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Embriologia, histologia e anatomofisiologia da glândula mamária felina

3. Revisão bibliográfica

3.2. Embriologia, histologia e anatomofisiologia da glândula mamária felina

A presença de glândulas mamárias (GM), característica exclusiva ou autapomorfia dos mamíferos, concede importantes vantagens de sobrevivência, principalmente, por permitir uma alimentação eficiente dos neonatos. Estes ao nascerem sem dentes, com as maxilas e as mandibulas relativamente imaturas facilitam o seu parto, sendo que a sucção do colostro e, mais tarde, do leite produzido pelas GM maternas, faz com que fiquem menos dependentes de fatores

ambientais favoráveis e menos vulneráveis a imprevistos da natureza (Cunningham, 2004).

As GM, à semelhança de outras glândulas cutâneas, têm a sua origem na ectoderme embrionária, surgindo inicialmente sob a forma de espessamentos lineares, bilaterais, simétricos e paralelos, que se estendem desde a região axilar até à região inguinal da parede ventral do tronco, designados de linhas ou cristas mamárias, direita e esquerda (Young & Heath, 2001; Cunningham, 2004; Jungueira & Carneiro, 2004; Sadler, 2005; Gonçalves & Bairos, 2006; König & Liebich, 2006; David, 2010). No embrião, estas linhas são separadas pelo sulco intermamário e interrompidas por botões mamários, onde proliferam células epiteliais e se desenvolvem, posteriormente, as células secretoras de leite, de modo a formarem

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concavidades que submergem na mesoderme subjacente, denominadas de túbulos e de alvéolos, que são as “unidades fundamentais de secreção de leite da glândula mamária” (Cunningham, 2004, p. 418). A conexão destas unidades com a superfície epitelial é feita através de um sistema de ductos que drenam em cada glândula num ducto final excretor, o ducto lactífero ou

galactóforo que, por sua vez, se abre numa pequena fossa epitelial (Young & Heath, 2001;

Jungueira & Carneiro, 2004). Depois do nascimento, esta fossa transforma-se numa estrutura cutânea denominada papila mamária ou mamilo. Nas gatas, surgem no total 6 a 8 ductos lactíferos por papila mamária, que correspondem a glândulas independentes (König & Liebich, 2006). Nos machos, apesar das papilas mamárias se desenvolverem, o tecido glandular formado a partir do cordão mamário basal é escasso ou inexistente (Cunningham, 2004; Gonçalves & Bairos, 2006). Podem ocorrer algumas anormalidades embriológicas, entre as quais se destacam a politelia (ocorre quando surgem papilas mamárias supranumerárias, devido à persistência de partes da linha mamária), a polimastia (condição em que se formam GM completas supranumerárias, a partir de um remanescente da linha mamária) e a papila mamária invertida (situação em que a fossa epitelial original não sofreu eversão) (Sadler, 2005).

A nível histológico, a GM é constituída por porções secretoras tubulares e alveolares, delimitadas por tecido conjuntivo, com maior ou menor quantidade de tecido adiposo, que confluem num sistema de ductos ramificados, pelo que é descrita como um conjunto de glândulas túbulo-alveolares compostas. Em relação à eliminação da secreção, é classificada em apócrina, pois a fração lipídica do seu produto de secreção contém parte do citoplasma das suas células secretoras (Young & Heath, 2001; Jungueira & Carneiro, 2004; Gonçalves & Bairos, 2006). As unidades glandulares túbulo-alveolares morfofuncionais, contidas em tecido conjuntivo laxo e muito vascularizado, agrupam-se em lóbulos mamários, que são separados entre si por septos de tecido conjuntivo interlobular moderadamente denso. A associação de vários lóbulos forma, entretanto, estruturas maiores, envolvidas por feixes de tecido conjuntivo mais denso e menos vascularizado, designadas de lobos mamários. A secreção proveniente dos

túbulos e dos alvéolos drena para os ductos terminais intralobulares, destes para os ductos interlobulares e depois para os ductos lactíferos, que se dilatam em seios lactíferos, antes de se

comunicarem de forma autónoma com o exterior através de óstios papilares presentes na papila

mamária (Peleteiro, 1994; König & Liebich, 2006). Cada lobo mamário corresponde a uma

glândula túbulo-alveolar composta individualizada com um ducto lactífero próprio (Young & Heath, 2001; Jungueira & Carneiro, 2004). Os túbulos, alvéolos e ductos são revestidos por dois tipos de células: um tipo luminal de células epiteliais e um tipo basal de células mioepiteliais. Nos ductos lactíferos, existe uma dupla camada de células epiteliais luminais cilíndricas e/ou cúbicas, enquanto nos ductos intralobulares e interlobulares o epitélio de

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revestimento é simples, mas também cilíndrico e/ou cúbico (Peleteiro, 1994; Young & Heath, 2001; Jungueira & Carneiro, 2004; Peleteiro et al., 2011). Nos túbulos e nos alvéolos existem células epiteliais simples que variam de cilíndricas baixas a cúbicas, especializadas na secreção de leite, as chamadas células secretoras. As células mioepiteliais surgem sob a forma de uma camada contínua de células achatadas, entre a base das células epiteliais e as respetivas membranas basais, ao longo dos ductos de maior calibre, que se torna descontínua ao nível dos ductos de menor calibre, túbulos e alvéolos; e têm a capacidade de se contraírem de modo a promoverem a propulsão e eliminação da secreção produzida, pois apresentam na sua constituição um grande número de filamentos de actina e de miosina (Gonçalves & Bairos, 2006; Peleteiro et al., 2011).

