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O conteúdo dos itens subseqüentes tratará do tema da desconsideração com a demanda e seus elementos. Na medida em que toda demanda possui sua individualidade, como se relaciona a desconsideração com os três eadem? Muitas vezes o sócio não é parte na demanda inicial do autor, mas se tornará ulteriormente parte no processo. Antes disso, logicamente será terceiro interessado. Mas para deixar de ser terceiro e se tornar parte, tem de haver uma causa do pedido de desconsideração e também um petitum. A relação desses institutos com a desconsideração será visto logo mais, bem como o tratamento da estabilização da demanda com a inclusão de uma nova parte, com uma nova causa de pedir e novo pedido.

A demanda é um ato de tentativa de refúgio no Poder Judiciário, cujo conteúdo traz a pretensão (Anspruch)225 daquele que espera a tutela

225. Não é inédito o termo pretensão no ordenamento brasileiro, pois com a lei n. 10352, de 26 de dezembro

de 2001, o legislador processual deu uma nova redação ao art. 527, inc. III, do Código de Processo Civil, ao dispor que o relator poderá “deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal”. Da leitura do dispositivo do Código de Processo Civil, o significado de pretensão nada mais é do que o que o recorrente busca obter no julgamento final do recurso. Pretensão aí nada mais é do que o que se pretende, o que o recorrente busca com o recurso. Diversa foi a intenção do legislador no art. 189 do Código Civil vigente. Tal disposição tem origem no Bürgerliches Gesetzbuch alemão, mais precisamente no seu § 194, I: das Recht, von einem ein Tun

oder in Unterlassen zu verlangen (Anspruch) unterliegt der Verjährung. Apesar de o legislador

alemão ir além do ponto alcançado pelo brasileiro no Código Civil de 2002 e expressamente definir a pretensão (Anspruch) como o direito de exigir de outrem um fazer ou um não fazer, ambos tratam o objeto da prescrição como sendo a pretensão. Pelo instituto trazido da doutrina alemã e adotado pelo Código Civil brasileiro, a pretensão nada mais é do que a actio dos romanos. No sistema que originou o civil law, o pretor dava ação a situações que tipificava em cada caso concreto (daí a tipicidade das

actiones). Ter ação era a mesma coisa que ter direito ao bem e pretender que esse direito fosse

admissível nas vias judiciais (hoje isso é inadmissível e para tanto basta a seguinte indagação: se ter ação é o mesmo que ter o bem, qual a ratio essendi da demanda declaratória negativa?). Tal conceito sintetiza hoje um autêntico sincretismo, pois alguém só teria direito a um bem se tal direito tivesse a proteção judiciária, ou seja, ignorava-se a idéia de que há direito sem processo e processo sem direito. Ter actio quanto a determinada res significava também ter pretensão a ele, isso porque somente se teria direito a tal bem se se pudesse exigi-lo por meio da via judicial. Naquele sistema, perfeitamente plausível; no atual, impossível. Como DINAMARCO expõe, o sistema romano “despreza a fundamental distinção entre fenômenos jurídicos-materiais e outros que pertençam ao mundo do processo” (in Capítulos de sentença, n. 22, p. 55). BARBOSA MOREIRA, apesar de adotar tese diferente da dele sobre a pretensão, afirma que essas distinções são oriundas de “divergências manifestadas acerca de uma questão de direito romano: basta lembrar que a celebérrima polêmica entre Windscheid e Muther, recapitulada em tantos tratados e compêndios de direito processual, girava, afinal de contas, em torno da actio romana. Daí se quis extrair conclusões supostamente válidas para os ordenamentos modernos. Como sói acontecer em casos assim, nem sempre foi possível evitar que noções surgidas em determinado contexto histórico, e por ele condicionadas, se tornassem equívocas e, aqui e ali, pusessem em falsa pista tentativas de captar a essência de fenômenos peculiares a mundo muito diferente” (in “Notas sobre pretensão e prescrição no sistema do novo Código Civil brasileiro”, Revista trimestral de direito civil, XI, p. 70). Em suma e como

jurisdicional.226 É com ela, instrumentalizada por uma petição inicial, que se instaura o processo e esse é o primeiro e mais amplo efeito da demanda.227 Trata-se de um

direito incondicionado, na medida em que ao demandante são garantidas constitucionalmente as portas ao Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV – assegurar a cada um his day in court).228 Todo juiz deverá portanto apreciar a demanda, nem que seja para indeferir a petição inicial (CPC, art. 295), mesmo que pareça evidente a falta de qualquer pressuposto ao julgamento de mérito.

