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3. Revisão bibliográfica

3.7. Revisão dos principais biomarcadores

3.7.2. Recetor de progesterona

Os recetores de progesterona são também membros da superfamília de recetores nucleares de fatores de transcrição dependentes de ligandos, neste caso de progesterona ou de progestinas (Leeuwen, Garderen, Rutteman & Mol, 2000; Obr & Edwards, 2012; Abdel-Hafiz & Horwitz, 2014). Diversos estudos indicam que a formação do complexo RP-progesterona desempenha um importante papel na regulação do desenvolvimento, proliferação e diferenciação dos tecidos

reprodutivos femininos, e que tem várias funções neurais não reprodutivas

(Boonyaratanakornkit, Bi, Rudd & Edwards, 2008; Abdel-Hafiz & Horwitz, 2014). Este mesmo complexo exerce as suas ações nucleares através da sua ligação aos genes alvo específicos, ativando elementos de resposta à progesterona, ou por intermédio da sua ligação a co-fatores que interferem na transcrição de ADN (Bulynko & O’Malley, 2011). Adicionalmente, fora do núcleo pode induzir a rápida ativação de diferentes vias de sinalização, incluindo a p21/Ras/MAPK, JAK-1/JAK-2/STAT3 e PI3K/AKT/NF-kB, tendo como intermediários diretos ou indiretos tirosina-quinases (p.ex. c-Src) e outros fatores de sinalização (Boonyaratanakornkit et al., 2008; Lange, 2008; Obr & Edwards, 2012).

O RP localiza-se na membrana celular (p.ex. sob a forma de RPm alfa, beta ou gama), no citoplasma (inativado através da sua associação com proteínas de choque térmico 90 ou 70, imunofilinas e com outros fatores) e no núcleo das células alvo (Singh, Su & Ng, 2013; Abdel- Hafiz & Horwitz, 2014).

A progesterona é produzida nos ovários, sobretudo durante a fase lútea, na placenta no decorrer da gestação e, em menor quantidade, nas glândulas adrenais, no sistema nervoso central e no tecido adiposo. Promove a diferenciação do endométrio, a secreção das glândulas endometriais, a supressão da motilidade uterina, a contração do cérvix e a manutenção da gestação (Anderson & Clarke, 2004). Os progestagénios são frequentemente administrados como contracetivos de modo a prevenir a maturação folicular completa e a bloquear o crescimento do endométrio induzido pelo estrogénio (Lange, 2008). A nível mamário, principalmente através de vias de sinalização parácrinas, a progesterona controla a morfogénese do epitélio luminal (não existem evidências da expressão de RP em células do estroma ou mioepiteliais), impulsiona as células estaminais mamárias a promoverem a alveologénese, suprime a secreção ativa de leite (regulada pelo RP, prolactina e STAT5) e evita o seu refluxo através da regulação das tight junctions perto do término da gestação (Obr & Edwards, 2012). O mecanismo de ação parácrino tem sido

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indicado devido às células que sobreexpressam RP terem baixos índices de proliferação, mas localizarem-se perto de células que subexpressam este recetor com elevados índices proliferativos, sendo assim sugerido que elas fornecem substâncias promotoras de crescimento (p.ex. Wnt) às células adjacentes (Lange, 2008). Existem evidências de que a progesterona regula a proliferação das células estaminais mamárias pelo fato da sua administração em murganhos adultos intactos aumentar a população dessas células e a ovariectomia reduzir o número total das mesmas (Asselin-Labat et al., 2010; Joshi et al., 2010). A expressão de RP reflete a integridade e o funcionamento da via do RE-α, pois é regulada positivamente pelo estrogénio (Horwitz, Koseki & McGuire, 1978; Hammond et al., 2010; Patani et al., 2013; Abdel-Hafiz & Horwitz, 2014; Vuong et al., 2014). Portanto, a proliferação induzida pelo estrogénio também poderá estar relacionada com um mecanismo parácrino (Obr & Edwards, 2012). As lesões mamárias que subexpressam RE-α e sobreexpressam RP têm sido associados a RE-α falso-negativos e/ou a RP falso-positivos (Patani et al., 2013). Apenas cerca de 7 a 10% da população de células do epitélio luminal mamário normal sobreexpressa RE-α e RP (Lange, 2008). De um modo geral, a progesterona age nos tecidos previamente estimulados pelo estrogénio, desencadeando inicialmente uma ação sinérgica e depois antagonista (David, 2010). A administração de progesterona e de estrogénio a mulheres na pós-menopausa induziu uma maior proliferação do tecido mamário humano do que a administração de estrogénio isoladamente (Hofseth et al., 1999; Lange, 2008; Chlebowski et al., 2010). Os recetores de fatores de crescimento também parecem regular e modular a expressão dos RP, sendo que a subexpressão de RP pode estar associada a uma aberrante sinalização de fatores de crescimento (Vuong et al., 2014). O EGF potencializa os efeitos da progesterona através da fosforilação da Serina 294 (Ser294) do RP (Daniel et al., 2007). Porém, a fosforilação excessiva de Ser294 conduz a uma regulação negativa do próprio RP (Daniel et al., 2007). O IGF-I também potencializa os efeitos da progesterona (Lange, 2008). Alguns estudos indicam que o TGF-β inibe a expressão de RP e de RE-α (exceto na puberdade), suprime o crescimento das células epiteliais e estimula a proliferação das células mesenquimais (Ewan et al., 2005). A expressão do gene BRCA-1 também parece suprimir a expressão de RP, pois a deleção deste gene em murganhos conduz à sobreexpressão de RP e a uma resposta hiper-proliferativa à progesterona (Ma et al., 2006; Poole et al., 2006). De facto, a proliferação induzida pela progesterona é transitória devido à ação de diferentes reguladores e inibidores do ciclo celular (p.ex. p21, p27 e TP53) (Groshong et al., 1997; Lange, 2008). Entre os vários genes alvo a jusante envolvidos na proliferação e na morfogénese induzida pelo complexo RP-progesterona incluem-se o Wnt4,

