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3. Revisão bibliográfica

3.7. Revisão dos principais biomarcadores

3.7.1. Recetor de estrogénio

Os recetores de estrogénio fazem parte da superfamília de recetores nucleares de fatores de transcrição e são ativados por hormonas esteroides, como o 17β-estradiol, estrona e estriol (Mitrunen & Hirvonen, 2003; De Abreu et al., 2013). Estão envolvidos em inúmeros processos nucleares e extranucleares que modulam a fisiologia de diferentes órgãos, incluindo os rins, a pele, os ossos, os músculos esqueléticos e lisos, o fígado, o cérebro, o sistema cardiovascular e o aparelho reprodutivo, promovendo o crescimento, proliferação e diferenciação celular, inibição da apoptose, invasão e angiogénese (Pearson & Jordan, 2004; Monteiro, Teixeira & Calhau, 2014). As hormonas esteroides são produzidas sobretudo pelos ovários em resposta às hormonas luteinizante e folículo-estimulante sintetizadas pela hipófise anterior, mas também através dos seus precursores (testosterona e androstenediona) produzidos inclusive pela supra-renal e convertidos (em estradiol e estrona) nos tecidos periféricos (p.ex. adiposo, mama, cérebro, pele, fígado, músculo, osso e cartilagem) mediante aromatização (catalisada pela aromatase, uma enzima citocromo P450 localizada no retículo endoplasmático de células produtoras de estrogénio) (Czajka-Oraniec & Simpson, 2010; Hammond et al., 2010; Stocco, 2012; Lønning & Eikesdal, 2013; Monteiro et al., 2014). A enzima 17beta-hidroxiesteróide- desidrogenase (17β-HSD) converte, também nos tecidos periféricos, a androstenediona e a estrona em testosterona e 17β-estradiol, respetivamente (Corbould, Bawden, Lavranos,

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Rodgers & Judd, 2002; Saloniemi, Jokela, Strauss, Pakarinen & Poutanen, 2012). O aumento da biossíntese de estrogénio através da aromatização é impulsionado por EGF, fator de transformação de crescimento beta (TGF-β), tetradecanoíl forbol (TPA), PGE2, COX-1 e

COX-2, pois todos estes fatores aumentam a expressão de aromatase nos respetivos tecidos (Richards, Petrel & Brueggemeier, 2002). A inativação do estrogénio ocorre via sulfotransferase estrogénio, na medida em que esta enzima citossólica conjuga o estrogénio com sulfato, promovendo a sua excreção urinária, mas pode, ainda assim, agir como um reservatório para a regeneração de estrogénio através de dessulfatização (Monteiro et al., 2014). As ações do estrogénio têm sido associadas, p.ex., à maturação dos folículos, às contrações uterinas, à capacidade de resposta ao stress, à modulação da inflamação (através da capacidade de influenciar a atividade do fator nuclear kappa B – NFkappaB), ao comportamento, à produção de insulina, à inibição da reabsorção óssea, à prevenção de arteriosclerose e à proteção vascular após lesões cardíacas (David, 2010; Prossnitz & Barton, 2011). A expressão dos respetivos recetores está associada ao risco, prognóstico e resposta terapêutica de diferentes patologias, como p.ex. hiperplasia benigna da próstata, cancro da próstata, doença de Alzheimer, diabetes, osteoporose, doenças cardiovasculares, cancro do cólon e cancro de mama (Pearson & Jordan, 2004). Localizam-se principalmente no núcleo, mas também no citoplasma (inativados através da sua associação com proteínas de choque térmico), no aparelho de Golgi (onde ocorrem modificações pós-traducionais necessárias para a sua deslocação para a membrana celular e rápida sinalização intracelular) e na membrana celular (Prossnitz, Arterburn & Sklar, 2007). Após a menopausa, a sinalização endócrina do estrogénio perde a sua relevância e passa a parácrina ou autócrina, pelo que apesar dos níveis sistémicos serem baixos, as concentrações desta hormona nos tecidos periféricos podem ser elevadas, refletindo a sua produção local e as suas ações biológicas (Monteiro et al., 2014).

