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Elementos Deflagradores

1.ª PARTE: CATEGORIAS DE ANÁLISE E QUADRO TEÓRICO

3.2 A Significação em Imagens de Satélite

3.2.1 Elementos Deflagradores

No processo de leitura, os elementos que compõem uma imagem não aparecem ao olho do leitor com o mesmo realce. Alguns se sobrepõem a outros, impedindo que os menos relevantes sejam vistos nos primeiros momentos do processo. Ao contrário, eles só aparecem depois que as primeiras hipóteses de significação forem construídas, sobre os elementos que mais sobressaem.

A estes elementos que alicerçam as primeiras hipóteses de significação e que nos levam a gerar um primeiro sentido, ainda que prévio, chamamos de elementos deflagradores. São eles que sobressaem ao nosso olhar, que mais chamam a nossa atenção, que se apresentam como o que há de mais relevante em cada imagem.

Uma vez construído um sentido inicial, buscam-se, então, os elementos secundários, que haviam sido deixados em segundo plano, para que eles consolidem (ou não) o sentido construído.

Em uma imagem em preto e branco, como uma radiografia, por exemplo, o primeiro elemento estruturador é a forma.

Na Figura 1, a leitura se inicia quando o resultado da análise visual aciona um repertório de representações a partir do qual, por comparação com as unidades ali armazenadas, percebem duas fraturas (pontos A e B da Figura 1). Ou seja, só se consegue identificar a fratura porque temos em nosso repertório a imagem do osso íntegro como parte do esqueleto humano, de modo que a conclusão de que o sentido daquela forma é a fratura surge por comparação com todos os ossos íntegros que já vimos na vida.

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Figura 1: Fratura dos dois ossos da perna direita (tíbia e fíbula). http://hcinvestimentos.com/2010/08/29/fratura-tibia-fibula

A unidade ativada, que é a forma do esqueleto (marcado como C na Figura1) por sua vez, ativará a correspondente unidade de significado situada no sistema semântico 7. Esta via só funciona com o leitor que conhece visualmente, ou seja, com os componentes que fazem parte do seu repertório.

A radiografia na escala de cinza apresenta espectro de representações de tonalidades entre branco, cinza e o preto, conferindo à imagem um brilho que, pelo contraste luminoso, realça as informações, destacando os contornos e a forma do osso (C Figura1) e da perna (forma D da Figura 1).

Na Figura 1.1, o elemento estruturador forma é bem destacado visualmente por causa da representação na escala de cinza que confere brilho e contraste luminoso permitindo reconhecer a forma A como parte de um esqueleto. Entretanto, não há um contorno definido como a da forma D na Figura 1, que nos dá a informação de ser o formato de uma perna. Assim não há pistas para ativar o repertório de representações para saber qual parte do esqueleto está retratado na imagem.

7 Ao ler a palavra OSSO, por exemplo, o sistema de análise visual diz-lhe que as letras nesta posição: O1,

S2, S3, O4 e o Léxico de Input Visual diz que você já encontrou esta cadeia de letras antes. Mas quem possui o reconhecimento de que osso faz parte do esqueleto, que pode ser humano ou de animal, quebrado, ou não, é o sistema semântico.

D

A

C B

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A leitura terá dificuldades de se realizar plenamente, a análise visual não dá referencias de que tipo de osso a imagem retrata, se é humano ou de animal, a que parte do esqueleto pertence, com isso não podemos levantar componentes no nosso repertório para uma identificação segura e consequentemente um significado e a imagem não terá sentido.

Figura 1.1: Parte dianteira do antebraço http://goo.gl/ErTg6p

O mesmo se aplica à Figura 2, de uma ultrassonografia pélvica. Ali o elemento estruturador forma ativa, no repertório do leitor, a configuração de um feto (Forma A da Figura 2), ocorre então um processo de interação entre a informação do leitor e aquela que é explícita na imagem. Se não existir o armazenamento da informação anterior, isto é, se o leitor não tiver conhecimentos prévios, a nova informação adquirida pela leitura da imagem não será eficazmente compreendida e não será possível ao leitor construir um sentido para o que vê.

