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Muito se discute na doutrina acerca da necessidade ou não do ajuizamento de demanda autônoma para que haja a desconsideração da personalidade jurídica.

Parte da doutrina entende que é necessária uma demanda com fim específico para tanto, porque é preciso que o credor prove as excepcionais hipóteses que autorizam a desconsideração da desconsideração da personalidade jurídica, como se percebe nas conhecidas e prestigiosas opiniões de ADA PELEGRINI GRINOVER,304 FÁBIO

ULHOA COELHO,305 e LAURO LIMBORÇO.306 Todos eles têm essa posição, por entenderem

que somente assim estaria plenamente respeitado o due process of law, na medida em que haveria uma cognição exauriente para apurar uma hipótese que autorizaria a desconsideração da personalidade jurídica.

Mas essa posição doutrinária parte de uma premissa correta (preservação da garantia constitucional do devido processo legal) para se chegar a uma conclusão equivocada (necessidade de demanda autônoma). Não é somente no processo ou

303

. Assim também entende o Superior Tribunal de Justiça: 3ª T., Resp 370068/GO, rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, j. 16.12.03; v.m., DJ 14.3.05.

304. “Da desconsideração da personalidade jurídica (aspectos de direito material e processual)”,

Revista Forense 371, pp. 14-15.

305. Curso de direito comercial, II, n. 6, pp. 54-56.

306. Disregard of legal entity, p. 24. Esse autor justifica sua posição com base na inexistência de

regulamentação legislativa sobre a desconsideração da personalidade jurídica. Mas o artigo foi escrito em 1984 e não havia ainda importantes disciplinas trazidas pelo Código Civil atual e Código de Defesa do Consumidor.

fase de conhecimento que o due process deve ser assegurado, como diz CARNELUTTI.307 Essa idéia de existência de contraditório somente na fase cognitiva advém do irracional preconceito de que na execução não haja mérito.308 A impugnação e os embargos são processos autônomos (CPC, arts. 475-L e 745)309 e nos dois casos está o executado a mover uma ação310 e portanto aquele que sofreu os efeitos executivos poderá trazer questões relacionadas ao mérito da execução, julgados nos embargos ou impugnação de mérito (CPC, arts. 475-L, inc. VI e 745, inc. V). Ainda no curso da própria demanda executiva se percebe a existência de contraditório, como se dá na chamada objeção de não-

executividade ou até mesmo mediante um incidente cognitivo instaurado para esse fim

específico. Como DINAMARCO afirma, “não há processo sem decisão alguma, não há

decisão sem prévio conhecimento e não há conhecimento legítimo sem contraditório”.311

Portanto, aquele que sofreu os efeitos da desconsideração poderá se defender mediante a segurança de respeito ao contraditório na demanda executiva e terá a seu dispor os meios

307

. Diritto e processo, n. 185, pp. 296-297. Também ANDRÉ PAGANI DE SOUZA, Desconsideração da

personalidade jurídica: aspectos processuais, n. 1.2.2.1, pp. 13-24.

308. Como corretamente diz D

INAMARCO, “o afastamento das questões de mérito a serem apreciadas no procedimento executivo não significa porém que inexista mérito no processo ou fase de execução. Há o mérito representado pela pretensão executiva deduzida mediante a demanda inicial nas execuções por título extrajudicial (CPC, arts. 614 ss.) ou mediante pedido de prosseguimento do processo, em caso de título judicial (CPC, art. 475-J). O fato de eventual julgamento a respeito ter outra sede (a dos embargos ou a da impugnação) não significa que mérito inexista naquele processo”, Fundamentos do processo civil moderno, I, n. 112, pp. 259-261.

309

. Como afirma DINAMARCO, in Instituições de direito processual civil, IV, nn. 1.746 a 1.746-B, pp. 742- 749. Também pensa assim FABRIZZIO MATTEUCCI VICENTE, in “A natureza jurídica da impugnação da nova execução”, A nova execução civil – lei 11.232/05, pp. 221224. A nova execução civil –

lei 11.232/05; ARAKEN DE ASSIS, Cumprimento da sentença, n. 109, p. 314. Mas há também forte na

doutrina a tese de que a impugnação constituiria mero incidente, não um processo autônomo, como pensa ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Cumprimento da sentença civil, n. 23, p. 67.

