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Em busca da sistematização de uma disciplina nova

Durante as três primeiras décadas do século XX, o panorama editorial português vai conhecer a publicação das primeiras obras que reclamam, no próprio título com que saem à estampa, a identificação de uma nova disciplina de âmbito histórico: a história económica.

Tal foi o caso do volumoso compêndio de Adriano Antero, com longas digressões sobre a história da vida económica na Grécia e Roma antigas, no qual anuncia a sua visão ultra-descritivista, ultra-factual e semi-geográfica desta nova disciplina:

A história económica estuda a influência que os factores económicos exercem

ou têm exercido ou sobre a sociedade, em geral, ou sobre qualquer país ou região, em particular. E os factores económicos principais são – a situação, a superfície, o aspecto, o clima, a população, os produtos, as indústrias e as comunicações9.

De forma diferente pensava Carneiro de Moura, para quem o exercício da história económica exigia outro tipo de requisitos, nomeadamente o conhecimento disponibilizado por documentação estatística relevante que, em seu entender, não estava suficientemente amadurecido no nosso país. Por isso argumentava em favor de uma renovação metodológica a que não era alheia a influência das orientações da escola histórica alemã:

A história, baseada na causalidade social que se explica pelo meio e pelos factores sociais, esclarece o mundo moderno à luz dos dados que a ciência analisa e depura. (…) A história económica de Portugal é a documentação viva e notável das leis que regem todas as sociedades humanas na conquista da riqueza, e se não entra no nosso plano a detalhada exposição teórica daquelas leis, não deixaremos de, por elas, explicar e verificar os factos narrados (…).

A escola económica histórica despreza as concepções apriorísticas e vai observando os fenómenos económicos por uma cuidadosa análise histórica. Infelizmente, sobretudo entre nós, faltam-nos dados estatísticos e outros elementos de análise para formular com precisão as leis económicas10.

Numa visão que denota indiscutível modernidade e alinhamento com contribuições internacionais contemporâneas, Carneiro de Moura apresenta a história económica como uma história baseada no conhecimento da evolução dos factores de produção:

E outras leis se induzem da nossa história económica. Por elas se verifica, como veremos, que a evolução dos três factores de produção – terra, capital e homem, ou natureza, capital e trabalho – começa primeiro pelo predomínio da

9 ANTERO, Adriano – História Económica. Porto: Tipografia A. J. Silva Teixeira, 1905, I,v.

natureza, depois do trabalho, depois do capital, para a solução solidária da economia mundial, que volta a estabelecer organismos comunais, mas então numa organização perfeita e consciente das funções especificadas, para se conseguir uma humanidade menos imperfeita11.

Alguns anos mais tarde, João Lúcio de Azevedo viria a produzir uma das obras mais marcantes da historiografia económica portuguesa, iniciando um modelo de interpretação baseado na noção de ciclos associados ao predomínio momentâneo de determinados produtos (pimenta, ouro, açúcar, ouro e diamantes). Independentemente da validade ou coerência das Épocas delimitadas por Lúcio de

Azevedo, a lucidez da sua abordagem não sofre impugnação. A história económica procede a uma espécie de balanço de custos e benefícios que o país vai conhecendo, ciclicamente, entre a prosperidade e a decadência:

Os estudos de que se compõe este volume obedecem ao conceito materialista, não único, mas certamente indispensável para a compreensão da história. As nações não vivem só de heroísmos, assunto predilecto dela. Para cada povo existe, como para os indivíduos, uma conta de Deve e Haver, que nos dá o quilate das suas prosperidades, e por onde, cedo, até para os maiores impérios, os pródromos da decadência se denunciam.

Com respeito a Portugal. Não será sem interesse indagar por que preço pagou as suas glórias, e quais os efeitos delas nas condições gerais do país. A isso visam estas páginas, onde se tentam esboçar as correntes económicas que dominam a nossa história12.

A completar este conjunto de autores que inovaram metodologicamente em busca de uma disciplina que desse resposta e explicação consistentes para os prolemas da modernização e dos bloqueios, dos melhoramentos e atrasos, assinale- se a obra de Francisco António Correia. É no seu livro que encontramos uma sistematização mais completa de uma História Económica de Portugal que nos oferece

11 MOURA, Carneiro – História Económica de Portugal. Lisboa: Tipografia do Anuário Comercial, 1913, 19.

uma sucessão de movimentos cíclicos em que não se perde a noção de continuidade e de dependência em relação a estados iniciais ou anteriores de evolução.

Para compreendermos bem a economia nacional do nosso tempo torna- se indispensável o estudo da sua evolução, de todos os movimentos de avanço e retrocesso, das causas que influíram no aproveitamento dos recursos naturais.

A organização económica do nosso país, como de resto toda a nossa organização social, pode reflectir o espírito das reformas levadas a efeito no sentido de a melhorar, mas a sua estrutura corresponde de facto a uma transição lenta de modalidades anteriores, que se ligam a outras mais antigas, existindo, entre todas elas uma íntima relação13.

Em conclusão: não obstante a ausência de trabalho original no manuseamento de fontes e tratamento de dados, importa reter nestes autores uma clara visão sobre as orientações metodológicas que a história económica deveria seguir para se construir como domínio historiográfico próprio. Uma história económica que não esquece a preocupação central em compreender razões de atraso e factores de progresso, complemento académico de um propósito cívico alimentado numa esfera pública mais alargada, como demonstram as reflexões provenientes de círculos académicos e jornalísticos, de que a geração da Seara Nova é exemplo ímpar.14

13 CORREIA, Francisco António – História Económica de Portugal. Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade, 1929, v.

14 Fica deliberadamente de lado a análise das obras de Jaime Cortesão e António Sérgio, que serão objecto de abordagem autónoma noutras contribuições incluídas neste volume. Cf. também MAGALHÃES, Joaquim Romero – “Oração de sapiência proferida na abertura solene do ano lectivo”, Notas Económicas. Coimbra,