Figura 2: Ultrassonografia pélvica http://goo.gl/ZZAI7o

A A B C D E

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A imagem na escala de cinza, o brilho e a luminosidade conferidos pelo contrate destaca os contornos do feto e os seus elementos constituintes, podendo o leitor identificar e localizar a boca, o nariz (Formas B e C da Figura 2), a coluna vertebral (Forma D da Figura 2) e também os pés (Forma E da Figura 2).

Entretanto em uma imagem cujos elementos estruturantes não dão pistas para acessar, no repertório do leitor ordinário, informações suficientes para gerar sentido, as sucessivas idas e vindas não proporcionarão significação, estando a imagem destinada somente a uma interpretação técnica como no caso da Figura 3.

Figura 3: Ultrassonografia pélvica gestacional http://goo.gl/qdZsRI

A ultrassonografia pélvica apresenta um útero com três sacos gestacionais em preto com a presença de embriões (pontos A da Figura 3) que só são visualizados a partir da sexta semana de gravidez.

Na imagem digital, originalmente na escala de cinza, o elemento estruturante “forma” apresenta ao leitor pistas para o reconhecimento das informações contidas, as quais, uma vez reconhecidas determinarão estratégias para leitura da mensagem. As estratégias de leitura começam com o suporte das informações externas de que dispomos. No caso da Figura 3, duas informações demarcam o território da gravidez: a primeira se trata de um ultrassom pélvico; a segunda trata-se de uma mulher. Esses dois elementos permitem levantar a hipótese orientando a linha de leitura - se trata de um útero grávido - sem a qual não se chegaria à conclusão de ser uma gestação de trigêmeos. O significado é fruto da convergência de diferentes informações que se cruzam em um ponto de encontro, gravidez de trigêmeos. É a transposição de um ato de efeito a um ato cognitivo onde o leitor formula significação.

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A Figura 4, uma imagem do satélite Landsat, em si, não nos apresenta, a princípio, nenhum elemento que nos permita levantar hipóteses que levem à sua significação. Sabemos, de antemão, que se trata de uma imagem da Terra – e nesse contexto começamos a levantar hipóteses.

Figura 4: Imagem do satélite Landsat da mancha formada pela Grande São Paulo. BR.

http://www.esri.com/landsat-imagery/viewer.html

A partir dos pontos selecionados na Figura 4, o leitor começa a acionar seu repertório de representações. A leitura se inicia com o levantamento de diferentes hipóteses de significação, pois não é possível realizar o reconhecimento do local sem que se tenham informações anteriores.

É então acionado o repertório de representações. A imagem sugere ser de uma área de litoral, pois há uma linha branca que parece ser areia separando uma região escura de uma outra, onde há elementos diversificados, ou seja, a hipótese de leitura é que esta linha separe o mar da terra. O ponto A, em destaque, nos faz pensar em uma grande área destruída ou desmatada, que pode ser também uma cidade ou até mesmo um vulcão. O ponto B uma faixa escura em cima da grande mancha, pode haver vegetação em uma

G B H C I A J D E F

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área elevada como morro ou serra. O ponto C também é uma mancha escura, mas com contornos retos, possivelmente feitos, delimitados ou demarcados pela ação do homem.

Os pontos D e E, com coloração escura, mas com formas do tipo de uma raiz, parecem ser água, remetendo a um lago, canais de rio ou represa. O ponto F, pela proximidade e alinhamento, em tonalidade na escala de cinza mais fechado, dá a impressão de degrau, podendo traduzir uma elevação do tipo serra ou planalto. O ponto G, pela sua forma, parece estar cercado de água, o que nos remeteria a lê-la como uma ilha; o ponto I, pela cor branca que segue uma linha escura, nos lembra areia, o que nos faz levantar a hipótese de se tratar de uma faixa de praias. O ponto H, pela sua proximidade com a linha branca, em tonalidade de cinza escuro, reforça a hipótese de a massa escura ser mar, e nesse caso seria lido como água de profundidade menor que o restante do mar, mais próxima ao litoral. Finalmente, o ponto J tem uma textura diferenciada, como se estivesse sobre o material que está abaixo dele, o que nos remete a nuvens cobrindo tanto o mar quanto a terra, por causa da sensação de leveza.

Desse modo, no processo de leitura, interagem incessantemente expectativas modificadas e lembranças novamente transformadas. Essa dialética caracteriza cada momento da leitura que provoca um horizonte já preenchido, mas que pode ser modificado, e um horizonte futuro, vazio, mas prestes a ser preenchido. Nesse sentido, há um constante abrir e fechar de horizontes que se entrecruzam no momento da leitura.