Toda esta organização histológica da GM varia consoante o sexo, a idade (impúbere ou púbere) e o estado fisiológico (fase do ciclo éstrico, gestante ou não gestante, lactante ou não lactante) (Figuras 1 e 2). Numa felina impúbere apresenta-se muito pouco desenvolvida, com um sistema túbulo-alveolar e ductal rudimentar; mas na altura da puberdade (em média entre os 6 e os 12 meses de idade), sob a ação de estrogénios, ocorre um aumento significativo da sua estrutura glandular, apesar do seu volume externo permanecer praticamente inalterado (a acumulação de células adiposas no tecido interlobular é reduzida) (Peleteiro, 1994; Cunningham, 2004). Os ciclos éstricos provocam alterações cíclicas discretas no epitélio dos ductos, nomeadamente nos seus lumens que se tornam mais ou menos evidentes consoante a influência das hormonas ováricas (Gonçalves & Bairos, 2006; König & Liebich, 2006). No decorrer da gestação, principalmente, na sua fase final, a ação sinérgica do estrogénio, progesterona, prolactina, somatotropina, somatomamotropina placentária e glucocorticóides, conduz a um desenvolvimento mais intenso da GM, ocorrendo uma proliferação marcante dos ductos intralobulares, túbulos e alvéolos secretores, conforme ilustrado na Figura 3 (Peleteiro, 1994; Cunningham, 2004). Um pouco antes do parto, o número de linfócitos e plasmócitos presentes no tecido conjuntivo intralobular aumenta consideravelmente, sendo responsáveis pela secreção de imunoglobulinas presentes no colostro (primeira secreção mamária após o parto), que conferem imunidade passiva ao recém-nascido. Subsequentemente, durante a lactação, as unidades túbulo-alveolares apresentam-se distendidas, separadas por septos de tecido conjuntivo muito finos e a maioria delas preenchidas por secreção láctea (nem todas se encontram ativas ao mesmo tempo, o que faz com que algumas se encontrem vazias), atingindo- se o tamanho máximo das GM (Peleteiro, 1994; Gonçalves & Bairos, 2006). A forma das células secretoras passa a ser, predominantemente, cúbica, achatada e de reduzidas dimensões (Jungueira & Carneiro, 2004).

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As principais hormonas que estimulam esta fase de lactogénese são a prolactina (libertada pela hipófise anterior através de um reflexo neuro-hormonal promovido pela sucção do neonato), a somatomamotropina placentária e os glucocorticóides adrenais (Figura 3). Porém, a somatotropina, o estrogénio e a progesterona também desempenham um importante papel. Estas duas últimas hormonas inibem a secreção de leite, o que faz com que a queda precipitada dos seus níveis, logo após o parto, seja fundamental para a promoção da lactação (Young & Heath, 2001). O fenómeno de libertação do leite ocorre sob influência da ocitocina que, sendo produzida no hipotálamo e secretada para a circulação na hipófise posterior, também como resposta aos estímulos sensoriais gerados durante o ato de amamentação, estimula diretamente a contração das células mioepiteliais e, assim, impele o leite pelo sistema ductal ramificado, originando-se o designado reflexo ejetor do leite. O término da lactação está em grande parte relacionado com a remoção do estímulo de sucção, o que leva à inibição da produção das hormonas hipofisárias e, por sua vez, à regressão do volume da GM, ocorrendo uma reabsorção (mediante degenerescência por apoptose e fagocitose por macrófagos) das células túbulo- alveolares, desenvolvidas no decorrer da gestação, e um aumento da espessura dos septos conjuntivos (Peleteiro, 1994; Young & Heath, 2001; König & Liebich, 2006).

Ducto interlobular (DI). Tecido conjuntivo interlobular (It). Tecido conjuntivo intralobular (I). Alvéolos secretores (As). Tecido adiposo (Ad).

Alvéolos secretores distendidos (As). Septos de tecido conjuntivo interlobular (S). Septos de tecido conjuntivo intralobular muito finos entre os alvéolos secretores (As).

Figura 2 – Observação histológica da glândula mamária lactante (extraído de Gonçalves & Bairos, 2006).

