a gente já sabe! (Entrevista com a professora, 24 de outubro de 2016. Recife-PE).

Ainda em alguns excertos da entrevista, a professora afirmou que prefere que as crianças produzam a partir de seus direcionamentos. Para ela, propor leituras dos gêneros a serem produzidos “[...] seria trazer o conhecimento pronto para a sala de aula”. A professora parece compreender de maneira equivocada a proposição da leitura como elemento constitutivo que ajuda o locutor a organizar o “que dizer no texto”, como também compreender suas peculiaridades e assim incorporar nas suas escritas características peculiares ao gênero (LEAL; MELO, 2006).