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Regras de competência, conflito positivo e desconsideração

Podem ocorrer dois fenômenos no tocante ao tema da competência relacionado à desconsideração. O primeiro deles é o processo seguir seu curso natural e houver a desconsideração da personalidade jurídica na execução. Pode acontecer de o sócio ter domicílio distinto daquele onde o processo tramita. Nessa situação de competência relativa não há modificação do lugar do foro. Isso porque a perpetuação da competência se dá no momento em que a demanda e o art. 87 do Código de Processo Civil é expresso no sentido de que são irrelevantes as modificações no estado de fato ou de direito ocorridas ulteriormente.220 Mesmo que se altere algum fato no processo, como é a desconsideração da personalidade jurídica, a competência se manterá a mesma.

218. “Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica à arbitragem”, Aspectos da arbitragem

institucional: 12 anos da lei 9.307/1996, p. 147.

219. E

DUARDO MUNHOZ, in “Arbitragem e grupos de sociedades”, Aspectos da arbitragem institucional:

12 anos da lei 9.307/1996, pp. 176-178.

220. A

Portanto, a entrada de algum sócio responsável patrimonialmente com domicílio diverso do lugar do processo pendente não interferirá na regra da competência.

Mas há uma norma de cunho superior, que estabelece a competência absoluta da Justiça Federal, para os casos em que a União, suas autarquias, empresas públicas ou fundações públicas sejam partes, a teor do art. 109, inc. I, da Constituição Federal (competência ratione personæ). Se ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica e algum ente desses for sócio-controlador da pessoa jurídica executada e se tornar parte no processo, a competência será deslocada para a Justiça Federal, porque essa regra constitucional prevalece sob a regra do art 87 do Código de Processo Civil, pois a competência da Justiça é absoluta. Do mesmo modo quando corre a desconsideração da personalidade jurídica e é atingido algum sócio-controlador for o Estado ou Município. A competência será deslocada para varas especializadas, quando no foro houver, porque se trata de competência em razão da matéria e portanto absoluta. Essas situações refletem a superposição da competência absoluta e não prevalece a regra da perpetuatio jurisdictionis.

O segundo fenômeno, de solução igual, ocorre quando o sócio intervém em demanda pendente antes de acontecer a desconsideração da personalidade jurídica, como ocorre, p.ex., na assistência e chamamento ao processo (infra, nn. 54 ss). Nessas situações, o ingresso do sócio pode também alterar regras de competência quando se tratar de competência absoluta. Assim, se algum sócio-controlador enquadrar-se no inc. I do art. 109 da Constituição Federal, a competência será deslocada para a Justiça Federal.221 E do mesmo modo, no âmbito estadual, a competência será das varas especializadas quando estas existirem na comarca.

Interessante questão surge quando se dá a desconsideração de determinada pessoa jurídica em um processo e ocorre a falência dessa sociedade em outro processo. A prática demonstra que muitas vezes ocorre um aparente conflito positivo de

competência, pois tanto o juízo da falência quanto o outro se entendem competentes para a

realização desses atos. Há diversos casos em que ocorre uma execução individual contra a sociedade nesse processo há a desconsideração da personalidade jurídica para atingir bens

221. Sobre competência da Justiça, cfr. M

ARCATO, “Breves considerações sobre jurisdição e competência”, Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos n. 20, p. pp. 21-22.

do sócio. Mas há a falência da sociedade em outro processo. Para os atos executórios daquele primeiro processo, continua o juízo da execução competente?

Em situações assim, o correto tecnicamente é enviar o processo em que ocorreu a desconsideração para o juízo falimentar ou da recuperação. Porque quando se dá a desconsideração ocorre litisconsórcio ulterior entre sociedade e sócio (infra, n. 51) e não há sucessão ou substituição processual, porque a pessoa jurídica não perde a capacidade de ser parte nem a legitimidade ad causam (infra, n. 45). Apesar de a execução ter sido redirecionada222 aos sócios, com sua inclusão no pólo passivo, a sociedade ou sua massa falida continua ré. Tanto que, se a pessoa jurídica tiver ulterior patrimônio disponível, este será penhorado para pagar a dívida desse processo em que se formou o litisconsórcio por causa da desconsideração. Além do mais, isso poderá frustrar os credores os habilitados na falência, porque nesse processo também poderá ter a responsabilidade dos sócios por atos de gestão, fraude etc. e aquele credor individual terá uma injustificada vantagem. É oportuno e tecnicamente adequado que a competência seja do juízo universal.

Essa questão é bastante discutida no Superior Tribunal de Justiça. Em um primeiro momento a inclinação foi a mesma que a ora defendida.223 Mas em tempos mais recentes foi para o lado diametralmente oposto.224

O argumento utilizado é o de que não há conflito porque “o patrimônio da falida quedou-se livre de constrição”, pois o sócio tomou o lugar processual da sociedade e por isso o processo deve prosseguir e não ser remetido para o juízo universal falimentar. Pelos argumentos acima expostos percebe-se que o atual entendimento daquela Corte não é o mais academicamente adequado.

222. Apesar de não ter técnica alguma, esse termo é consagrado na linguagem jurídica cotidiana,

especialmente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

223

. Na jurisprudência, a favor da competência do juízo universal: STJ, 2ª S., CC 30813/PR, rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, j. 13.12.00, v.u., DJ 5.3.01.

224

. A favor da competência do processo em que houve a desconsideração: STJ, 2ª S., CC 57523/PE, rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, j. 28.2.07, v.u., DJ 8.3.07; 2ª S., Edcl no AgRg no CC 53215/SO, rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, j. 13.6.07, v.u., 2.8.07; 2ª S., AgRg no CC 86096/MG, rel. Min . HUMBERTO GOMES DE BARROS,j. 8.8.07, v.u., DJ 23.8.07; 2ª S., AgRg no AgRg no CC 57649/SP, rel. Min. JOÃO OTÁVIO NORONHA, j. 13.8.08, v.u., DJ 18.8.08; 2ª S., AgRg no CC 103437/SP, rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, j. 27.5.09, v.u., DJ 3.6.09; 2ª S., AgRg nos EDCl no CC 55.644/ES, rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, j. 28.10.09, DJ 11.11.09. Mas o Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS adverte que tal solução não é mais possível se houver a desconsideração da personalidade jurídica da falida, ocasião em que os patrimônios do sócio e sociedade e se confundem e prevalece a competência do juízo universal, in 2ª S., CC 61274/SP, j. 28.2.07, v.u., DJ 8.3.07.