O processo da leitura não termina com a atribuição do significado que é único, decorrente ao repertório individual, contudo o ato de leitura é um desempenho social e está diretamente relacionado à sua recepção e, consequentemente, só se opera na esfera do leitor.

As dificuldades na leitura da imagem e consequentemente na geração de sentido residem na pouca informação que se tem decorrente da restrição de significados que emanam da cor.

Como se trabalha apenas com as retículas de cinza, as diferenciações que poderiam advir de um espectro de cor mais amplo simplesmente não se tornam visíveis, o que dificulta enormemente a atribuição de significado ao leitor comum. Assim, a decisão de colorizar uma imagem originalmente em preto e branco é uma decisão que contribui para alargar o acesso do leitor ao significado da imagem.

66 3.3 A Questão da Cor

A cor ao ser captada pela visão é processada pelo cérebro, formada, quantificada e avaliada estabelece relações com a memória tornando-se um elemento que amplia as possibilidades de significação, na medida em que permite ao leitor – que vê o mundo em cores – fazer novas ligações com seu repertório.

Nessa etapa o cérebro identifica a cor vista na imagem e a relaciona com o colorido do mundo real, calcificado em suas experiências anteriores, para levantar as hipóteses de significação e finalmente atribuir significação ao que vê. Desse modo, pode-se considerar que os seres humanos atribuem à cor uma significação, fundamentada no contexto cultural em que se insere. Como a cor se insere na experiência cultural do leitor, seu significado emerge das vivências armazenadas na memória.

Na imagem colorizada a presença da cor ressalta os componentes físicos que configuram a paisagem ou cenário. Isso permite ao leitor associar, com mais segurança, os elementos relevantes da imagem àqueles que estão em seu repertório, relacionando- os, concomitante ou isoladamente, por meio de estratégias parciais, já que não somos capazes de abarcar todas as perspectivas textuais ao mesmo tempo.

Considerando a imagem um texto icônico a relação com o leitor sempre se faz num processo de leitura em suas informações sobre os efeitos provocados nele que é construído por meio das perspectivas do autor, mas só se realiza por meio do ato, que é o efeito experimentado pelo leitor implícito na produção de sentido (Iser 1996).

Uma das principais premissas teóricas de Iser (1996) é o leitor implícito, entendido como uma estrutura textual que oferece “pistas” sobre a condução da leitura. Tal leitor só existe na medida em que o texto no nosso estudo as imagens determinam sua existência e as experiências processadas, no ato da leitura, são transferências das estruturas imanentes ao texto. A partir dessa concepção, o leitor passa a ser percebido como uma estrutura textual (leitor implícito) e como ato estruturado (a leitura real) em um momento de perspectiva.

O conceito de perspectividade, abordado por Iser (1996), é fundamental para que se compreenda a relação texto/leitor. Segundo o teórico, o texto é um sistema perspectivístico em que os elementos textuais são selecionados através das estratégias e combinados por meio do repertório. O texto oferece diferentes visões do objeto, por

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meio dos vários pontos de vista apresentados, isso ocorre porque cada perspectiva não apenas permite uma determinada visão do objeto intencionado, como também possibilita a visão das outras. Essa visão resulta do fato de que as perspectivas referidas no texto não são separadas entre si, muito menos se atualizam paralelamente. (p. 179).

Assim a perspectividade interna da imagem é caracterizada como estrutura de tema e horizonte, que cumprem a função de regular as atitudes do leitor. No processo de leitura, o leitor se fixa em um determinado ponto, sobre o qual recai sua atenção prioritária, o que Iser (1996) chama de tema. Já o horizonte é o que fica em segundo plano, um antigo tema, que está servindo de pano de fundo para o tema atual, ou será um futuro tema (p183).

Os conceitos de tema e horizonte, nesse sentido, regulam as atitudes do leitor perante a imagem e constituem a regra central para a combinação das estratégias textuais. A representação realizada pelo leitor acontece no entrecruzamento de suas perspectivas durante a leitura, perspectivas essas que tanto podem emergir do tema, quanto do horizonte, de acordo com a construção do significado processado pelo leitor.