310

. Sempre DINAMARCO, in Instituições de direito processual civil, IV, n. 1.746-C e 1.747, pp. 750-752. Ele faz ainda a seguinte ressalva: “ainda quando a impugnação fosse mero incidente do processo e não um processo incidente, isso não descaracteriza o exercício de uma ação pelo impugnante. Também a reconvenção, o incidente de falsidade, a ação declaratória incidental etc. não dão origem a

processo mas são unanimemente considerados como modos de exercício da ação”. E sem essa ação

(embargos ou impugnação), “o mérito executivo não comporta exame pelo juiz − e isso assim é, por força da eficácia abstrata do título executivo, que na realidade não traz ao juiz a presunção da existência do direito − porque a presunção é dirigida a um julgamento e, na execução, o juiz não julga a respeito da existência deste. A eficácia do título executivo consiste em muito mais, a saber, em dispensar qualquer consideração, convicção ou decisão quanto à real situação de direito material. O juiz executivo não presume a existência do direito: ele simplesmente aceita o título em sua eficácia e dá seguimento à execução, sem lhe ser licito pôr em dúvida o crédito afirmado pelo exeqüente. Não havendo lugar para julgamento sobre a situação jurídico-substancial no curso do procedimento executivo, é natural que os procedimentos dessa ordem não ofereçam qualquer momento para a instrução a respeito” in Fundamentos do processo civil moderno, I, n. 112, pp. 259-261.

processuais adequados (infra, nn. 71-73). Como na execução há plenas chances de ser atendido o contraditório, é desnecessária uma demanda autônoma para esse fim.

HUMBERTO THEODORO JÚNIOR traz outro argumento que

tornaria necessário um processo de conhecimento para que haja a desconsideração. Na sua visão, “a certeza que autoriza a execução forçada só se verifica quando ocorre „identidade entre o executado e a pessoa contra quem foi declarada a aplicação da sanção‟ corporificada no título. Em outras palavras: é indispensável que o título e os atos processuais a eles relativos atestem, de plano, a certeza da responsabilidade do executado”. Com isso, somente por meio do processo cognitivo seria possível a formação de título executivo hábil contra aquele que sofrerá os efeitos da desconsideração.312 Ocorre que o sócio que sofrerá os efeitos da desconsideração é responsável

patrimonialmente e não co-obrigado (infra, n. 66). Portanto, o fato de o sócio não constar

como devedor do título executivo exeqüendo não implica sua ilegitimidade passiva, porque o responsável também tem legitimidade passiva ad causam para a execução.313

PAULO FERNANDO DE ALMEIDA SALLES DE TOLEDO entende

que é necessária uma demanda autônoma quando se trata de negócio fraudulento, porque esse seria sujeito de anulação. E por conta disso, com fundamento no art. 177 do Código Civil, seria necessária uma demanda.314 Anular o negócio significaria penalizar terceiro de boa-fé, justamente o que o sistema visa a privilegiar. Quando ocorre a desconsideração, nada mais se faz do que declarar a relativa ineficácia do negócio, para combater o ato fraudulento.

Diante desses argumentos acima expostos, entende-se que é desnecessária a propositura de demanda autônoma para apuração de alguma situação que autorize a desconsideração da personalidade jurídica, como também defendem CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO,315 ANDRÉ PAGANI DE SOUZA,316 GILBERTO GOMES

312. Processo de execução, pp. 94-95. 313. S

ÉRGIO SHIMURA diferencia a legitimidade passiva ad causam para a execução com a responsabilidade patrimonial, in Título executivo, p. 80. Assim também entende GILBERTO GOMES BRUSCHI,

Aspecto processuais da desconsideração da personalidade jurídica, n. 9.2, p. 98.

314. “A desconsideração da personalidade jurídica na falência”, Revista de direito mercantil, industrial,

econômico e financeiro, n. 134, p. 226.

315. Fundamentos do processo civil moderno, II, n.671, p. 1196-1199.

BRUSCHI,317 COMPARATO-SALOMÃO,318 ARAKEN DE ASSIS,319 CÁSSIO SCARPINELLA

BUENO,320 SIDNEI BENETI,321 FREDIE DIDIER JÚNIOR322, FREDERICO CAIS, 323 e MAGNO

FEDERICI GOMES e ESTEFÂNIA LIMA MAIA.324 bem como a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça,325 justamente porque o contraditório pode ser atendido na execução e, mesmo não sendo devedor, aquele que sofre a desconsideração tem legitimidade passiva ad causam por ser responsável patrimonialmente (infra, n. 66). Como também já foi visto acima, há plena compatibilidade da desconsideração com a demanda já estabilizada, desde que o contraditório seja respeitado (supra, n. 44).