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Em defesa da não mudança de crença e da manutenção da concepção tradicio-

1. CAPÍTULO 1 O DEBATE ACERCA DO OBJETIVO DO ENSINO DAS CI-

1.3. O DEBATE SOBRE A MUDANÇA DE CRENÇA COMO OBJETIVO DO EN-

1.3.1. Em defesa da não mudança de crença e da manutenção da concepção tradicio-

Uma outra possibilidade que surgiu no debate, além da descrita acima, que re- laciona mudança de crença com certo conhecimento (tradicional) e não mudança de crença com entendimento/domínio, é a seguinte: a não mudança de crença com o co- nhecimento ainda em sua forma tradicional. Isso pode ser observado no texto de Le- vishon e Phillips (2012) e também em Siegel e Smith, a partir de uma leitura que acompanhe seus raciocínios.

Aparentemente, é possível observar que Smith e Siegel (2004) dizem atacar a visão monoculturalista enquanto defendem a não mudança de crença como objetivo da educação em ciências, expondo que: “Nós mesmos podemos parecer também estar defendendo esta visão [da mudança de crença como objetivo]” (2004, p. 563, colche- tes nossos), mas eles prosseguem dizendo que não fazem essa defesa (2004, p. 563).

Segundo os estudiosos, o motivo para tal confusão sobre a posição ideológica deles se encontraria na defesa de uma educação científica com o objetivo de encorajar o conhecimento científico a partir da “[condition] noção filosófica de conhecimento” (2004, p. 563, colchetes nossos), sob a abordagem tradicional de defi- nição do termo em mote. Assim, escreveram:

Assumimos como incontroverso que um objetivo primário de educação científica seja o fomento de conhecimento do estu- dante do conteúdo científico. Em nossa visão, um segundo ob- jetivo crucialmente importante da educação científica deveria ser estimular o entendimento [understanding] do conteúdo de ciências (Smith e Siegel, 2004, p. 562, colchetes e trad. nossa). Com efeito, os autores defendem que não apoiam a mudança de crença como objetivo de uma educação científica (2004, p. 563), ao passo que estariam primaria- mente preocupados com o conhecimento científico (num modo filosófico tradicional de definição). Também é sabido que essa abordagem, em geral, se nutre de uma pers-

pectiva universalista e uniformizada de racionalidade e conhecimento, que, por sua vez, alimenta o risco de um monoculturalismo no ensino das ciências.

Diante disso, vemos que é importante entender o posicionamento dos autores, apesar de que os próprios Smith e Siegel reconhecem que sua posição tem sido má interpretada e confundida com a defesa da mudança de crença. A abordagem atribuída por terceiros a Smith e Siegel (2004) sobre a mudança de crença é, segundo estes, su- postamente desconstruída por meio do exemplo da segunda lei da termodinâmica apresentada no texto deles, quando é dito:

Mas, sobre a segunda lei em si: devem os estudantes acreditar

nela? Isto é, se estudantes conhecem e entendem a segunda lei,

eles devem acreditar que entropia aumenta em sistemas fecha-

dos? A resposta aqui é, inafortunadamente, complexa. De um

lado, se estudantes conhecem e entendem a segunda lei e se (como argumentado acima) tal conhecimento e entendimento [understanding] envolvem apreciar sua justificação, então eles apreciam as razões para considerá-la como digna [worthy] de crença. Se eles aceitam que aquelas razões a tornam digna de crença, então suas apreciações da força epistêmica daquelas razões os levarão, em circunstâncias normais, a acreditar. Aqui, acreditar não é algo que requer algum esforço ou compromisso extra, mas apenas o que resulta quando agentes cognitivos apreciam a força das razões relevantes para uma crença candi- data em questão (2004, p. 564, sublinhado, colchetes e trad. nossos).

Com a citação, é subtendido que, de um lado, explana-se a respeito da diferença entre “acreditar que” e “acreditar em” (Smith e Siegel, 2004, p. 560; Clouser, 1991, p. 32), ou seja, de que uma coisa é acreditar que a segunda lei da termodinâmica é ver- dadeira e outra é acreditar na termodinâmica (mudando nossa tradição cosmológica), passando desde então a mudar a relação com o mundo e até estados mentais em de- trimento da termodinâmica e do alto nível ontológico de comprometimento que disso se desdobra. Além disso, no trecho, eles não defenderiam a mudança de crença porque o fragmento expõe a mudança como um resultado natural, não forçado, surgido da apreciação e do mero reconhecimento do valor epistêmico das razões que sustentam uma crença.

Portanto, para Smith e Siegel (2004), não seria necessário, na educação científi- ca, acreditar na ciência, mas sim apenas acreditar que a ciência possui leis e teorias X, Y, Z, as quais, por seu turno, defendem para o mundo fenomênico um comporta- mento A, B, C. A partir disso, os fatos e as razões falam por si.

É preciso, por outro lado, ver como, nas últimas frases da citação, também apa- recem as expressões em circunstâncias normais, razões relevantes, sem esforço e

compromisso extra. Assim, 1- o termo normal significaria o caso de um estudante que

aprendeu como identificar o valor justificativo das razões de uma crença do conheci- mento científico e, pela força natural que os argumentos da ciência supostamente pos- suiriam, esse estudante iria tipicamente perceber o alto valor epistêmico daquela teo- ria da ciência; 2- a identificação pelo estudante do valor justificativo das razões da crença, ou seja, de suas razões relevantes se daria, ao menos acreditam os autores, de maneira independente de qualquer aprendizado tendencioso e, logo, supostamente ba- seado numa metodologia, epistemologia, linguagem, cultura e ontologia neutras. As razões relevantes passariam, portanto, a ser identificadas de modo independente das idiossincrasias teóricas, epistêmicas e ontológicas do sujeito; e 3- finalmente, o reco- nhecimento dessas razões relevantes e dentro de circunstâncias normais seria algo cognitivamente natural. Algo que não requer esforço e que se compararia a algo como tocar um objeto quente e sentir a queimação (Smith e Siegel, 2004, p. 564).

Dito de outra maneira e mais diretamente, para Smith e Siegel (2004), não cabe ao sistema educacional tentar mudar a crença, mas sim ensinar o valor da diferença entre conhecimento e não-conhecimento. O restante o próprio valor do conhecimento fará sozinho e naturalmente. Com efeito, justifica-se o motivo de caber em sala ensi- nar o que é considerado conhecimento científico. Dito com outras palavras: somente em circunstâncias anormais um estudante não acreditaria na ciência, não reconhece- ria o valor dos argumentos da ciência e, naturalmente, não seria levado a mudar de crença.

1.3.2. O contra-argumento à compatibilidade entre a versão tradicional de conheci-