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Os elementos da demanda e a desconsideração ( I ): partes

Segundo clássica lição de CHIOVENDA, parte é aquele que

demanda e também aquele que é demandado.233 Esse conceito chiovendiano é incompleto porque não explica o significado de ser parte e também impõe uma limitação, na medida em que não engloba a figura do assistente ou do MINISTÉRIO PÚBLICO quando atua na

defesa dos incapazes ou como custos legis. Por isso LIEBMAN ampliou esse conceito para

definir como partes “os litigantes, as partes em contenda, as pessoas que levaram a controvérsia diante do juiz”. E continua com a afirmação de que são partes “os sujeitos do

229

. MARIACARLA GIORGETTI, Il principio di variabilità nell’oggetto del giudizio, n. 1, p. 2.

230. L’identificazione delle azioni, pp. 96 ss.

231. Principii di diritto processuale civile, § 1º, n. 5, pp. 62-63. 232. D

INAMARCO, Instituições de direito processual civil, II, n. 436, p. 116.

233. C

HIOVENDA, Principii di diritto processuale civile, § 34, n. 1, p. 579. CASSIO SCARPINELLA BUENO adota fielmente o conceito chiovendiano, in Partes e terceiros no processo civil brasileiro, pp. 3 ss.

contraditório perante o juiz”.234

Esse enquadramento liebmaniano é seguido pelo Código de Processo Civil ao qualificar o assistente como parte (CPC, art. 52) e também pela doutrina brasileira em geral.235 A idéia de CHIOVENDA traz o que DINAMARCO chama de partes na demanda: “são os sujeitos que comparecem perante o juiz pedindo tutela jurisdicional e aquele em relação ao qual essa tutela é pedida”.236

Com a citação, a parte deixa de ser parte somente na demanda para ser parte também no processo. Nota-se que as partes na relação processual são um conceito mais amplo e não necessariamente as partes na demanda serão aquelas partes no processo, porque pode acontecer de ser inserido um litisconsorte necessário ulterior237 (CPC, art. 47, pr.), assistente, participação do MINISTÉRIO PÚBLICO, recurso de terceiro prejudicado, sucessão processual etc. É somente

com o ingresso na relação processual que alguém se torna parte no processo. Essa é a razão de ser do art. 475-L, inc. I, do Código de Processo Civil, segundo o qual o executado pode impugnar a execução para alegar inexistência de citação ou seu vício na fase cognitiva. É importante notar também que esse conceito de parte não envolve a análise do direito material. Trata-se pois do conceito puro de parte, que difere de parte legítima, qualidade essa que têm somente os sujeitos da relação material posta no litígio.238 O conceito puro de parte significa que ser parte no processo envolve uma série de situações jurídicas ativas e passivas, como faculdades, ônus, poderes e deveres inerentes. Alguém se torna parte em três situações: na propositura da demanda, por força de sucessão ou quando ocorre alguma modalidade de intervenção por um terceiro no processo pendente.239

A partir do conceito puro de parte, LIEBMAN conceitua o

terceiro. Trata-se na verdade de um conceito negativo, porque o mestre italiano trata como

terceiro todo aquele que não é considerado parte.240 DINAMARCO concorda com esse

234. Manual de direito processual civil, 1, n. 41, p. 123. 235. D

INAMARCO, Instituições de direito processual civil, II, n. 520, p. 252; CÁSSIO SCARPINELLA BUENO,

Curso sistematizado de direito processual civil, vol. II, t. I, n. 5, pp. 69-70; HUMBERTO THEODORO

JÚNIOR, Curso de direito processual civil, I, n. 66, p. 88.

236

. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, II, n. 436, p. 117.

237

. SÉRGIO FERRAZ entende que nessa hipótese o litisconsórcio não é ulterior porque se um co-legitimado não está no pólo passivo do processo a relação processual não se completou ainda, in Assistência

litisconsorcial no direito processual civil, pp. 43 ss.. DINAMARCO corretamente critica essa posição,

porque “mal ou bem, enquanto no processo existir um só autor e um só réu, litisconsorcial ele não é, in Litisconsórcio, n. 28, p. 80.

238. D

INAMARCO, Instituições de direito processual civil, II, n. 520, p. 253.

239. L

IEBMAN, Manual de direito processual civil, 1, n. 41, p. 125; DINAMARCO, Intervenção de terceiros, n. 3, p. 14-16.

conceito puro241 e negativo de terceiro e afirma que essa conceituação rechaça toda e qualquer análise de direito material envolvida no litígio.242 Isso porque são terceiros a um determinado processo toda e qualquer pessoa que não sejam as partes. A verificação da relação jurídico-material discutida em determinado processo é essencial apenas para a conceituação de terceiro juridicamente interessados e terceiros desinteressados. O terceiro interessado, seja qual for o seu interesse243, sofrerá os efeitos processuais de eventual resultado do processo e terá prejuízos ou benefícios no bem da vida em discussão. O que difere a parte legítima do terceiro interessado é justamente que este não é sujeito dos atos processuais da demanda em discussão, ou seja, não tem faculdades, sujeições, poderes, deveres e ônus que aquela tem, apesar de a sentença o afetar. O terceiro interessado poderá vir a ser parte caso intervenha no processo para a defesa dos seus interesses jurídicos ou de outrem (neste caso, há a defesa reflexa dos seus direitos).

Esses conceitos são importantes porque o sócio-controlador que sofreu a desconsideração (ou a sociedade, quando se trata das remotíssimas hipóteses de desconsideração inversa – supra, n. 17) não é parte na demanda inicial do credor. Enquanto não convidado ao debate, ele será terceiro, porque assim é todo aquele que não é parte (conceito negativo de terceiro – LIEBMAN).244 Ele se tornará parte no processo

quando houver a desconsideração da personalidade jurídica. Como ele é terceiro juridicamente interessado, poderá também intervir na demanda pendente e se tornará parte (infra, n. 50). Quem sofreu a desconsideração será parte na demanda inicial quando for convidado a participar desde o início da relação processual levada a juízo por aquele que se diz credor, como ocorre, p.ex., em um processo cognitivo cujo objeto é exclusivamente a desconsideração da personalidade jurídica e a condenação do sócio. Claro que se está a falar sempre em controle, como afirmam COMPARATO-SALOMÃO (supra, n. 8), pois é impossível um sócio ser atingido por desconsideração pelo simples fato de ser sócio,

241. Tão puro quanto o de parte e diametralmente oposto a ele. 242. Instituições de direito processual civil, II, n. 587, pp. 380-381.

243. Apesar de não ser todo o interesse que legitime um terceiro a intervir no processo. 244. Manual de direito processual civil, 1, n. 41, p. 124; D

INAMARCO, Instituições de direito processual civil, II, n. 587, p. 380.

já que não foi ele que praticou o ato, justamente por não ter as rédeas da sociedade nas mãos.245

Sendo parte na fase de conhecimento e condenado, o sócio deixa de ser mero responsável patrimonial (infra, n. 66 e 69) para se tornar devedor do título executivo judicial. Mas se do processo ou fase de conhecimento não participou, ou se o título executivo for extrajudicial, o sócio que sofreu a desconsideração não será devedor e sim mero responsável. Essa distinção é importantíssima e terá repercussões na posição do sócio perante a execução e as matérias objeto de defesa e a apuração de sua responsabilidade pelo pagamento dos acessórios, como multas, custo do processo etc. (infra, n. 68).