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Não se trata de sucessão nem de substituição processual

O tema da desconsideração da personalidade jurídica em nada se relaciona com o intrincado tema da sucessão processual. Esta ocorre quando uma das partes morre (pessoa natural) ou é extinta (pessoa jurídica), nos termos do art. 43 do Código de Processo Civil ou ainda quando há alienação do objeto litigioso (CPC, art. 42). Trata-se de um meio pelo qual se pode adquirir a qualidade de parte.279 A sucessão processual é uma das exceções à regra da estabilização da demanda (supra, n. 44) e o sucessor entra no processo no estado em que se encontra. Assim, se o antecessor foi revel, os efeitos da revelia também se estenderão ao sucessor. Em outras palavras, o sucessor não pode retroceder e discutir questões já enfrentadas pelo seu antecessor. Esse fenômeno não

277. Nesse sentido C

ÁSSIO SCARPINELLA BUENO: “acresço, a propósito do tema, que uma faceta relativa à intervenção litisconsorcial e dos terceiros em geral muito pouco explorada pela doutrina, mas que, em situações como esta que venho de descrever, mostram sua total pertinência e aplicabilidade. Refiro-me ao que, por vezes, é referido na doutrina italiana e ao que é bastante corrente em determinadas intervenções de terceiros do direito federal norte-americano, como sendo o caráter

instrutório da participação de novos sujeitos na relação processual quando menos para o que o juiz

possa ter, sempre, a definição dos melhores contornos fáticos sobre o que vai decidir”, in Partes e

terceiros no processo civil brasileiro, n. 3.4, pp. 105-106.

278

. Consoante a ementa: “os fatos supervenientes autorizam reconhecer a desconsideração da personalidade jurídica, sem que isso implique ofensa aos arts. 128 e 473 do CPC”, 3ª T., gRg no AgRg no Ag 980621/RJ, rel. Min. VASCO DELLA GIUSTINA, j. 4.8.09, v.u., DJ 17.8.09.

279. L

ocorre quando se dá a desconsideração da personalidade jurídica, porque o sócio não é sucessor processual da sociedade desconsiderada. Ele não toma o lugar de parte da pessoa jurídica, seja porque essa não é extinta com a desconsideração (supra, n. 10), seja porque ela continua parte e também responde pelo débito. Tanto que, se ulteriormente à desconsideração, a sociedade receber algum patrimônio, este será utilizado para pagamento da dívida em discussão. Como o sócio não é sucessor processual da personalidade jurídica,280 se ela foi revel, p.ex., e houver a desconsideração, seus efeitos não se aplicarão a ele. Também não se aplicam aos sócios as hipóteses restritivas do art. 475-L do Código de Processo Civil, que limitam a defesa do executado (infra, n. 74).

Também não se trata de substituição processual. Esse instituto é definido como a defesa em nome próprio de direito alheio,281 consoante a própria definição legal (CPC, art. 6º). Claramente a substituição se insere no campo da legitimidade ad causam. Isso porque, como afirma CHIOVENDA, “o sujeito da relação

processual não é necessariamente o sujeito da relação substancial deduzida em juízo”.282

Em casos de substituição processual temos então o caso da legitimidade extraordinária. Essa legitimidade extraordinária sempre deriva da lei e do sistema e o substituto age em nome próprio, ou seja, é parte,283 pois nos casos de representação processual “il legislatore attribuisce il potere di azione ad um subietto che non coincide col titolare del rapporto giuridico litigioso”.284

Ao exercer em seu nome próprio a demanda (ação própria), o substituto torna-se parte no processo e essa demanda tem os mesmos elementos constitutivos. Mas não só há casos de substituto processual ativo. ALLORIO defende corretamente a capacidade de substituto processual passivo.285

280

. Entretanto, há manifestação equivocada do Superior Tribunal de Justiça que o sócio toma o lugar processual da pessoa jurídica, substituindo-a: “é de se ter presente que a desconsideração da pessoa jurídica, em casos que tais, torna cada um dos sócios parte no processo de execução, porquanto suprime o sujeito de direito representado pela pessoa jurídica, fazendo-se substituir-se, por ampliação subjetiva, pelas pessoas de seus sócios, seus representantes legais”, 3ª T., Resp n. 258.812/MG, rel. Min. CASTRO FILHO, j. 29.11.06, v.u., DJ 18.12.06.