anfirregulina, calcitonina, inibidor de ligação ao ADN 4 (Id4) e o gene que codifica o ligando

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de transcrição promovida pelo RP depende das modificações pós-traducionais de fosforilação (p.ex. pela PKA, MAPK e CDK2), acetilação, ubiquitinação (que envolve a E1, E2 e E3) ou de SUMOilação (adição de uma proteína semelhante a ubiquitina - SUMO - small ubiquitin-like

modifier) de um resíduo de lisina no domínio N-terminal, que suprime a atividade de transcrição

do RP (Lange, 2008; Abdel-Hafiz & Horwitz, 2014). O gene BRCA-1 parece promover a degradação de RP através de E3 e de silenciamento epigenético (Abdel-Hafiz & Horwitz, 2014). Contudo, a regulação genética associada ao RP ainda permanece em grande medida desconhecida (Lange, 2008).

Para além das ações benéficas, a progesterona também contribui para a progressão inicial do cancro de mama, se bem que a subexpressão de RP está associada a TM humanos com um fenótipo neoplásico mais invasivo e menos diferenciado, logo, a pior prognóstico. Nas mulheres, um maior período de tempo de exposição a esteroides ováricos está associado a um aumento da incidência de TM (Lambe et al., 1994). As lesões pré-neoplásicas mamárias demonstraram um aumento da proporção de células que sobreexpressam RE-α e RP (cerca de 70%), como p.ex. as hiperplasias e, mais tarde, os carcinomas ductais in situ, o que poderá dever-se a uma passagem da regulação hormonal parácrina para autócrina (Anderson, 2002; Frech et al., 2005; Lange, 2008). Um mecanismo que também tem sido sugerido para explicar a atividade tumoral da progesterona é o seu papel na estimulação da proliferação das células estaminais mamárias, o que pode favorecer a acumulação de mutações nas mesmas, responsáveis pelas propriedades neoplásicas (Asselin-Labat et al., 2010; Joshi et al., 2010). Foi demonstrado que a progesterona aumenta a subpopulação de células que subexpressam RE-α e RP, mas que sobreexpressam CK5, e que podem ser responsáveis pela génese de TM primários e de recidivas (Horwitz, Dye, Harrell, Kabos & Sartorius, 2008; Horwitz & Sartorious, 2008). Além disso, a progesterona, mas não o estrogénio, nos seus níveis normais parece favorecer a instabilidade cromossómica e a aneuploidia na ausência de expressão do gene TP53 (Goepfert

et al., 2000). Assim, a progesterona também pode aumentar a predisposição para a ocorrência

de alterações genéticas específicas (Obr & Edwards, 2012). A perda progressiva da expressão de RP durante o desenvolvimento tumoral invasivo poderá estar associada com a sobreexpressão de EGFR e de HER-2, sobre-regulação da via PI3K/AKT/mTOR e com a sua hiperativação induzida por EGF que conduz, posteriormente, à sua downregulation (Daniel et

al., 2007; Creighton et al., 2009; Rimawi et al., 2010). Lange (2008) refere que a progesterona

poderá até mesmo sensibilizar as células dos TM para o EGF. Alguns autores referem que a sobreexpressão de RP, independente de ligando, poderá inibir em certa medida a rápida progressão dos respetivos TM por impedir a transição epitelial-mesenquimal através da regulação de genes envolvidos na inibição da inflamação, adesão, migração e diferenciação

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celular (Jacobsen, Schittone, Richer, & Horwitz, 2005; Hardy, Janowski, Chen & Mendelson, 2008). De facto, uma percentagem considerável de TM humanos que sobreexpressam RE-α e subexpressam RP, apresentam uma menor resposta ao tamoxifeno do que os TM que sobreexpressam ambos os recetores (Hammond et al., 2010; Vuong et al., 2014).