Figura 1 – Observação histológica da glândula mamária não lactante (adaptado de Gonçalves & Bairos, 2006).

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Em termos anatómicos, a gata possui quatro pares de GM paralelas à linha branca ventral do tronco e alinhadas simetricamente num grupo torácico (T1), abdominal anterior (A2), abdominal posterior (A3) e inguinal (I4) (Peleteiro, 1994). No entanto, existem autores que aplicam uma denominação diferente, dividindo-as em dois pares torácicos (T1 e T2) e dois pares abdominais (A1 e A2), e referindo que, ocasionalmente, pode estar presente um quinto par de GM rudimentares na região inguinal (Tyler, 2002; Raharison & Sautet, 2006; Giménez, Hecht, Craig & Legendre, 2010).

A irrigação arterial dos dois pares anteriores, T1 e A2 (ou T1 e T2), é feita através dos ramos mamários dos vasos torácicos laterais (da artéria axilar; só no T1), intercostais (lateralmente), torácicos internos (medialmente) e epigástricos superficiais craniais (da artéria torácica interna; só no A2 ou T2) (Hedlund, 2008; Giménez et al., 2010). Os dois pares posteriores, A3 e I4 (ou A1 e A2), são irrigados pelos vasos epigástricos superficiais caudais (da artéria pudenda externa), e o A3 (ou A1) também pelos vasos epigástricos superficiais craniais (König & Liebich, 2006; Hedlund, 2008). A drenagem venosa acompanha de perto a irrigação arterial, sendo realizada pela veia epigástrica superficial cranial, proveniente da veia epigástrica cranial, que, por sua vez, deriva da veia torácica interna; e pela veia epigástrica superficial caudal que direciona o sangue para a veia pudenda externa. Existem anastomoses entre as artérias epigástricas superficiais craniais e caudais, e, respetivamente, entre as veias epigástricas superficiais craniais e caudais, que podem ser responsáveis pela propagação de tumores mamários malignos, entre pares de GM homolaterais (A2, A3 e I4; ou T2, A1 e A2) (König & Liebich, 2006; Hedlund, 2008; Giménez et al., 2010). Algumas veias de menores dimensões atravessam a linha branca, o que leva a colocar-se a hipótese das mesmas estarem relacionadas com a ocorrência de metástases entre pares contralaterais (Giménez et al., 2010). Similarmente, a drenagem venosa dos pares T1 e A2 (ou T1 e T2) mediante as veias torácicas internas e

Figura 3 – Hormonas envolvidas nas modificações estruturais e funcionais da glândula mamária (adaptado de Cunningham, 2004).

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intercostais, pode permitir a disseminação de tumores mamários para a cavidade torácica (Giménez et al., 2010).

No que diz respeito à circulação linfática, as glândulas mamárias felinas (GMF) anteriores T1 e A2 (ou T1 e T2) apresentam anastomoses entre si (segundo alguns autores) e drenam cranialmente nos linfonodos esternais, axilares e, em alguns casos, nos cervicais superficiais (Figura 4 e 5). As GMF posteriores A3 e I4 (ou A1 e A2) também têm, possivelmente, anastomoses linfáticas entre si e drenam caudalmente nos linfonodos ilíacos mediais e inguinais superficiais (Figuras 4 e 5) (Peleteiro, 1994; Hedlund, 2008; Giménez et al., 2010). Porém, num estudo de Raharison e Sautet (2006), verificou-se que as A2 e A3 (ou T2 e A1) drenam, por vezes, em ambas as direções, mas as T1 somente no sentido cranial e as I4 (ou A2) exclusivamente na direção caudal (Figura 4). No mesmo estudo, não se analisaram quaisquer anastomoses existentes entre as GMF adjacentes ou entre as glândulas esquerdas e direitas (Raharison & Sautet, 2006; Giménez et al., 2010). No entanto, estão descritas conexões entre os linfonodos inguinais superficiais direito e esquerdo (König & Liebich, 2006). Este conhecimento da drenagem linfática revela-se muito importante clinicamente, visto que permite uma melhor identificação de possíveis metástases tumorais (König & Liebich, 2006).

Por fim, a inervação das GMF é assegurada por fibras nervosas sensoriais cutâneas e por fibras nervosas autônomas (simpáticas e parassimpáticas). Os nervos envolvidos são os intercostais, ílio-hipogástrico, ílio-inguinal e genitofemoral (König & Liebich, 2006).

Figura 5 – Drenagem linfática e venosa das glândulas mamárias felinas (adaptado de Giménez et al., 2010).

Ln. Ax. Ln. Est.

Ln. I.S.

Linfonodo esternal (Ln. Est.). Linfonodo axilar (Ln. Ax.). Linfonodo inguinal superficial (Ln. I. S.). A 2 T 1 A 3 I 4

Figura 4 – Drenagem linfática das glândulas mamárias felinas (adaptado de Raharison & Sautet, 2006).

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