Os efeitos celulares normais do estrogénio são mediados por três tipos de RE: RE-α (codificado pelo gene ESR1), RE-beta (RE-β; codificado pelo gene ESR2) e recetor de estrogénio acoplado à proteína G (GPER ou GPR30; codificado pelo gene GPER).

O RE-α foi identificado por Ellwood Jensen, em meados da década de 1960, e a sua expressão tem sido utilizada desde os anos de 1970 para prever a capacidade de resposta dos TM à terapêutica endócrina e como fator de prognóstico modesto do risco de recidiva e do TS (Jensen

et al., 1967; Hammond et al., 2010; Vuong et al., 2014). Aproximadamente 60 a 80% dos TM

humanos sobreexpressam RE-α e tendem a ser bem diferenciados, menos agressivos e associados a melhor prognóstico, enquanto a maioria dos TMF parece subexpressar este recetor e revelar elevada agressividade oncobiológica (Hamilton et al., 1976; Patani et al., 2013; Vuong

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precoces e beneficiam da endocrinoterapia, ao contrário dos TM RE-α negativos que estão normalmente associados a estadios tumorais mais avançados/invasivos e não beneficiam de tais terapêuticas (à excepção dos RP positivos) (Osborne et al., 1980; Speirs & Walker, 2007). Por outro lado, os TM RE-α positivos apresentam uma reduzida resposta terapêutica à quimioterapia, em média entre 7-8%, ao passo que os TM RE-α negativos demonstram uma resposta à quimioterapia em média entre 21-33% (De Abreu et al., 2013; Patani et al., 2013). O gene ESR1 humano localiza-se no braço longo do cromossoma 6, locus 25.1, apresenta 140

kilobases, divide-se em 8 exões e codifica uma proteína de 595 aminoácidos (aa) com um peso

molecular de 66 kDa (Ponglikitmongkol, Green & Chambon, 1988; Stevens & Meech, 2006). Nos felinos, o gene homólogo localiza-se no cromossoma B1, apresenta 10 exões, o ARNm transcrito tem 6.596 pb e também codifica uma proteína de 595 aa (GenBank, 2014a). Murganhos que não expressam o gene ESR1 demonstram um fenótipo externo normal, mas apresentam hipoplasia uterina, alterações morfológicas vaginais e testiculares, GM rudimentares, pouco líbido, diminuição da mobilidade espermática, baixo número de espermatozoides e são inférteis (Nie et al., 2002; Pearce & Jordan, 2004; Prossnitz et al., 2008). O RE-β foi identificado em 1996 (Mosselman, Polman & Dijkema, 1996), porém o seu papel celular exato e as suas interações com o RE-α ainda não são plenamente compreendidos, devido, em parte, ao seu grande número de isoformas e à suposta inexistência de anticorpos específicos para a sua deteção (Hammond et al., 2010; Vuong et al., 2014). Existem dados que indicam que a expressão de RE-β previne o desenvolvimento de TM, pelo que o tratamento combinado com agonistas deste recetor nestes tumores poderá trazer benefícios adicionais, mas num estudo recente a expressão de uma das suas isoformas revelou estar associada a pior prognóstico (Pearce & Jordan, 2004; Baek, Chae, Song & Jung, 2014). Aparentemente, os RE-α e RE-β são semelhantes, com domínios de ligação ao ADN idênticos em 97% e com domínios de ligação à hormona a apresentarem cerca de 59% de similaridade, mas o domínio funcional que inclui o FA-1 (relacionado com a ativação independente do ligando) está ausente nos RE-β (Speirs & Walker, 2007).