afirmado por DINAMARCO (inCapítulos de sentença, n. 22, p. 55-56), o conceito civilista de pretensão

pertence a um momento histórico –metodológico anterior à independência da ciência processual. Ao leitor mais desatento e sob a infeliz óptica da situação do ponto de vista exclusivo da posição do demandante, a pretensão pode parecer hoje nada mais que direito à tutela jurisdicional sobre um bem, o que faz com que se tenha uma pretensão a ele. Com isso, a diferença entre os institutos seria pouca e

ação e pretensão nada mais seriam que uma opção terminológica. Mas a situação não pode ser vista

apenas sob tal ponto de vista. Hoje o conceito de tutela jurisdicional é muito maior do que pretensão e há a proteção necessária do demandado. A pretensão é muito conveniente ao processo civil do autor e inclui necessariamente a existência de um direito em favor do demandante. Além do mais, nas ações declaratórias negativas não há direito algum e portanto não há pretensão nesse sentido que foi exilado acima, mas há pretensão se considerá-la como aquilo que se pede, o que se pretende, qual o bem da vida buscado em juízo. DINAMARCO é preciso e afirma que “pretensão não é uma situação jurídica, mas um fato que ocorre na vida das pessoas; não é um direito, mas uma exigência (exigência de

subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio: Carnelutti)” (in Instituições de direito processual civil, II, n. 480, p. 181). É justamente esse o máximo de amplitude que se pode dar à

pretensão. Não satisfeita essa pretensão, essa vontade, essa aspiração, se motiva a instauração de um processo para a resolução de um conflito. Dentro do processo, a pretensão nada mais é do que o seu objeto, ou seja, o pedido, já que é ali que está maximizado o estado de espírito do autor, a sua insatisfação no mundo exterior. Pretensão é o que se pretende, nada mais. Ainda que se admita a pretensão como “ação em sentido material”, é algo totalmente estranho à ciência processual e não pode ser considerada, pois só há uma ação, e ela significa o direito condicional de obter a tutela jurisdicional. Ressalte-se que nem os próprios germânicos têm uma unidade conceitual sobre a pretensão. Nunca houve consenso se a pretensão fazia parte apenas do pedido (Antrag) ou se era um instituto complexo, constituído pela causa de pedir e pedido (KARL HEINZ SCHWAB, El objeto litigioso

en el proceso civil pp. 11 ss.). Como sabido, é no pedido que o demandante traz para o mundo do

processo a sua pretensão e indica o que deseja. Ou seja, o petitum é o fato informativo do desejo do demandante e a solicitação ao juiz do que se pretende. É o que a doutrina chama de caráter bifronte

do pedido, o qual define o bem pretendido e a providência que se quer do juiz. Pretensão nada mais é

do que um estado de espírito, uma aspiração do ser, CARNELUTTI afirma que a pretensão (Anspruch) não passa de um fato jurídico. Não é algo que se soma à obrigação, um direito diverso do da obrigação, ainda que acessório. “Pretender é querer, desejar, aspirar” in DINAMARCO, Instituições de

direito processual civil, II, n. 480, p. 181. Dentro do processo, a pretensão pode ser assim considerada

como aquilo que o demandante pretende, que nada mais é do que o objeto do processo (Streitgegestand).

226

. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, II, n. 430, p. 106.

227. Independentemente da citação do réu, porque o indeferimento liminar da petição inicial (CPC, art. 295),

a concessão de tutela antecipada inaudita altera parte (CPC, art. 273), a hipótese do art. 285-A do Código de Processo Civil são atos nitidamente jurisdicionais e ninguém afirma que ai não há processo. Cfr. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, III, n. 1.026-A, pp. 412-414.

228. D

Toda demanda possui a sua própria individualidade, a ser averiguada pelos elementos que a compõem. É no ato introdutório da demanda229 que, pela primeira vez, ela é individualizada (CPC, art. 282, incs. II-IV) e é delimitado o objeto do processo (Streitgegestand), ainda que de forma provisória e de com acordo com uma gradual estabilização. A clássica doutrina dos italianos BELLAVITIS230 e

CHIOVENDA231, seguida quase que pacificamente, enumera três elementos como individualizadores da demanda, os tria eadem. Esses elementos são (a) os sujeitos que propõe a demanda e contra a qual é proposta (partes), (b) os fatos que o autor alega e seu enquadramento em alguma categoria jurídica (causa petendi) e (c) a postulação de determinado provimento com a especificação do bem da vida pleiteado (petitum). Para a correta individualização da demanda, não basta identificar simplesmente as partes, mas sim o lado de cada uma; não basta saber os fundamentos do pedido, pois é preciso identificar corretamente os fatos e a qualificação jurídica; também não é suficiente falar no bem da vida pretendido, porque é preciso analisar também o tipo de provimento jurisdicional esperado (sentença declaratória, sentença condenatória, sentença constitutiva).232