281

. EDOARDO GARBAGNATI, La sostituzione processuale, n. 8, esp. p. 186; ALLORIO, La cosa giudicata

rispetto ai terzi, n. 145, p. 249; DONALDO ARMELIN, Legitimidade para agir no direito processual

civil brasileiro, n. 117, p. 121.

282

. Principii di diritto processuale civile, § 36, n. 1, p. 597.

283. Diferentemente do representante, que não é parte no processo, D

INAMARCO, Instituições de direito

processual civil, II n. 548, p. 317.

284

. EDOARDO GARBAGNATI, La sostituzione processuale, n. 3, p. 212.

285. “Nè sarebbe il caso solamente di queste, ma anche – eventualmente – d‟una particolare forma di

Como se observa, o substituto processual defende sempre direito alheio. Na desconsideração da personalidade jurídica, o sócio que a sofreu advoga seu próprio interesse e não da sociedade. Pois ele defenderá a ausência de responsabilidade de seu patrimônio, de que não há requisito suficiente a autorizar a desconsideração da personalidade jurídica etc. Além do que, na substituição, como o próprio nome diz, substituto e substituído não são partes no processo, só o é o substituto. Mas quando ocorre a desconsideração, ambos são partes: um na qualidade de obrigado e outro na de responsável (infra, n. 66). A pessoa jurídica não deixa de ser parte no processo, apenas é formado um litisconsórcio ulterior quando o sócio ingressa na demanda pendente (infra, nn. 50 ss). Sem contar que a esfera do direito de quem seria o substituído não será atingida, na medida em que a defesa do sócio em muitas vezes pode ser concorrente com a da sociedade. Claro que em algumas situações a defesa do sócio poderá beneficiar a pessoa jurídica, como ocorre em eventual objeção de pré-executividade apresentada por ele e que tem o condão de extinguir uma execução. Mas isso não é suficiente para caracterizar o sócio como substituto processual da sociedade, pela somatória dos argumentos acima expostos.

Isso tudo acontece também porque com a desconsideração não há anulação da pessoa jurídica (supra, n. 10). Ou seja, ela não perde a capacidade de

ser parte. Ainda que se afirme a perda relativa da personalidade jurídica material, a pessoa

jurídica com continua com a sua plena personalidade jurídica processual. Até mesmos entes sem personalidade reconhecida podem ser parte, a teor do art. 12 do Código de Processo Civil: massa falida, espólio, sociedade de fato, condomínio etc. VICTOR NUNES

LEAL defende, p.ex., “personalidade judiciária” das Câmaras municipais para tratar de

questões institucionais286 e, DINAMARCO, do fundo comum dos advogados (EA, art. 14, par.).287 Então, mesmo que se anulasse a personalidade jurídica das sociedades, ela manteria sua capacidade de parte, porque “as sociedades sem personalidade jurídicas,

essere vero: anche il dante causa, nei confronti del sucessore pendente lite. Esclusa quest‟ipotesi, rimangono le altre, di sostituizone a parte rei: del marito convenuto nei giudizi della dote e della comunione; del capitano convenuto dai creditore del proprietario della nave; del fallimento convenuto, con le domande d‟insinuazione di crediti al passivo, per l‟accertamento di debiti del fallito”, La cosa

giudicata rispetto ai terzi, n. 148, p. 254

286. “Personalidade judiciária das câmaras municipais”, Problemas de direito público, n. 7, p. 428. 287. Fundamentos do processo civil moderno, I, n. 359, pp. 683 ss.

quando demandadas, não poderão opor a irregularidade de sua constituição”, como dispõe o pr. do art. 12 do Código.

Não há também perda da legitimidade ad causam, na medida em que a pessoa jurídica continua com o status de parte e com pertinência para a ação. Tanto que, se receber bens no transcurso da execução depois da desconsideração, eles serão responsáveis pelo pagamento da dívida executada.

A manutenção da plena capacidade da pessoa jurídica que sofre a desconsideração e de sua legitimidade ad causam deixam claro que o ingresso do sócio não é substituto nem sucessor processual dela. Essa afirmação tem capital importância e guiará diversos temas do presente trabalho, como a manutenção da qualidade de terceiro antes da citação; ausência de responsabilidade do sócio por acessórios processuais antes de sua citação etc.