O gene ESR2 em humanos localiza-se no braço longo do cromossoma 14, locus 23.2, apresenta 61.2 kilobases, divide-se em 8 exões, codifica uma proteína de 530 aa com um peso molecular de 59,2 kDa e é, presumivelmente, mais fortemente regulado nos tumores do que o ESR1 (Jarzabek et al., 2005; Zhao, Dahlman-Wright & Gustafsson, 2008; Lurie et al., 2011). Nos felinos, o gene homólogo localiza-se no cromossoma B3, apresenta 6 exões, o ARNm transcrito tem pelo menos 1.593 pb e codifica uma proteína de 410 aa (GenBank, 2014b). Os murganhos que não expressam o gene ESR2 revelam folículos atrésicos mais precoces e menor corpo lúteo, diminuição da frequência de maturação folicular, fertilidade reduzida, hiperplasia da próstata

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ou do epitélio da bexiga, hipocelularidade neuronal regional, mas um comportamento sexual normal e GM normais (Nie et al., 2002; Pearce & Jordan, 2004; Prossnitz et al., 2008).

O GPER é um membro da família de recetores acoplados à proteína G (GPCR) que apresenta 7 segmentos transmembranares, capaz de ativar a sinalização intracelular através da interação com proteínas G heterodiméricas e que, possivelmente, se localiza no retículo endoplasmático, no aparelho de Golgi e na membrana plasmática (Mizukami, 2010; Prossnitz & Barton, 2011). Foi clonado no final da década de 1990 por vários grupos de investigação através de diferentes abordagens e associado ao estrogénio no ano 2000 (Filardo, Quinn, Bland & Frackelton, 2000; Prossnitz et al., 2007).

O gene GPER em humanos localiza-se no braço curto do cromossoma 7, locus 22.3, apresenta 11.97 kilobases, divide-se em 3 exões e codifica uma proteína de 375 aa com um peso molecular de 41 kDa (Mizukami, 2010). Nos felinos, o seu homólogo localiza-se no cromossoma E3, apresenta 1 exão, o ARNm transcrito tem pelo menos 2.178 pb e codifica uma proteína de 359 aa (GenBank, 2014c). Os murganhos que não expressam o gene GPER são férteis e não manifestam anomalias reprodutivas evidentes, mas apresentam atrofia do timo, diminuição da tolerância à glicose e alterações no crescimento ósseo (Filardo & Thomas, 2012).

O estrogénio normalmente exerce a sua ação nas células através de quatro vias: três genómicas (atuam no ADN celular) e uma não genómica. Na sua via clássica, o estrogénio liga-se ao respetivo recetor monomérico, induz uma alteração conformacional do mesmo (para facilitar a interação com proteínas co-reguladoras, bem como a dissociação de proteínas de choque térmico que o inibem) e a sua dimerização (RE-α/RE-α; RE-α/RE-β ou RE-β/RE-β), formando um complexo que se transloca no núcleo, onde se liga diretamente ao ADN da célula, nos elementos de resposta ao estrogénio (ERE) presentes na região promotora de genes alvo, e modula posteriormente a transcrição (Pearce & Jordan, 2004; Hammond et al., 2010; Powell, Wang, Shapiro & Xu, 2010; Vuong et al., 2014). Esta é a via que normalmente é bloqueada pelo tamoxifeno. Numa segunda via genómica, o complexo RE-estrogénio liga-se indiretamente ao ADN como co-activador, através da interação com outros fatores de transcrição (FT). Na terceira via genómica ocorre a ligação constitutiva (independente de estrogénio) do RE ao ERE, pela indução da alteração da sua conformação por quinases e fatores de crescimento relacionados com outras vias de sinalização intracelulares (p.ex. via c-Src ou MAPK, AKT, proteína quinase A – PKA – e ERK 1/2) bem como por complexos de ciclina/CDK que modulam a sua fosforilação e, por conseguinte, a sua atividade (Lee, Cui & Oesterreich, 2001; Yamaguchi, 2007; Vuong et al., 2014). Estas três vias genómicas conduzem à proliferação celular e à síntese de diversas proteínas importantes, incluindo o RP. Na via não genómica, o complexo RE-estrogénio não se transloca no núcleo, mas atua normalmente na

