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1. CAPÍTULO 1 O DEBATE ACERCA DO OBJETIVO DO ENSINO DAS CI-

2.2. O ANARQUISMO: CONCEPÇÃO INGÊNUA E ALTERNATIVAS

2.2.4. O protoanarquismo como metaprincípio e como base para uma racionalidade

2.2.4.2.3. Protoanarquismo e contraindução

A contraindução pode ser resumida sob a concepção de que funcionaria como um opositor de padrões, visões, teorias ou métodos vigentes. Ela introduz ou oferece uma alternativa externa à tradição, à teoria ou à crença, tanto a fim de produzir uma reavaliação delas, a partir de um ponto de vista principalmente metodológico (mas de fundo protoanarquista), quanto de manter o movimento do todo, o que é uma exigência de qualquer pesquisa científica (Feyerabend, 2007).

Assim, tal procedimento sugeriria ao pesquisador com liberdade e independência mental a necessária pluralidade cosmológica e, simultaneamente, forçaria os limites vigentes via uma proliferação de alternativas, pois somente assim coisas como as regras limitadoras de cientistas e filósofos racionalistas estariam sendo postas sob crítica fora de sua zona de conforto, ou seja, não apenas de maneira analítica, mas também por contraste. A contraindução é, assim, um contraponto externo de natureza prática que visa a não precisamente eliminar, verificar ou corroborar teorias ou modelos vigentes, mas sim enriquecer o conjunto de justificativas e a investigação, forçando os limites das teorias vigentes, como parece concordar com nosso MPA.

Nesse sentido, casos individuais e históricos que não se limitaram às normas formais e materiais do racionalismo, exemplificáveis concretamente por casos do tipo de Galileu, Ptolomeu (e suas estrelas “imaginadas” [Trocchio, 1998]) e Ignaz Semmelweis (e sua cura da febre puerperal [Oliveira e Fernandez, 2007]), expõem na prática o prejuízo desencadeado à humanidade e ao progresso do conhecimento se a ciência e mesmo o senso comum tivessem adotado (ou quando adotaram) as sugestões de filósofos racionalistas, por exemplo, o pressuposto da ordem do cosmos e outros pressupostos caros ao racionalismo, como a ideia de que se precisa atender aos “juízos de valor básicos da elite científica” (Lakatos, 1987, p. 71), ou seja, conforme diria Feyerabend (2007), que seria preciso atender à condição de consistência e seus pressupostos (entre tantos outros valores).

Para maior nitidez sobre o que seja essa condição de consistência, o autor diz que ela "exige que hipóteses novas estejam de acordo com teorias aceitas [...], pois preserva a teoria mais antiga” e continua:

Para falar de modo mais abstrato: consideremos uma teoria T’ que descreve de uma maneira bem-sucedida a situação no domínio D’. T’ concorda com um número finito de observações (digamos, de classe F) e concorda com essas observações em uma margem de erro M. Qualquer alternativa que contradiga T’ fora de F e dentro dos limites de M tem o apoio exatamente das mesmas observações e é, portanto, aceitável, se T’ era aceitável (pressuporei que F sejam as únicas observações feitas). A condição de consistência é muito menos tolerante. Elimina uma teoria ou uma hipótese não porque esteja em desacordo com os fatos; elimina-a porque está em desacordo com outra teoria, com uma teoria, além do mais, de cujas instâncias confirmadoras ela compartilha. Desse modo, transforma a parte ainda não testada dessa teoria em medida de validade. A única diferença entre tal medida e uma teoria mais recente é a diferença de idade e familiaridade (Feyerabend, 2007, p. 51-2).

Em face disso, as regras metodológicas que emanam da condição de consistência racionalista para o método são basicamente: “1 – deveríamos empregar hipóteses

apenas na medida em que são compatíveis com as teorias existentes estabelecidas e/ ou 2 – fatos bem estabelecidos” (Feyerabend, 2007, p. 45) . 22

O resultado prático da condição de consistência é que apenas seria aconselhável empregar alternativas à medida que a teoria em moda (paradigma) estiver depreciada. Se assim for, dizia Feyerabend, estaremos colocando “o carro diante dos bois” (2007, p. 46), porque naturalmente implicaria que seria sempre possível encontrar aquilo que Bacon chamou de Ídolos a partir de dentro e, sobretudo, via análise (que, para o caso do racionalista, funda-se naquilo que Lakatos chamou de razões objetivas).

Obviamente, Feyerabend discorda dessa metodologia e dos postulados dessa cosmologia, afirmando que, para alguém ser bem-sucedido na tentativa de criar/ descobrir a espécie de mundo que se relaciona e age ou para desvelar/criar os fundamentos supostamente “incontestes” da teoria que toma por base e também sua justificação, necessitará de um padrão externo de crítica que, inclusive, poderia ter motivação idiossincrática, já que um cientista poderá direcionar-se para a teoria porque ela é apoiada por um grupo mais animado e menos ranzinza (Feyerabend, 2007) ou mais humanitário e menos dogmático.

O motivo para isso encontra-se, segundo Feyerabend (2006), em nossa visão de mundo conformada pela educação e pela linguagem restritas a uma formação

Ademais, Feyerabend diz sobre a origem da condição de consistência que ela “remonta pelo menos a

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racionalista de parâmetros, estereótipos, possibilidades, impossibilidades e outros tantos fatores com uma força tal que dificilmente daria para encontrar novos caminhos (supondo que eles possam existir) se para isso for preciso fazer uso exclusivo e se não for possível sair dos limites desses parâmetros e de uma só tradição (seja ela qual for).

Dito de maneira mais direta: emancipação e maturidade intelectual são exigências tanto para a manutenção da riqueza do Ser (de possibilidades de visões, normas, culturas e ontologias) como para um progresso epistêmico que disso advém.

A prática contraindutiva, “portanto, é sempre razoável e tem sempre uma chance de êxito” (Feyerabend, 2007, p. 48, itálico nosso), pois, além de ser uma referência externa de crítica à tradição vigente, resulta num modo eficiente e, às vezes, também único de desvelamento dos Ídolos e de alternativas teóricas e de soluções, as quais, por sua vez, não viriam à luz sem um padrão externo por justamente propor uma certa postura cética sobre a conexão citada. Disso resulta a essencialidade da racionalidade dialética baseada numa atitute protoanarquista, pois mantém o movimento e a relação das partes com o todo.