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A EMOÇÃO: TEMAS E ABORDAGENS

1.6. EMOÇÃO E INCONSCIENTE

1.6.4. EMOÇÃO, INCONSCIENTE E COGNIÇÃO

Numa altura em que a sequência "estímulo → reconhecimento de características → reconhecimento objectal → emoção" era vista como a única perspectiva lógica possível, e como tal enquadrada num embasamento cognitivista, Zajonk (1980, 1984a, 1984b, 1985) questiona de forma séria e consistente esta postura teórica. Zajonk argumentava que, pelo menos algumas reacções emocionais primitivas (bom – mau; seguro – perigoso) podem e, efectivamente acontecem, antes dos processamentos cognitivos. Assim por exemplo, um forte e inesperado ruído, na calada da noite, poderá desencadear o medo antes que uma pessoa seja capaz de identificar a sua causa. Através de trabalhos de pesquisa fundamentados e metodologicamente válidos, propunha ser possível criar preferências, que são reacções emocionais simples, sem qualquer registo

consciente dos estímulos. Nessa perspectiva, afirmou que a emoção tem primazia sobre a cognição, pois pode existir antes desta, e é independente, pois pode existir sem ela.

Estas afirmações tiveram um grande valor heurístico, uma vez que desencadearam reacções bastante envolventes emocionalmente no seio dos investigadores que se dedicavam ao tema. Um dos autores que com fortes argumentos se opôs a Zajonk foi Lazarus (1982, 1984), para quem Zajonk partiria do princípio que as pessoas seriam processadores de informação de tipo computacional, e não fontes que atribuem significados aos estímulos. O cerne desta polémica, segundo Strongman (1998), seria o facto de ser ou não razoável considerar o sistema da cognição e da emoção como independentes.

Zajonk (1980, 1984a, 1984b) utilizou, numa série de experimentos, o "efeito da mera exposição", por si conceptualizado e que consiste no facto de os sujeitos darem preferência a estímulos que tenham visto anteriormente, (num dos trabalhos os sujeitos foram expostos a novos padrões visuais como ideogramas chineses, após o que foram solicitados a manifestarem as suas preferências num conjunto onde se encontravam os padrões expostos e outros desconhecidos; concluiu que os sujeitos tendem a preferir maioritariamente, os padrões conhecidos). Utilizou, também, para confirmar aquele efeito, estimulação subliminar, tendo tido o cuidado de verificar se os sujeitos tinham conhecimento (consciência) de terem visto os estímulos anteriormente, o que não ocorria. Os resultados revelaram-se coincidentes, com os sujeitos manifestando sempre as suas preferências pelos estímulos já vistos previamente, quer de forma directa, quer de forma subliminar. Como sublinhou Zajonk, estes resultados contrariavam os pressupostos então vigentes na prática científica, como o de que devemos identificar uma coisa antes de podermos determinar se gostamos dela ou não. A emoção, tendo ocorrido sem o reconhecimento (da familiaridade) dos estímulos, implicava que este reconhecimento (consciência) não poderia ser considerado como condição prévia da emoção.

Os trabalhos de Zajonk foram reproduzidos e confirmados por diversos investigadores (Bornstein, 1992) tendo adquirido solidez a noção de que podem ser criadas preferências por estímulos que não estejam presentes na consciência.

As várias evidências empíricas que demonstram a consistência da afirmação de que as reacções emocionais podem ocorrer antes ou independentemente da cognição foram objecto de um sumário por parte de Zajonk, que consiste em:

1. Os estímulos apresentados durante um período de tempo muito curto, insuficiente para que sejam reconhecidos conscientemente, provocam frequentemente reacções primitivas de preferência ("like – dislike").

2. As reacções emocional e cognitiva estão apenas parcialmente correlacionadas, de forma que o mesmo indivíduo pode ter reacções intelectuais e viscerais ("gut") completamente diferentes relativamente a um dado objecto.

3. Alguns tipos de novas reacções emocionais podem ser aprendidos com um mínimo de envolvimento cognitivo (Zajonk exemplifica com o sabor ("taste")), que se podem desenvolver num nível primitivo tal que os indivíduos frequentemente não percebem conscientemente porque gostam ou não do sabor de uma nova comida ou bebida.