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membrana citoplasmática ativando diferentes cascatas de eventos (p.ex. promove a mobilização de cálcio, potássio e a produção de óxido nítrico; ativa a adenilato ciclase e c-Src, que ativa MMP e cliva EGF, que por sua vez ativa EGFR e, por conseguinte, as vias PI3K/AKT e MAPK) que conduzem à proliferação celular e a outros fenómenos associados à agressividade tumoral, como a angiogénese e a imortalização celular (Prossnitz et al., 2008; Filardo & Thomas, 2012; Mo et al., 2013). Esta última via tem sido associada ao GPER e apresenta uma atuação mais rápida (com tempos de resposta de segundos a minutos) do que a via clássica (que ocorre em uma escala de tempo de horas), pois não requer os processos de transcrição e síntese de novas proteínas para suscitar os seus efeitos primários, sendo correlacionada com resistências terapêuticas e tumores com maiores índices de Ki-67, mas ao que parece não induz a síntese de RP. Por isso, tumores RE-positivos com elevados índices proliferativos e sem expressão concomitante de RP demonstram menor sensibilidade às terapêuticas hormonais (Prossnitz et

al., 2007, 2008). Curiosamente, o estrogénio pode induzir a apoptose celular e levar à regressão

de TM hormono-dependentes em mulheres pós-menopausa, porém esses efeitos duais ainda carecem de uma melhor compreensão (Ariazi et al., 2011).

A ação do RE-α é inibida pela acetilação, através da proteína histona acetilase p300, dos resíduos de lisina K302 e K303 do seu domínio D, enquanto a acetilação dos resíduos de lisina K266 e K268 do mesmo domínio induz a sua ativação dependente de ligando e a sua ligação com o ADN (Barone, Brusco & Fuqua, 2010). O RE-α é ainda subregulado na presença de estrogénio mediante a via ubiquitina/proteossoma (catalisada pelas enzimas de ativação da ubiquitina – E1 –, de conjugação – E2 – e de ligase – E3), que conduz à sua degradação e a uma rápida ativação da transcrição de genes alvo (Kocanova, Mazaheri, Caze-Subra & Bystricky, 2010).

O RE-α felino, codificado pelo gene ESR1 felino, é formado por seis domínios (A-F), que controlam a ligação ao ADN (C), à proteína de choque térmico (D), ao ligando (E/F, que contem o local do FA-2) e a transativação genética (A/B, que contem o local do FA-1 e é responsável pela dimerização; e E) (Cardazzo et al., 2005; Shao & Brown, 2004; Schoen, Sharbati, Ritter & Jewgenow; 2012). De acordo com Cardazzo et al. (2005) a sequenciação do ARNm do RE-α felino revela que o mesmo está associado a uma transcrição comum de 6.183 pb (sequência de codificação de 1.788 pb e uma região não traduzida de 4.305 pb) e que é muito semelhante, a nível estrutural e funcional, ao ARNm do RE-α humano. Estes autores identificaram diferentes variantes de ARNm do RE-α nos tecidos felinos (REΔE2, REΔE3, REΔE4, REΔE5, REΔE6, REΔE7), também semelhantes às descritas em tecidos humanos (Cardazzo et al., 2005; Schoen et al., 2012). As variantes REΔE4 e REΔE7 são, aparentemente, menos frequentes em TMF do que nas GMF normais, devido, possivelmente, à menor expressão

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de RE-α nos TMF (Cardazzo et al., 2005). A região codificante é traduzida numa proteína de 595 aa (como anteriormente referido), com um peso molecular de 66,0 kDa e com uma semelhança de 89% com o RE-α humano (Cardazzo et al., 2005).