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Natureza do ato que desconsidera a personalidade jurídica (motivação suficiente

Sabidamente a natureza dos atos processuais do juiz é dividida em três pelo Código de Processo Civil. Apesar de a nova redação do art. 162, § 1º não trazer um conceito do que seja sentença e excluir o critério topológico416 de que sentença era o ato que potencialmente põe fim ao processo, pode-se defini-la como o ato com o “qual o juiz define a causa com ou sem julgamento de mérito”.417

Definir a causa é emitir a solução final para o conflito colocado perante o juiz, com a emissão de um provimento de mérito (CPC, art. 269) ou declarando-o inadmissível (CPC, art. 267). Essa alteração feita pela lei do cumprimento de sentença desfez a unidade do conceito de sentença, na medida em que não tem aplicação no processo executivo, pois o art. 795 do Código afirma que a extinção da execução se dará sempre por sentença e esse ato dá termo ao processo. Já o § 2º do art. 162 define decisão interlocutória como o ato com que o juiz, sem definir a causa, emite os provimentos no curso do processo.418 Por fim e de maneira residual, são despachos todos os demais atos do juiz (CPC, art. 162, § 3º), atos de vontade do Estado, mas desprovidos de qualquer conteúdo decisório. A diferença entre esta espécie de provimento e a decisão interlocutória é justamente o seu conteúdo decisório, sendo que ambas têm em comum a característica de não definirem a causa. Já a distinção entre

416. Linguagem de B

ARBOSA MOREIRA, in Comentários ao Código de Processo Civil, V, n. 139, p. 241. CLARISSE FRECHIANI LARA LEITE, entende que o critério topológico ainda perdura no direito brasileiro, cfr “O novo conceito de sentença”, A nova execução civil – lei 11.232/05, n. 10, pp. 91-92.

417. D

INAMARCO, Instituições de direito processual civil, II, n. 651-A, p. 508. Para evolução do conceito de sentença no direito brasileiro, vide n. 651, pp. 504-507.

418. Como diz a doutrina, “é defeituosa a conceituação de decisão interlocutória, contida no § 2º do art. 162

do Código de Processo Civil. Ele qualifica como tais os atos com os quais o juiz decide alguma

questão incidente ao processo. De um lado, nem todo pronunciamento sobre questões incidentes é

interlocutório, havendo os que põem fim ao processo: o juiz pronuncia sentença quando, decidindo o pedido de extinção do processo, formulado pelo réu incidentemente a este, acolhe-o e determina a extinção processual (art. 162, § 1o). Por outro lado, é interlocutória a decisão judicial sobre um pedido de tutela antecipada, que o autor haja formulado já na petição inicial: tal pedido não é interlocutório, mas a decisão a seu respeito o é (art. 273, caput e §§). Além do mais, toda decisão judicial somente é relevante na parte em que acolhe ou rejeita uma pretensão, pedido ou requerimento: ali é que se situa o preceito imperativo a ser observado e não na parte em que simplesmente resolve questões (motivação)”, in DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, II, n. 652, pp. 509-510.

decisão interlocutória e sentença passa a ser o conteúdo e o seu efeito (mais uma vez a exclusão do critério topológico), de modo que a sentença define a causa, enquanto a decisão não tem essa capacidade, apesar de ambas terem cunho decisório.

A classificação dos atos de inteligência do juiz419 é importante para se averiguar a natureza dos provimentos que desconsideram a personalidade jurídica. Se a desconsideração é autorizada pelo juiz mediante um processo cognitivo cujo objeto seja justamente a apuração de algum ato que autorize a aplicação dessa teoria, ao decidi-la o Estado está definindo a causa e portanto o ato é sentença. É também sentença quando o juiz decide sobre a desconsideração em sede de embargos de terceiro, embargos à execução ou impugnação. Mas quando a desconsideração é analisada incidentalmente a algum processo ou fase, trata-se de decisão interlocutória, pois o juiz não está definindo causa alguma, já que não há pronunciamento definitivo sobre o conflito posto. Está somente resolvendo uma questão incidente no curso de alguma causa (essa é a origem do adjetivo interlocutório – inter locutus, ou seja, pronunciado no meio). Mas jamais o pronunciamento acerca da desconsideração será despacho, pois a análise dessa teoria exige um conteúdo decisório, o que é incompatível com o conceito desse tipo de ato judicial, que serve somente para dar direção e impulso ao processo.

Seja qual for a natureza desse ato que desconsidera a personalidade jurídica, todas as sentenças e decisões necessariamente têm de ser

suficientemente fundamentadas.420 Isso significa que não basta simplesmente dizer que no caso concreto estão presentes os requisitos que autorizam a desconsideração da personalidade jurídica, já que são “pouco pertinentes eventuais critérios formulados de modo genérico e abstrato”,421 como diz MICHELE TARUFFO. É necessário demonstrar

in casu que eles ocorreram e que o sócio-controlador precisa ser responsável com seus

bens. Pois como diz LIEBMAN, “non sarà necessario che la motivazione si soffermi su tutti i punti discussi dalle parti, ma dovrà dare sufficiente e convincente ragione della

419. Sim, porque “resultam da aplicação de seus dotes de espírito e da sua cultura no exame dos fatos,

provas, leis e sua interpretação”, in DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, II, n. 654, pp. 511-512.

420. Sobre os remédios processuais adequados contra a ausência de motivação, cfr. J

OSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, A motivação da sentença no processo civil, n. 14, pp. 143 ss.

conclusione a cui il giudice è pervenuto nella decisione della causa”.422 Essa é então a fórmula trazida por DINAMARCO: “dispensam-se minúcias mas exige-se que o essencial seja objeto da motivação”. O essencial em casos como o da desconsideração é demonstrar naquele caso específico os requisitos que autorizam, bem como a insolvência da pessoa jurídica (ou do sócio, nas restritas hipóteses de desconsideração inversa). Trata-se pois de respeito ao devido processo legal (CF, art. 5º, incs. LIV e LV) e ao dever de motivação suficiente (CF, art. 93, inc. IX).

Para o conteúdo da decisão, vide infra, n. 64.