Nos humanos estão descritas pelo menos três isoformas de RP: RP-A (769 aa; 94 kDa), RP-B (933 aa; 114 kDa) e RP-C (667 aa; 60 kDa) (Lange, 2008; GenBank, 2014d). Todas estas isoformas são codificadas pelo gene PGR, que nos humanos se localiza no braço longo do cromossoma 11, locus 22 e 23, apresenta mais de 90 kilobases e contém 8 exões (Engehausen

et al., 2005). Nos felinos, este gene localiza-se no cromossoma D1, apresenta 9 exões, o ARNm

transcrito tem pelo menos 2.681 pb e codifica uma proteína de 827 aa (GenBank, 2014e). Na espécie humana, as isoformas RP-A e RP-B apresentam idênticos domínios de ligação ao ligando (LBD) e de ligação ao ADN (DBD), mas diferem no domínio amino-terminal (NTD) (no RP-A encontra-se truncado, ou seja, não existem os primeiros 164 aa N-terminais nem o FA-3) (Leeuwen et al., 2000; Aupperlee & Haslam, 2007; Boonyaratanakornkit et al., 2008; Hammond et al., 2010; Obr & Edwards, 2012). Estas duas isoformas podem formar homo ou heterodímeros e regular a expressão de diferentes subconjuntos de genes que se entrecruzam nas suas ações celulares, induzindo o RP-B uma maior atividade de transcrição (Jacobsen, Richer, Sartorius & Horwitz, 2003; Hammond et al., 2010; Gracanin et al., 2012). O RP-A parece localizar-se sobretudo a nível nuclear e estar basicamente relacionado com o desenvolvimento e função do útero e dos ovários, ao passo que o RP-B localiza-se tanto no núcleo como no citoplasma e está associado à indução da alveologénese e da proliferação do epitélio mamário normal pela progesterona, especialmente durante a gestação (Mulac-Jericevic, Lydon, DeMayo & Conneely, 2003; Boonyaratanakornkit et al., 2008; Abdel-Hafiz & Horwitz, 2014). O RP-A, supostamente, suprime a atividade do RP-B, por impulsionar a transcrição de inibidores de c-Src e/ou de MAPK (Boonyaratanakornkit et al., 2008). As fêmeas de murganhos

knockout para RP-A são inférteis, apresentam alterações ovulatórias, ausência do efeito

antiproliferativo da progesterona sobre o endométrio e alterações na regulação dos genes anfirregulina e calcitonina; enquanto as knockout para RP-B demonstram alterações na morfogénese da GM (Mulac-Jericevic et al., 2003). As funções distintas destas duas isoformas podem dever-se à sua expressão diferencial nos respetivos órgãos (Aupperlee & Haslam, 2007; Lange, 2008). Jacobsen e colaboradores referem que o RP pode regular a transcrição de genes de um modo constitutivo, ou seja, na ausência de ligando, sobretudo a isoforma RP-A (Jacobsen

et al., 2003). O efeito da progesterona na proliferação dos TM parece ser mediado,

principalmente, pelo RP-B, talvez por ser esta a isoforma que intervém na sinalização extranuclear do RP e que apresenta o FA-3 (Jacobsen et al., 2003; Gracanin et al., 2012; Obr

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& Edwards, 2012). Contudo, foi demonstrada uma elevada proporção de RP-A face a RP-B em TM mais agressivos, resistentes a terapêuticas endócrinas e com mutações no gene BRCA-1 (Hopp et al., 2004; Poole et al., 2006). Assim, a resistência a terapêuticas endócrinas pode ser modulada mediante alterações no rácio destas duas isoformas (Wargon et al., 2009). A isoforma RP-C é desprovida de atividade de transcrição (apresenta o DBD alterado), mas quando expressa pode potenciar a atividade do RP no desenvolvimento de TM (Lange, 2008; Abdel- Hafiz & Horwitz, 2014).

Nos felinos, de acordo com Gracanin et al. (2012), o RP também apresenta seis domínios principais: NTD, domínio de inibição (ID), domínio do FA-1, DBD, domínio de articulação (H) e LBD. No entanto, estes autores observaram diferenças relevantes no segmento B a montante (BUS; com 164 aa), em relação ao seu homólogo humano. Ainda assim, referiram que o FA-3 revela-se intacto no gato e que o DBD e o LBD são muito semelhantes entre a espécie humana e felina. Em hiperplasias fibroepiteliais felinas (n=17) detetaram uma imunomarcação nuclear e citoplasmática para RP, bem como uma maior expressão de ARNm de RP (100 vezes superior), de hormona de crescimento (GH), do recetor de GH (GHR) e de IGF-I (30 vezes superior) em comparação com carcinomas mamários felinos (n=5). Por fim, também observaram a expressão das isoformas RP-A (80 a 86 kDa) e RP-B (116 a 120 kDa) nas GMF que analisaram.