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2. Discursividade da emancipação nas entrevistas

2.5 Engajamento e transformação social

Depois de investigadas algumas das associações dos discursos de dois entrevistados no que tange a suas espacializações, temporalizações, actorializações e, também, às isotopias da introspecção e da extroversão, é interessante verificar em que medida a ideia de engajamento influencia a conceituação de independência de cada um deles.

Para dar início, SM28 considera que a juventude é um período de inquietude por excelência, e que essa etapa encontra-se intimamente ligada com o ativismo social.

“... juventude não está muito ligado a... / a idade... eu... acho sim que / que um determinado: tempo da nossa história de vida a gente tem uma maior vitalidade uma maior alegria um:... um... um desperTAR para as coisas para fazer as coisas para estar em

movimento para mim juventude é isso... ser jovem é isso é:... estar: em movimen:to é provocando algumas situações instigando... e:... acho que uma coisa que: / que eu vejo nos

outros jovens e até mesmo em mim... é a teimosia né então... teimosia de de buscar determinadas coisas teimosia de a / de acrediTAR em coisas que:... às vezes em... em outros

pontos da vida não não acredito juventude é isso... muito a ver com o pulsar da vida...” (Anexo, SM28, p. 16, grifos nossos)

A fala de SM28 associa a disposição e vitalidade pessoais ao tema do engajamento e da luta pela transformação da realidade social. Além disso, associa “ser jovem” a um “estado de alma”, descartando a conceituação da juventude meramente como faixa etária. Pimenta também verifica uma tendência entre os jovens que entrevistou (por meio da metodologia de grupos focais20) a considerar essa etapa como um “‘estado de espírito’ que ‘não tem nada a ver

com a idade’” (p. 144, grifos da autora). Os seus informantes tinham entre 25 e 30 anos (p. 47).

Mas os conceitos de juventude encontrados por ela diferem do que se depreende a partir do discurso de SM28, pois não remetem primordialmente a um estado de inquietação das pessoas, mas, sim, a um elemento relacionado com o que se denomina modalidade narrativa do querer.

“É interessante observar que a maior parte dessas práticas ditas “juvenis” está associada a atividades de lazer e de consumo, tais como “sair” (pra balada, pro salão, pro pagode, pra dançar, para o bar, para o cinema), “viajar”, “acampar”, “praticar esportes”, “gastar

dinheiro”, entre muitas outras. O mais importante, porém, é que elas adquirem sua

conotação positiva quando colocadas em oposição às chamadas práticas não-juvenis ou “atitudes de velho”.” (Pimenta, 2007, p. 145, grifos da autora)

Vale menção especial o fato de que o discurso desses entrevistados parece construir uma noção idônea de juventude ao mesmo tempo em que disforiza o conceito de adultez. É como se, ao identificar o ser jovem com os valores associados ao querer, o ser adulto, por sua vez, apenas pudesse desempenhar suas ações com base na modalidade do dever, menos prazerosa que a primeira.

Ainda segundo Pimenta, se a juventude, para esses jovens, por um lado, goza de um lugar privilegiado no sentido de prover os indivíduos com a satisfação de muitos de seus desejos, a etapa da adolescência, por outro, toma um aspecto sumamente disfórico (p. 143). Assinala que ser adolescente, para esses sujeitos, é estar em um período de conflitos e crise interna e em um momento de indefinição, no qual o indivíduo não pode usufruir as despreocupações da infância e nem os poderes da adultez. Essas desvantagens sentem-se ainda mais, afirma a

20 O método de pesquisa social qualitativo conta com um objetivo definido e um número limitado de

perguntas ou temas, colocados por um moderador que coordena o procedimento e garante que todos os envolvidos participem igualmente (Pimenta, 2007, p. 44, citando David Morgan, “Focus Group as

autora, nos segmentos menos favorecidos da sociedade. Isso acontece, segundo ela, por alguns fatores, descritos abaixo.

“É interessante observar que, tanto entre os homens, quanto as mulheres, os participantes expuseram e discutiram as dificuldades de ser adolescente na periferia nos dias de hoje, seja pelas dificuldades econômicas que empurram meninos e meninas mais cedo para o trabalho, seja pela falta de espaços e oportunidades de lazer, o que, juntamente com o crescimento acelerado e caótico da metrópole avança contra essa etapa da vida no sentido de ameaçar suprimi-la” (Pimenta, 2007, pp. 141-142).

Os entrevistados no âmbito do presente trabalho não se pronunciaram quanto às diferenças existentes entre a adolescência e a juventude. Além disso, distinguem-se do perfil encontrado por Pimenta, pois falam de juventude como um momento de inquietude social e militância pela transformação das suas realidades, não se detendo muito nos temas e figuras relacionados ao querer-fazer, que foram constatados pela autora (p. 143). Tal discrepância, provavelmente, deve-se ao critério de seleção de entrevistados desta dissertação, que exigia no perfil dos seus informantes a atuação em projetos pessoais de caráter transformador ou inovador no sentido da emancipação social ou cultural. Por outro lado, o perfil socioeconômico dos entrevistados deste trabalho é próximo ao dos grupos G3 e G4 do estudo de Pimenta (p. 48).

Imanishi (2008, p. 22), do Instituto de Psicologia, em sua dissertação de mestrado, trata da problemática que chama “idealização da adolescência”. Nesse sentido, vai além da visão mencionada acima, que confere disforia à adolescência e euforia à juventude, constatada por Pimenta (2007, p. 143). Na passagem citada de seu trabalho, a autora refere-se ao que considera uma mitificação da etapa anterior à adultez e procura justificar, por meio da análise de algumas obras de autores como Philippe Ariès e Edgar Morin, o seu estatuto idealizado. O lugar do jovem é visto como o almejado e o posto do adulto “fica reservado àquilo que é da ordem do indesejável, do ultrapassado” (2008, p. 23). Isso se dá no contexto de uma sociedade contemporânea, de consumo, na qual o veloz e o novo são privilegiados em detrimento do tradicional. A abrangência dessas afirmações faz com que as reflexões a respeito da juventude ganhem outro matiz e, assim, as problemáticas concernentes a esse segmento, ao serem discutidas nos dias de hoje, adquirem um teor mais aprofundado.

Postas essas considerações de lado, e retomando a análise do presente corpus, a partir do que se verificou nos relatos de AV24, JS23 e SM28, pode-se afirmar que há, nas falas dos entrevistados em geral, dois modos diferentes de se discursivizar engajamento e o desejo de

transformação social. Um deles pauta-se por um investimento coletivo de atores com interesses convergentes, formando um bloco coeso que age para a consecução de um objetivo (verificada, sobretudo, em AV24). A segunda maneira dá-se pelo investimento de um ator individualizado (tal como se verifica em SM28 e JS23). Cada qual pauta-se pelo estabelecimento do que se denomina, no nível narrativo, um contrato fiduciário, sendo apoiado majoritariamente em fontes exógenas ao sujeito (no primeiro caso) ou endógenas dele (no segundo caso). Tanto em um modo como no outro, há manipulação narrativa. Ela está investida em cada caso por manifestações discursivas diferentes, tais como a admiração que os indivíduos jovens sentem diante de outras pessoas mais experientes ou a autoconfiança. Os atores que investem o papel de destinador são normalmente profissionais bem-sucedidos (jogadores de futebol, capoeiristas), membros da família (pais), mestres ou ainda os próprios jovens (no caso de manipulação reflexiva). O discurso de CS20, dentre os casos analisados é o que menos encontra pontos de comparação com os demais por não chegar a abordar com profundidade a temática política.