4. Durante a infância, o desenvolvimento emocional surge a preceder (ao invés de a suceder) o desenvolvimento cognitivo.

5. O sistema límbico, como outras estruturas cerebrais que controlam as emoções são mais antigos evolutivamente do que muitas das estruturas cerebrais envolvidas em processamentos cognitivos elaborados (" 'higher' cognitive processes").

Zajonk (1980) pressupôs que diferentes tipos de emoção podem ser desencadeados por padrões diferentes de processamento cognitivo. No nível mais primitivo, qualquer estímulo ao acaso (inesperado) como movimentos no campo visual, barulhos, odores, podem provocar respostas emocionais de aproximação/evitamento antes que seja possível o reconhecimento de um objecto ou de ambiências. De forma semelhante a um arco-reflexo, o organismo pode responder antes de perceber o significado específico do estímulo. Zajonk também considera que reacções emocionais mais complexas, como a timidez e a fobia social podem implicar níveis bastante mais elaborados de processamento perceptual e assim, o reconhecimento de objectos ou de ambiências específicas irá ocorrer antes de algumas emoções. No entanto, Zajonk (1984a) argumenta que se definirmos a ocorrência de uma emoção como uma

reacção fisiológica (respostas somáticas e autónomas), então a emoção pode ser conceptualizada como independente dos processos cognitivos de reconhecimento de objectos ou de ambiências.

Para além das objecções já referidas anteriormente por alguns cognitivistas, estas colocações também provocaram reacções nos teóricos evolucionistas, sendo porém passíveis de serem consideradas como complementares (Ohman, 1996) àquelas duas perspectivas. No sentido inverso, em apoio das formulações de Zajonk surgem, curiosamente, representantes do Comportamentalismo. Rachman (1981, 1984) com base nas conclusões inerentes à relativa separação entre emoção e cognição, propõe a utilização, na área clínica, de terapias de inspiração comportamental em detrimento daquelas de inspiração cognitiva.

Considerando a percepção de estímulos sociais, Adelmann e Zajonk (1985), Zajonk (1989), procuraram compreender como a expressividade facial pode desempenhar um papel causal na emoção. Partindo de uma noção que tem origem em trabalhos de Waynbaum (1907), sobre a associação emoção – sistemas vasculares, propõem a "teoria vascular da eferência emocional" (Strongman, 1998), baseada na afectação dos músculos do rosto na circulação venosa. Zajonc considera esta teoria como potencialmente válida para a compreensão de temas como preferências e aversões inconscientes, efeito placebo, "biofeedback". Embora deduzindo várias hipóteses empiricamente testáveis, concluiu não haver evidência factual suficiente para rejeitar qualquer das teorias sobre a correlação eferência facial – experiência emocional.

Segundo Strongman (1998) a teoria vascular da emoção é particularmente interessante por tratar de temas que até ao momento não têm sido abordados em profundidade noutras teorias. Destaca-se a constatação de que as expressões faciais afectam os seios cavernosos, restringindo a circulação venosa e consequentemente, provocando um arrefecimento do sangue arterial fornecido ao cérebro. As alterações da temperatura cerebral podem ter efeito na libertação ou bloqueamento de neurotransmissores envolvidos na emoção. Aquele autor sublinha que esta teoria e alguma evidência que ela originou sugerem possíveis mecanismos em que a emoção e a cognição possam funcionar independentemente.

A importância do trabalho de Zajonk parece-nos inequívoca, assim como a polémica "emoção – cognição" parece ter trazido grande interesse e motivação para a

realização de vários trabalhos. Vemos bastante congruência, em termos retrospectivos, entre a fase emocional do desenvolvimento infantil segundo Wallon e as colocações de Zajonk; em termos prospectivos o desenvolvimento de terapêuticas medicamentosas para as dificuldades sexuais masculinas relacionadas com a distensão muscular das auréolas dos corpos cavernosos na fisiologia da erecção, ou ainda no campo da fobia social, na compreensão do fenómeno da ereutofobia (disfunção involuntária na circulação do rosto que provoca o rubor).

A propósito daquela polémica, concordamos com LeDoux (1998) quando afirma tratar-se, eminentemente, de uma questão de definição de termos, e muito especialmente sublinhamos, da diferenciação entre aspectos conscientes e inconscientes.