• Nenhum resultado encontrado

Primeiros passos de aproximação à história económica

Em qualquer súmula historiográfica portuguesa não é difícil discernir motivos que nos levam a recordar o exemplo ou a contribuição pioneira de Alexandre Herculano. No caso da historiografia económica, não será tanto pela ambição heurística de desbravar sistematicamente o território onde se erguem e desfilam factos e temas económicos e financeiros que o seu nome se impõe. Valeu-nos sobretudo o seu contributo pelo modo como usou e adaptou as influências do historicismo alemão em busca de uma história sobre a “índole das sociedades”, e não uma história construída a partir de feitos e sombras de heróis. A possibilidade de se analisar e avaliar o peso e importância de instituições, estruturas e problemas

económicos foi proporcionada aos leitores das suas obras, em especial através de alguns dos seus Opúsculos em que reflectiu sobre a servidão e o feudalismo

em Portugal, o regime de vínculos, os bens da coroa e os forais, ou sobre caixas económicas e socorros mútuos1.

Mais especificamente centradas na abordagem de problemas económicos e financeiros foram as incursões históricas de Oliveira Martins, não só numa perspectiva que valorizou o enquadramento analítico do estudo da realidade económica2, mas também numa óptica de curto prazo e de alcance conjuntural, ensaiando respostas e buscando soluções para problemas concretos que não podia ignorar, fosse pela sua veia interveniente e publicista, ou pela ânsia de assumir responsabilidade política reformista3. Com efeito, os seus atributos de homem público obrigaram-no a lidar com especial cuidado com as matérias de carácter económico e financeiro.

No plano teórico, Oliveira Martins foi particularmente influenciado e receptivo às contribuições das correntes de pensamento do “socialismo de cátedra” e da escola histórica alemã, das quais herdou o sentido crítico em relação à suposta universalidade das leis abstractas da economia política que, em seu entender, poderiam conduzir à adopção de concepções de desenvolvimento económico que não valorizavam condignamente o esforço de criação de condições para o aproveitamento pleno dos recursos nacionais. No plano político, estas mesmas influências acentuavam a necessidade de estratégias nacionais de desenvolvimento adaptadas às especificidades históricas e geográficas da realidade que era objecto de estudo e se transformava em projecto de mudança.

Na perspectiva de Oliveira Martins, a história aplicada ao estudo de realidades económicas era motivo de aprendizagem tendo em vista a actuação sobre o tempo presente, possibilitando a construção de interpretações sobre as razões do atraso do país em relação ao ritmo de progresso das nações mais desenvolvidas e permitindo o desenho de propostas de melhoramento, regeneração e fomento dos diversos

1 HERCULANO, Alexandre – Opúsculos. Lisboa: Viúva Bertrand, 1873.

2 MARTINS, J. P. Oliveira – Teoria do Socialismo. Evolução Política e Económica das Sociedades da Europa. Lisboa:

Guimarães Editores, 1872; MARTINS, J. P. Oliveira – O Regime das Riquezas (Elementos de Crematística). Lisboa:

Livraria Bertrand, 1883.

sectores de actividade económica, especialmente do sector agrícola. A reflexão (ou tão-só a exemplificação) histórica sobre temas económicos era entendida como forma de intervenção política e cívica, no pressuposto de que esse era um imperativo crucial para devolver ao país a vontade de superar um longo ciclo de decadência. Esta visão, nem sempre apoiada em comprovativos ou fundamentos históricos irrefutáveis, viria a ter repercussão posterior na obra historiográfica de autores muito influenciados por Oliveira Martins, como foram Jaime Cortesão e António Sérgio. E, de um modo geral, conferiu um estímulo forte à consolidação de um ideário de tradição pessimista sobre as reais capacidades do país, o qual tem perdurado no imaginário público de forma perene.

Entre os políticos e historiadores contemporâneos de Oliveira Martins que nas últimas décadas do século XIX e primeiros anos do século XX deram contributos relevantes para a formação de um cânon historiográfico sobre temáticas económicas, merecem destaque os nomes de João Manuel Esteves Pereira, pelos seus estudos sobre história da indústria portuguesa publicados na revista Ocidente em

1897 e 19004 e de Basílio Teles, pelos ensaios de âmbito histórico sobre organização do trabalho, agricultura, sistemas de crédito e de tributação5.

Também justificam uma chamada de atenção os compêndios de ensino de economia política na Universidade de Coimbra publicados por José Frederico Laranjo e, sobretudo, por Marnoco e Sousa, os quais procedem a incursões ligeiras na história económica, sempre pela via da influência das escolas históricas da economia política e da preocupação em contextualizar a aplicação de leis e princípios supostamente válidos para qualquer país e em qualquer época6. Nas obras destes autores incluem-se também reflexões laterais sobre o processo evolutivo das ideias económicas, protagonizando a emergência de estudos autónomos no domínio da história do pensamento económico7.

Uma referência muito especial é devida a Alberto Sampaio pelo modo conciso como interpretou a importância de exercícios históricos caracterizados

4 Reunidos em PEREIRA, João Manuel Esteves – A Indústria Portuguesa: Subsídios para a sua História, 1897 e 1900. (ed. Carlos da Fonseca). Lisboa: Guimarães Editores, 1979.

5 TELES, Basílio – Estudos Históricos e Económicos. Porto: Livraria Chardron, 1901.

6 LARANJO, José Frederico – Princípios de Economia Política. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1891; e

SOUSA, J. F. Marnoco – Ciência Económica. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1910.

por um nível elevado de abstracção. Os seus estudos monográficos sobre os hábitos e costumes económicos das populações no Norte de Portugal são reveladores da acuidade metodológica do seu pensamento:

É supérfluo encarecer a importância das questões que se ventilam neste trabalho; o autor crê todavia que a poucos leitores agradará uma história sem personagens, faltando-lhe o atractivo que nasce do drama das paixões e do jogo dos interesses; ele porém dar-se-á por satisfeito, se os entendidos a julgarem de algum valor, pequeno que seja, para o conhecimento das origens; se dos elementos que coligiu resultar um esboço, embora rude, do estabelecimento da propriedade e sistema cultural do norte do país; e se enfim conseguir por esta maneira alargar um pouco o nosso horizonte histórico8.

Sem dúvida que esta reflexão, apesar de sintética, confere a Alberto Sampaio um papel precursor na identificação dos padrões de referência a que a história económica deveria ambicionar.